Dualismo [ICTG]

Ioan Couliano — Gnoses Dualistas do Ocidente [CoulianoGnose] [ICTG]
1. Dualismo: uma definição de trabalho
  • Termo inventado por Thomas Hyde em 1700 para traduzir em uma fórmula sucinta uma das características mais importantes da religião persa: a oposição dos dois espíritos; desde então sua utilização imprópria levou à condenação de Arthur Lovejoy em seu consagrado The Revolt Against Dualism.
  • Definição proposta
    • Formulação ontológica: oposição de dois princípios; onde oposição implica antagonismo, e princípio designa a fonte de algo, nos conduzindo assim diante de duas entidades separadas na origem de criações próprias de cada; isto implica em dualismo cosmológico, expresso ao nível da criação, pelas partes do mundo que remetem à operação de cada princípio; o que nos leva a questão de um princípio “bom” e outro “mau”, responsáveis por uma criação boa e má, objeto de escolha individual e coletiva do homem.
    • Definições de Ugo Bianchi:
      • São dualistas as religiões e as concepções da vida segundo as quais dois princípios, coeternos ou não, fundam a existência, real ou “aparente”, daquilo que existe e se manifesta no mundo.
      • o dualismo aparece aí onde “dois (ou vários) entre os seres (sobre-humanos e pré-humanos que governam o mundo) são concebidos como antagonistas e maus por natureza intrínseca, e eventualmente, também como titulares de uma criação que lhes é própria ou de um domínio que lhes é reservado”.

Em PSYCHANODIA, Couliano assim considera a questão do Dualismo Gnóstico (GUERRAS CELESTES):

Não será inútil lembrar aqui as principais hipóteses concernentes à formação do sentimento dualista à época onde floresceram os sistemas gnósticos:

a) O dualismo gnóstico é proveniente do Irã. É a hipótese da “religionsgeschichtliche Schule” (v. EXPERIÊNCIAS DO ÊXTASE — INTRODUÇÃO). A isso se responde em geral que existiu, sem dúvida, um tipo mesmo de dualismo no zoroastrismo (ainda que o que se chama dualismo « iraniano » não dissesse respeito senão a uma época muito mais recente), mas, que um zoroastriano não teria jamais sonhado em desqualificar o mundo em sua totalidade. O dualismo zoroastriano é pro-cósmico, enquanto que aquele dos gnósticos é anti-cósmico.

b) O dualismo gnóstico é proveniente do dualismo órfico-pitagórico-platônico. Aqueles que sustentam essa teoria lembram que, ainda que o dualismo platônico seja favorável ao cosmos, não existem menos doutrinas anti-cósmicas no orfismo e em Empédocles. Refuta-se em geral esta hipótese invocando seu caráter demasiado fenomenológico, isto é, muito pouco histórico.

c) O dualismo gnóstico é de origem judaica e se explica pela angústia do povo judeu causada pela queda do Templo em 70. Trata-se, de preferência, de uma teoria sócio-psicológica, lançada R.M.Grant e acolhida por numerosos estudiosos (o qual Jean Daniélou é sem dúvida o primeiro). É necessário convir que Grant não forneceu provas textuais para o apoio dessa hipótese e que se faz aderir, também, à posição dominante (aquela da “religionsgeschichtliche Schule”), que procura a origem de todo dualismo no Irã. Mas, a objeção a mais séria a esta teoria concerne o caráter anti-judaico das especulações sobre o demiurgo gnóstico. Segundo Hans Jonas, a ideia da origem judaica do dualismo gnóstico não é compatível com o caso do « antissemitismo agudo » que o dualismo representa. É porque Hans Jonas, ele próprio, propõe outra explicação do fenômeno:

d) O gnosticismo na sua totalidade se constitui em Samaria, isto é, em um meio judaico quanto à sua origem, mas, anti-judaico quanto à sua posição ideológica. Não discutiremos aqui esta última hipótese.