Eckhart Busca

Mestre Eckhart — TERMOS E NOÇÕES
Excertos de Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
BUSCA
Mas nos Reden, além do esboço está a proposta de um problema que inspira a especulação posterior e que forma o núcleo central da doutrina moral eckhartiana. Trata-se de ver se a atitude do “livre espírito” frente ao mundo — ou, o que é o mesmo, da boa vontade — constitui um ponto de partida ou um ponto de chegada, se é um dom originário de Deus e efeito da imanência divina, ou ainda a última meta de um fatigante processo de conquista interior. É a questão sócratico-platônica de se a virtude pode ou não se pode ensinar, levada ao campo religioso. Parece óbvio observar que os Reden, à medida em que estão dedicados à ensinança, implicam necessariamente no conceito de virtude como “hábito” adquirí-vel e, com efeito, Eckhart afirma repetidas vezes a necessidade de formar o hábito de não aspirar a própria vantagem, senão de encontrar Deus em todas as coisas, de desprender-se do mundo e alheiar-se dele para poder dispor livremente das coisas sem prejuízo espiritual; portanto é dever do homem converter-se em buscador de Deus em todo o tempo e em todo o lugar e persistir neste esforço sem jamais alcançar a meta de tal aperfeiçoamento. A vida moral se nos apresenta assim como perene liberação em ato, contínua e renovada renúncia, reconquista perpétua de si mesmo através da negação do não-ser, isto é, do exterior e do transitório, cujo surgir vindo do fundo de nossa condição de criatura é, como vimos, o necessário momento dialético do ato moral. Somente sob esta condição o ato é “valor” e não um mero acontecer natural. Apenas por isto o morrer para o mundo, que é o nada, significa “nascer para Deus”, que é a Realidade verdadeira. No instante em que a alma morre para si e para as coisas pelo ato de entrega incondicional, nasce realmente para a verdadeira vida, emerge do seu nada e se estabelece no ser. é o “nascimento eterno” que não tem história porque se atualiza no presente instantâneo e continua se renovando a cada instante.

Para esclarecer o processo formativo da alma Eckhart se utiliza de uma comparação de origem neoplatônica. Quem quiser aprender a escrever deve no princípio exercitar-se com frequência pensando em cada letra uma a uma e imaginando-a em si, com esforço; mas quando tiver aprendido a arte, poderá escrever e expressar-se com plena liberdade sem ter que pensar mais nas letras. Do mesmo modo o homem, no começo, deve fixar-se em cada ato seu, controlar cada pensamento e imaginar a Deus com insistência até que, compenetrado do seu divino objeto, não o pense mais com esforço, senão que o possua em seu ser. Em virtude desta comparação a elevação da alma se concebe como processo e obra nossa; não é Deus quem atrai a alma para si, senão que a alma aspira a Ele. O ponto de partida místico é-então rejeitado.

No entanto, apesar da proclamada necessidade de nosso itinerarium, não é difícil demonstrar como em Eckhart não menos que em Boaventura, por exemplo, o começo de nossa busca é já posse e “nascimento divino”. O movimento inicial de nossa vontade não pode ser a continuidade da vida cotidiana, formada de interesses e necessidades, senão que é um salto, uma ruptura com o mundo. Quem quer morrer para o mundo exterior afim de renascer em Deus, já morreu para a sua miséria e renasceu para a eternidade no próprio ato de seu querer. Mas isto não seria possível se nossa mente não estivesse presente e próxima a Deus, se não fosse afim a Ele e não reconhecesse em si mesma o chamado do Absoluto, se, em outras palavras, nas raízes da elevação não se encontrasse já esta atitude mística frente às coisas que, em nosso critério, é a condição transcendental da ensinança de Meister Eckhart.

Desta maneira a vida moral se nos delineia não como a insaciável busca de um bem que inexoravelmente se nos escapa, como uma vã perseguição a Deus, como um angustiante processo de purificação e de libertação, senão como uma conquista atual de uma pureza e de uma liberdade completas que, somente elas, dão valor às nossas obras e tornam possível o próprio processo. A vida moral é o ritmo incessante de busca e de posse: a atividade não tem valor se não se desenvolve sob o signo da vontade boa e livre como imóvel posse de Deus. E esta imutável pureza conquistada não tem significado moral se não se renova em cada instante na luta cotidiana contra o pecado, o mal e a dor. A liberdade é palavra vã se não é incessante liberação; a liberação é um esforço estéril se não é obra de uma alma livre.