Saint-Martin (SMMHE, III) – fogo
É esse fogo que deve incessantemente nos preparar e nos manter em temor; e sem essa preparação contínua que ele opera em nosso ser, a palavra viva da angústia não entrará em nós; nos tornaremos para ela um objeto de desgosto, e quando ela quiser nos abraçar, ela será obrigada a desviar a cabeça porque ela se sentirá infectada pelo hálito de nossa boca; pois se o Homem-Espírito é tão frequentemente infectado pelo hálito que sai da boca do homem, como Deus poderia suportá-la? TERCEIRA PARTE. Da Palavra. Permaneçamos, portanto, constantemente sobre esse fogo radical e central, como uma criança permanece no seio de sua mãe, até que tenha atingido as forças necessárias para se apresentar à luz do dia; ou, se pudermos empregar uma comparação menos distinta, como um alimento permanece cozinhando até que esteja pronto. TERCEIRA PARTE. Da Palavra. É por isso que não há fogo demais do abismo em chamas abaixo de nós durante toda a nossa vida, para dissolver as espessas coagulações que nos obstruem. TERCEIRA PARTE. Da Palavra. Pois se este fogo do abismo não prepara assim os caminhos, a palavra da angústia divina não entrará em nós, e se a palavra da angústia não entrar em nós, não poderemos compreender nada das angústias da universalidade das coisas, e não poderemos ser seu consolador. Sim, se não temos em atividade em nós a substância da vida, como poderemos julgar e sentir o que está morto ao nosso redor? TERCEIRA PARTE. Da Palavra. “Não é preciso que nos tornemos um dia como torrentes inflamadas, lançando a todo momento relâmpagos vivos e brilhantes, de todos os pontos de todas as nossas substâncias? Por que nos diriam que nosso Deus é um fogo devorador, e que estamos destinados a ser sua imagem e semelhança?” TERCEIRA PARTE. Da Palavra. Mas o que deveria nos manter em vigilância ativa e contínua é que, pela natureza do nosso ser cujo fogo não pode se apagar, estamos a todo instante pressionados a contrair uma ou outra dessas alianças. Mais ainda, nunca estamos sem contrair alguma, seja de um tipo ou de outro. Enfim, nunca estamos sem gerar frutos quaisquer, já que estamos incessantemente em contato com um ou outro desses focos divinos, espirituais, siderais, terrestres, infernais que nos cercam. Ora, é em bem examinar as palavras que correspondem a esses frutos e a esses pensamentos, ou a essas alianças, que consiste geralmente a tarefa do homem, e particularmente a do homem de verdade que aspira a se tornar ministro de Deus, e obreiro do Senhor; e eis o que aconteceria nesse homem se ele fosse restabelecido em suas medidas divinas, pelo efeito de sua regeneração. TERCEIRA PARTE. Da Palavra. O fogo dessas nuvens fermenta; ele explode: a fonte se entreabre, e dela brotam mil riachos de orvalho divino que descem sobre o homem e o inundam; esses riachos vivificantes se introduzem nele e o penetram, como fazem as chuvas materiais para os campos terrestres. É o zelo e o desejo do homem que é o primeiro centro e o primeiro núcleo dessas nuvens tão salutares; é ele que atrai e fixa as vapores divinas e espirituais que ele tem o poder de convocar e chamar, por assim dizer, de todas as regiões onde Deus age, isto é, da inteira universalidade das coisas. Este é um dos mais belos privilégios do homem, e aquele que lhe mostra da maneira mais convincente como ele foi investido do direito de ser a imagem e o representante da Divindade. TERCEIRA PARTE. Da Palavra. À medida que subimos a essa montanha, nos revestimos do manto de Elias, do qual podemos herdar ainda em vida, e pelo qual podemos fazer cair fogo do céu, dividir as águas do rio, curar doenças, ressuscitar os mortos; pois só esse manto de Elias, ou nossa vestimenta pura e primitiva, pode conservar a palavra em nós, como um manto terrestre conserva nosso calor corporal. O ser animal não pode conter em si essa palavra viva: só nosso corpo virginal pode fixá-la. TERCEIRA PARTE. Da Palavra. Não sou das fúrias do doce João querendo fazer descer fogo do céu sobre uma aldeia samaritana onde seu mestre não pôde ser recebido, porque parecia que ele ia para Jerusalém. TERCEIRA PARTE. Da Palavra. Para nós, homens de desejo, tais são os caminhos que seguimos, e não só conservamos vestígios reais de nossa verdadeira destinação, mas sabemos por experiência, tanto quanto por persuasão, que todos os nossos instantes que não são para Deus são contra Deus, já que o único objeto de nossa existência é ajudar a Deus a voltar ao seu reino, e a se restabelecer universalmente em seu trono. Assim não cessamos de dizer: “Chorem, chorem, profetas; chorem, almas de desejo, porque o momento ainda não chegou, onde nossa palavra pode derramar sobre a terra todas as suas riquezas; ela chora ainda mais do que nós por se ver assim contrariada em seu amor. ” — “Meu pensamento se determinou, por uma santa e firme resolução, a se dedicar inteiramente ao avanço de sua obra; ele se fixou nela, e jurou nunca mais se desviar. Meu pensamento porá seu fogo sobre todas as matérias combustíveis e estranhas à minha essência. ” — “Ele o deixará lá até que elas se aqueçam e se inflamem, e até que ocorra no meio de todas essas matérias combustíveis uma explosão universal que, a cada instante da minha existência, faça ouvir os sons mais imponentes.” — “Por que o fogo do meu pensamento não operaria uma explosão semelhante? Não vejo um fogo perecível se postar sobre as nuvens e fazê-las explodir? ” — “E nós, pensamentos do homem; nós, raios vivos, saídos de um fogo ainda mais vivo do que nós mesmos, teríamos menos privilégio do que o fogo da natureza, de quem um dia os olhos da Divindade se desviarão e ele não será mais! ” — “Não, não, sintamos nossa dignidade, sintamos nossa grandeza, direcionemo-nos inteiramente para o objetivo de nossa obra e de nosso avanço. Eles estão lá, os inimigos de nossa obra e de nosso avanço: mesmo que eles não estivessem mais identificados conosco, eles se apoderaram do único posto que é feito para nós, e não esquecem nada para nos impedir de entrar nele.” — “Não nos desviemos de nossa obra, até que tenhamos limpado tão bem esse posto, que só nós conservemos autoridade nele, e que até os menores vestígios de todos os passos do inimigo sejam apagados.” — “Cuidemos mesmo de acender fogos purificadores em todos os lugares onde ele habitou e por onde ele passou, porque esse posto, depois de ter sido um campo de assassinato e carnificina, deve se tornar o templo da paz e da santidade.” — “A SANTIDADE DA PALAVRA, eis o fogo que é preciso acender em todos os lugares onde o inimigo habitou e por onde ele passou; e mesmo essa palavra sozinha o fará fugir e o fará abandonar seu posto.” — “Não pronunciemos mais nenhuma outra no resto de nossos dias; não permaneçamos mais entre as opiniões tenebrosas dos homens, deixemos para lá suas obscuras pesquisas. Estamos certos de estar na liga da vida, assim que nosso coração tiver pronunciado essa palavra, A SANTIDADE DA PALAVRA!” — “As opiniões tenebrosas dos homens e suas obscuras pesquisas nos impregnariam de suas confusas ignorâncias; não viremos mais a cabeça para trás de nós, desde o instante em que pusemos a mão no timão do arado” — “Que a paz reine entre nós e todos aqueles que acreditarem na SANTIDADE DA PALAVRA, e que todas as diversidades de opiniões desapareçam. Naamã, general do rei da Síria, havia acreditado na SANTIDADE DA PALAVRA: assim, quando ele pergunta a Eliseu, que o havia curado da lepra, se lhe será permitido doravante ir, com o rei, adorar no templo de Remmon, o profeta responde: Vá em paz. ” — “Que os fantasmas, que as ilusões de todos os mundos, que as potências desencadeadas dos abismos se apresentem diante de nós: é preciso doravante que elas se apresentem em vão, porque é preciso que elas nos encontrem em nosso posto, e que elas saibam que queremos permanecer nele para a eternidade” TERCEIRA PARTE. Da Palavra. Será preciso que a palavra eterna repompe e retome em seu seio todas as palavras falsas, nulas e infectas do homem, e que, fazendo-as passar pelo fogo poderoso de seu inefável julgamento, ela refunda aquelas que ainda forem suscetíveis, que ela ponha de lado aquelas que tiverem sido viciadas, e que ela jogue no pântano corrosivo aquelas que de antemão se tiverem enchido de infecções. TERCEIRA PARTE. Da Palavra. Pegue o facho vivo que pode tudo consumir, pois pode tudo produzir, e vá atear fogo a todas as essências corrompidas deste universo que o tornam um obstáculo à nossa oração. Não é o homem quem foi a causa de todas as essências corrompidas deste universo terem se amontoado e acumulado tão pesadamente sobre nós? Não é o homem, então, quem deve concorrer para sua clarificação? TERCEIRA PARTE. Da Palavra. É em seu nome que o solicitarei a transformar seus dias de alegria em dias de tristeza, a deixar que o radioso lugar de sua glória se cubra de luto, e a vir mergulhar em um clima árido e frio seus olhares cheios de fogo, e na região da morte sua fonte de amor que carrega eternamente consigo a fonte universal da vida.“ TERCEIRA PARTE. Da Palavra.
