Saint-Martin – Deus supremo
Suspenso, Deus supremo,… dá-me tempo para me prostrar a teus pés para me preparar para tuas graças, e para delas me tornar menos indigno… acabo de me prostrar aos pés do eterno; cala-te, minha alma, e adora… em vez de me deixar entregue à minha humilhação, Deus me procurava, Deus me perseguia. Diante de mim estava o divino libertador dos humanos, prostrado ele mesmo aos pés da suprema sabedoria. Ali ele se despojava de sua glória, e não reservava de sua própria divindade senão o foco inextinguível de seu amor. Ele levantava o peso da justiça que, tendo-se reunido inteira sobre o temível tribunal do altíssimo, ameaçava o homem culpado. Ela lançava olhares de vingança sobre o abismo do tempo, estava pronta para esmagar o universo. Mas esse heroico e magnífico reparador formava como um vasto oceano de amor e caridade, onde todos os rios da vida vinham trazer suas águas salutares. Sua massa superava a da justiça como as claridades reunidas dos inumeráveis luzeiros celestes apagam os crepúsculos de nosso globo tenebroso. Ele arrastava com esforço o peso da balança, e a fazia pender em favor de minha infeliz posteridade. L’Homme de désir: 31 Eu sentia sua influência divina penetrar todo o meu ser, dissolver todas as impurezas pelo seu fogo, e submergi-las como em uma torrente vivificante e regeneradora. Eis, pois, Deus supremo, como te conduzes para com tua enferma criatura! Tu a cobres de tuas graças antes mesmo que ela tenha feito algo para merecê-las. Eu me levantei, não era mais o mesmo homem. Todos os laços que antes me mantinham a cabeça curvada para a terra, haviam se rompido. Todas as seduções que me haviam envenenado, haviam desaparecido; fontes ativas jorravam livremente do meu coração. Elas levavam seus cursos, sem encontrar nenhum obstáculo, para as regiões do mundo, para ali contemplar a ordem e as leis do grande arquiteto; para o abismo, para ali contemplar sua justiça, e para seu lugar sagrado, minha primeira morada, para ali encontrar o termo de todas as fadigas dos mortais. L’Homme de désir: 31 Sim, Deus supremo, se não fosse certo que fomos nós que quisemos enganar-te, o homem ignorante seria desculpável de dizer com Jeremias: tu me enganaste, Senhor, eu fui seduzido; tu prevaleceste contra mim, tu foste mais forte que eu. Se eu estivesse sozinho na terra, não teria que hesitar no caminho que me conduziria ao repouso de meu espírito. Eu me lançaria com ardor sobre o verdadeiro alimento de meu pensamento e de meu coração. Eu não largaria minha presa até que estivesse saciado, e que sentisse estabelecidos em mim, de modo permanente, canais vivos, sempre prontos para me transmitir minha subsistência. Mas ainda que eu tivesse chorado sobre minha própria privação até secar meu cérebro, ainda que eu tivesse obtido por meus esforços e por minhas lágrimas não sair de Jerusalém; poderia eu esquecer aqueles de meus irmãos que foram levados carregados de cadeias para o meio dos muros da Babilônia? Poderia eu desviar meus olhos daqueles que são conduzidos para lá todos os dias? E poderia eu pensar apenas em meus males, vendo aqueles que meus concidadãos atraíram para si? Jerusalém, se eu te esquecer algum dia, se deixares de ser o principal objeto de minha solicitude, que minha língua se apegue ao meu paladar, e que minha mão não possa tirar som algum de meus instrumentos de música! L’Homme de désir: 40 Supondo que o médico mais hábil não possa prever as revoluções da saúde de um homem são, ele pode prever todo o curso de uma doença quando ela é determinada. Não creiam, pois, que seja necessário, para que a presciência de Deus exista, levá-la até as coisas que ainda não estão, nem em desenvolvimento, nem em potência. Não confundam mais o homem em sua glória, e o homem sob a lei do pecado. Não creiam tampouco que, ainda que essa presciência se estendesse a todos os atos dos seres deste universo, ela fosse por isso o princípio e a causa de vossas obras. Todas as obras que se passam no tempo, não são mais que sequências e consequências. O princípio das obras de desordem foi posto desde o momento do crime. Mas o princípio das obras de misericórdia não foi posto ao mesmo tempo? Assim, quem poderá subtrair-se ao olho de Deus? Nós que habitamos no tempo, infelizes que somos, só conhecemos as obras quando elas estão desenvolvidas. Vós, eterno, que estais acima do tempo, as ledes em sua fonte e em sua raiz. Vós escolhestes colunas para vosso edifício, vós previstes e dirigistes suas obras; vós os tornastes seres necessários; porque vossos planos estão estabelecidos, e nada pode resistir aos vossos conselhos. Mas vós pudestes prever suas obras e não as operar por isso, porque podeis lançar vosso olhar sobre um ser, e não lançar ainda vossa ação. Homens materiais, quereis provas irresistíveis dessa verdade? Houve um livro escrito muito antes do estabelecimento do cristianismo e da dispersão dos judeus, e esse livro anunciava esses dois eventos. Foi o homem que pôde dar a si mesmo esse golpe de vista profético? E no segredo de vosso pensamento, não sentis que o homem é incapaz disso? Entretanto, apesar dessas predições tão autênticas, e que dependem de um golpe de vista superior, essa luz não agiu ao mesmo tempo que viu, visto que o cumprimento só veio depois do anúncio. Repousai ao menos sobre essa parte da dificuldade, e ainda que Deus previsse vossas obras, não vos creiais todos por isso seres necessários. Sim, Deus supremo, tu podes tudo ver, mas tu podes, a teu bel-prazer, agir nos seres, ou deixá-los agir sob teus olhos. Tu deixas até mesmo agir contra ti. Mortais, ocupai-vos da ordenação de vossas faculdades. Tendes o poder de produzir nelas a paz e a harmonia, como Deus produz a vida em vossas essências. Vossa essência e o número de vossas faculdades vêm dele; mas a ordenação e a administração de vossas faculdades devem vir de vós. É preciso que possais produzir algo para assemelhar-vos a ele; é preciso que vossas produções se refiram às faculdades, e não às essências, para não o igualar. Esses dons sublimes são vossos, e a presciência de Deus não vos tira nem vos constrange. Almas humanas, quereis ver florescer em vós todos esses dons? Bebei diariamente das águas do temor do senhor; bebei delas constantemente, e até embriagar-vos com essa bebida salutar. O temor do senhor é uma segunda criação para o homem. Ele afasta dele todos os males. Ele absorve todos os outros temores. Ele pode até mesmo absorver vossas inquietações sobre essa presciência que vos atormenta, porque ele pode unir-vos à ação universal, e à eterna continuidade da luz. L’Homme de désir: 53 Coração do homem, conhece os tesouros ligados ao amor paternal. Teus filhos são para ti uma imagem que te reflete a vida. Tua vida aumenta da deles; é um justo tributo que te pagam, já que a deles começou da tua. O coração do homem entregue ao amor paternal, não tem mais lugar para o crime e para a injustiça. Repousa pacificamente no meio do mal, porque o mal não entra nele, porque seu amor se prende à ordem, e está ligado ao espírito e às virtudes; e porque essa ordem permite que os pais e as mães sejam virgens em suas gerações, a fim de que a desordem encontre ali seu suplício. É por aí que tua obra avança, Deus supremo; quando o homem se separa da iniquidade, tua lei marcha rapidamente para seu termo. Alma do homem, admira teus direitos naturais. És pura? Desde então, sem esforço e sem fadigas, pões o mal em fuga, como um antídoto, cuja simples influência basta para afastar os venenos e os animais maléficos. Oh, profundezas dos conhecimentos ligados à geração dos seres! Quero deixar-vos, sem reservas, ao agente supremo. Basta que ele tenha dignado conceder-nos aqui embaixo uma imagem inferior das leis de sua emanação. Virtuosos cônjuges, considerai-vos como anjos em exílio, que avistaram de longe o templo do eterno, que se associam para retornar juntos, e que a cada dia, ocupam-se de comum acordo em se tornar mais ágeis e mais puros, para serem mais dignos de serem admitidos nele. L’Homme de désir: 80 Samuel, dizes a Saul que Deus não é homem para se arrepender; um momento depois, dizes que o senhor se arrependeu de ter estabelecido Saul rei de Israel. Essas contradições só chocam em nossas línguas, onde estabelecemos tantas palavras quantas ideias recebemos; onde, enfim, as ideias se tornaram escravas das palavras. Senhor, como as ideias não seriam mais numerosas e maiores que as palavras? Não és tu mesmo maior que teu nome, já que ele só serve para te representar? Vejo os hebreus exprimirem pela mesma palavra nakam, a ação de arrepender-se e a de consolar-se. Onde está, então, a contradição? E o profeta Samuel nos enganou? Deus se aflige, porque ama; não se arrepende, porque não pode falhar; se ele se aflige por seu amor, ele se consola por sua justiça. É o homem e todo ser livre que pode se arrepender, porque é o único que pode se extraviar e ter remorsos. Os remorsos são para nossas faltas; a aflição para as faltas dos outros. Senhor, tu te arrependeste de ter criado o homem? Adão não havia sido o mais culpado de todos, e, no entanto, deixou por isso de ser objeto de teu amor? Não, essa aflição de teu amor dizia respeito à depravação e aos desvios dos homens criminosos. Apesar da indulgência que tiveste para com o homem, dando-lhe a terra por asilo após seu crime, se essa aflição de teu amor tivesse tido por objeto a existência do homem, não o terias exterminado inteiramente da face da terra? E terias deixado um rebento para renová-lo? Não, Deus supremo, teus planos são combinados em tua sabedoria. O homem tem o infeliz poder de contrariá-los, mas ele é o único a ser a vítima; e tu sempre sabes conduzir tuas obras ao seu termo. L’Homme de désir: 113 Como Deus não seria mais doce que os homens, já que ele é mesmo mais doce que o espírito? Se em vossas relações humanas, um único ponto fere vossos semelhantes, eles vos condenam por todo o resto. Mas para ti, Deus supremo, se nas obras do homem tu vês apenas o menor grau de justiça, tu fechas os olhos para todas as suas imperfeições. É a tua misericórdia que tu encarregaste do cuidado de recolher nossas orações. Ela só está ocupada em separar o bom grão, e não é repelida pela quantidade de joio que se encontra ali. Os hebreus te ofendiam cada dia no deserto com seus murmúrios; tua glória descia sobre a arca da aliança, para lhes reprovar sua ingratidão. Teu sacerdote te implorava, e à sua oração tu suspendias tua vingança. Era preciso que eles te tivessem tentado dez vezes para encher a medida, e para serem condenados. Os filhos desses prevaricadores deviam errar no deserto até que os cadáveres de seus pais fossem consumidos. Deviam errar por quarenta anos, segundo o número dos quarenta dias que os enviados haviam levado para percorrer a terra prometida. Um dia de graça desprezada, pedia um ano de expiação. Busquemos o senhor, por causa de sua inesgotável doçura: temamos o crime por causa de nossos irmãos e de nossos filhos; e por amor a eles, cuidemos para não atrasar por nossas faltas sua entrada na terra de promissão. L’Homme de désir: 140 Não digam que Deus se deixa levar por um espírito de cólera e fúria. Todas essas expressões são apenas imagens dos diferentes graus que o homem percorre; são apenas a história de seus desvios e quedas diárias. Deus envia o mal aos homens, como um tirano, para puni-los e atormentá-los? Não envia ele, antes, os homens ao mal para combatê-lo e para fazerem suas provas, a fim de que, em seguida, sejam promovidos em graus nos exércitos do senhor? Que o homem se una a Deus, a felicidade o abraça e o segue por toda parte. Desce ele um degrau: a languidez se apodera dele. Quer descer ainda mais baixo: experimentará a privação, a coação, o horror do sofrimento e da raiva. Eis como os homens fixam um destino para si, e Deus os toma depois no estado em que se colocaram. Ele o disse e não engana, ele faz mesmo a vontade daqueles que o temem. Ele faz a vontade daqueles que o buscam e que o prezam. O amor e a oração do homem são mais fortes que seu destino. Encham-se de esperança, almas de paz; encham-se de coragem, subam acima da região do destino, subam à região das delícias e da alegria. A região do destino é muito severa e muito rigorosa para a alma do homem; a região onde o destino ainda não reina, é aquela que convém à extensão e à liberdade de seu ser. Aquela onde o destino não reina mais, é o cúmulo do horror. Não é Deus quem fez essa região espantosa; não é ele também quem fez a região do destino: ele é doce e benfazejo em todos os pontos de sua imensidão. Sois vós, poetas mentirosos, que destes o destino como um atributo a vossos deuses fabulosos; vós degradastes ao mesmo tempo a majestade do deus supremo e diminuístes a inteligência humana. O único destino de nosso deus é ser para sempre o eterno deus dos seres, e penetrá-los todos da plenitude universal de seu amor. L’Homme de désir: 169 Levantei-me antes do dia para oferecer meus votos ao eterno. Aproveitei este momento pacífico em que os homens entregues ao sono parecem ali sepultados como no túmulo, para ali ressuscitar seu pensamento. Este momento é o mais vantajoso para a oração e para se unir à verdade. A atmosfera não está agitada pelas vãs palavras dos homens, nem por suas fúteis ou viciosas ocupações. Mortais, será que só no silêncio do vosso pensamento pode-se encontrar a paz da natureza? Deus supremo, por que deixas por mais tempo nesta terra lamacenta aquele que te ama, que te busca, e cuja alma provou tua vida? Minhas mãos se elevam para ti: parece-me que tu me estendes as tuas; parece que meu coração se infla de teu fogo; parece que tudo o que está em meu ser não faz mais que um contigo mesmo. Percorro em teu espírito todas essas regiões santas, onde as obras de tua sabedoria e de tua potência espalham um brilho deslumbrante, ao mesmo tempo em que enchem a alma de felicidades. Ai! O sol me surpreende, um vapor de fogo, incendiando o horizonte, anuncia ao mundo este tabernáculo da luz. Ele vem reanimar a natureza entorpecida; ele vem iluminar os olhos de meu corpo, e me oferecer o espetáculo de todos os objetos que me cercam. Para: tu não me trazes um bem real, se não vens abrir ainda mais os olhos de meu espírito. Para, pois, ao contrário, tu vens fechá-los. Tu vais me oferecer apenas imagens mortais dessas belezas imortais que meu pensamento acaba de contemplar. Tu vais me esconder o sol eterno do qual tu és apenas um reflexo pálido e quase extinto. Para; pois contigo vão despertar os pensamentos dos homens, a ambiciosa audácia do ímpio, e os fabricantes da iniquidade. Contigo vão se levantar as potências do mundo, para curvar as nações sob seu jugo de ferro, em vez de as chamar de volta à lei doce da verdade. Contigo todos os venenos vão exalar-se e encher de infecção a atmosfera. L’Homme de désir: 196 Se desceres em ti mesmo, e se te deixares conduzir por um bom guia; te afligirás menos por te encontrares culpado, do que por teres sido insensato o suficiente para amar por um instante outra coisa senão a verdade. Dirás a ti mesmo: quando o homem se tornou criminoso, a divina caridade abriu os tesouros do amor; desceu à nossa morada tenebrosa, carregada de ouro, para a libertação dos cativos. Em vez de receber humildemente meu resgate e de retornar à defesa de minha pátria, dissipei esse ouro, que devia me tirar da servidão; enganei meu deus; roubei o que ele me dava tão voluntariamente; como que aniquilei seu amor. Nesse homem assim tocado, as lágrimas do arrependimento absorvem as do remorso e do arrependimento. Nos sábios de uma classe menor, as lágrimas do remorso e do arrependimento absorvem as do pesar. Nos réprobos, as lágrimas da fúria não lhes permitem derramar outras. Julgais os homens apenas pelo que eles são, e Deus os julga pelo que poderiam ser. Ele vê neles o germe radical que os anima, e que os levaria naturalmente para a verdade, se vossos exemplos e vossas cegas dominações não os desviassem. Assim, dispensais o homem de vos pagar com seus pesares; não vos pagaríeis menos com vossas rigores. Deus supremo, quando eu tiver pecado, e quando eu me afligir diante de ti, não será porque tu és um ser que pune, mas será porque tu és um ser que perdoa. Quando me entreguei ao mal, e quando me examino, aquele que se senta no tribunal e que me condena, parece-me tão análogo ao meu verdadeiro eu, que mal consigo discernir a diferença. Quando quero, ao contrário, entregar-me ao bem, a bondade divina pode tanto me fazer avançar, que me parece que foi outro que cometeu minhas faltas passadas. E eis o que o homem ganha ao se aproximar daquele que perdoa. L’Homme de désir: 204 Quando minha oração adquirirá força? Quando será ela como o fogo da fornalha, que derrete os metais? Cruel emprego! Dura necessidade! Sê antes, ó minha oração! Como o bálsamo benéfico que se destila nas feridas! Que cada gota que ali penetra, leve a saúde e a vida! É certamente para render saúde e vida que o homem foi formado por ti, Deus supremo. Pode ele julgar pelas doçuras que sua alma experimenta, quando cumpre essa divina função. Mas pode ele julgar também por suas dores quando vê as chagas do povo, e que desejaria ter à sua disposição todo o bálsamo de Gileade para curá-las. Emprega tuas lágrimas, se não puderes empregar o bálsamo de Gileade. Se elas forem perseverantes, terão mesmo o poder de produzi-lo e de fazê-lo escorrer com elas. Se é permitido entregar-se à inveja ciumenta, é para a alma que sente as dores da caridade. Oh, meus olhos! Encham-se de lágrimas; terei que chorar por toda a duração dos séculos, antes de recuperar esse bálsamo vivo. Por que esse longo termo? É que coloquei todos os séculos como intervalo entre ele e mim. Mas também, se tiver a coragem de chorar durante a duração dos séculos, não o reencontrarei, e não o possuirei por uma duração sem séculos e sem tempo? L’Homme de désir: 269 Quantas vezes os escritores repetiram as prevaricações primitivas, substituindo-se ao princípio de todas as coisas! Seus livros nos submetem ao pensamento de outro homem, enquanto só deveríamos sê-lo ao pensamento do espírito. Assim, depois de lê-los, muitas vezes se elogiou o escritor e se lhe incensou. Mas a coisa divina progrediu mais por isso, e sua obra será contada no dia do recenseamento? Que pensar, então, daqueles que combateram a verdade e que rejeitaram suas demonstrações mais autênticas? Sem esperar até a época do mundo futuro, não são eles julgados já neste mundo atual? Qual é o seu caminho? É com a mentira que atacam a verdade, é com o nada que querem destruir o que é real. Se Satanás mesmo ainda não se arma contra Satanás, como a verdade se armaria contra a verdade? O livro da natureza é o homem; o livro do homem é Deus. Se não tivéssemos deixado de ler com cuidado em nosso modelo, a natureza não teria deixado de ler em nós; e o Deus supremo não teria deixado de fazer chegar sua glória e sua luz até os últimos ramos de suas produções. Pois a alma do homem é o lugar de repouso do senhor, e a natureza devia ser o lugar de repouso da alma do homem. Mas a desordem se estendeu por toda parte. O senhor não encontra mais repouso na alma do homem; e a alma do homem não encontra mais na natureza. L’Homme de désir: 283 Mas qual é o pensamento que poderia penetrar até ele, se não tivesse se tornado novamente análogo a ele? Qual é o pensamento que poderia operar nele essa espécie de despertar, se não tivesse se tornado novamente vivo como ele? Qual é o pensamento que poderia fazer jorrar dele rios doces e restauradores, se não tivesse se tornado novamente doce e puro como ele? Qual é o pensamento que poderia se reunir ao que é, se não tivesse se tornado semelhante àquele que é, separando-se de tudo o que não é? Qual é aquele que poderia ser admitido na casa do pai e à intimidade do pai, se não se tivesse mostrado como sendo o verdadeiro filho desse pai? Homem, se encontras aqui o mais sublime de teus direitos que é o de fazer sair Deus de sua própria contemplação, encontras também sob que condição podes chegar a exercer tal direito. Se chegasses a despertar esse Deus supremo e a arrancá-lo de sua própria contemplação, crês que seria para ti uma coisa indiferente o estado em que ele te encontraria? Que teu ser se torne, pois, um novo ser! Que cada uma das faculdades que te constituem seja revivificada até em suas raízes mais profundas! Que o óleo vivo e simples se subdivida em uma imensidão infinita de elementos purificadores, e que não haja nada em ti que não se sinta estimulado e aquecido por um desses elementos regeneradores e sempre vivo por eles mesmos! Le Ministère…: De la Nature Ela soubera durante sua glória, essa alma humana, que não devia ter outro Deus senão o Deus supremo; e embora não devesse, de fato, conhecer o complemento dessa glória senão depois de ter atingido o complemento de sua obra, contudo, por pouco que em seu estado primitivo ela tivesse provado o encanto das maravilhas e das doçuras divinas, não devia ignorar que nada podia ser comparado ao seu princípio. Le Ministère…: De l’Homme. A origem das apoteoses encontra-se igualmente nessa fonte, porque o operante muitas vezes foi tomado pelo próprio ser que era objeto do culto. Assim, reconhece-se quase entre todos os povos uma Divindade visível e uma Divindade invisível; encontra-se no norte dois Odin; um, Deus supremo; o outro, conquistador; encontra-se do mesmo modo dois Júpiter entre os Gregos, dois Zaratustra entre os Persas, dois Zamolxis entre os Trácios, etc. (Edda. , p. .) Le Ministère…: De l’Homme. A fonte das superstições populares não é mais velada, e não é culpa de seus profetas se os Judeus caíram nessas idolatrias de todo gênero, visto que o Deus supremo é tão claramente distinguido em suas escrituras, e particularmente nos salmos, de tudo o que os homens tomaram desde então por Deus. Mas ao se aproximar dos sacrifícios, alterados ou não, e ao se aproximar de todas as cerimônias praticadas nas abominações secundárias, o homem terá visto que em tais e tais circunstâncias, com tais ou tais preparações das vítimas, enfim com tal ou tal arranjo e disposição das substâncias, tal ou tal resultado ocorreu; ele não tardará a separar de todas essas formas o espírito que devia dirigi-las e dar-lhes todo o seu valor; e esperará dessa forma, dessa substância, dessa cerimônia isolada, o que elas haviam rendido quando animadas por seu móvel. Le Ministère…: De l’Homme. Não é, portanto, apenas pelo interesse de seu irmão que o homem se dedicará assim à obra sagrada de fazer as almas santificarem-se; mas será também pelo interesse do Deus supremo de quem ele ambiciona ser ministro. Le Ministère…: De l’Homme. Mas não vos desculpo mais quando também quereis submeter a palavra homenagem às vossas manipulações políticas. Deus, a palavra e a homenagem que lhes é devida, não são o resultado da reflexão e do cálculo; é pouco mesmo, se não considerais senão um dever a crença nesse Deus supremo e em sua eterna palavra que tem tantos direitos ao respeito de sua criatura. Essa crença é mais que uma consequência filosófica; é mesmo mais que uma justiça e uma obrigação; é uma necessidade radical e constitutiva de vosso ser, e tendes a prova positiva e efetiva em vossa situação, visto que o despojamento universal em que vos encontrais é próprio para vos fazer sentir essa necessidade em todos os momentos de vossa vida, e visto que desde o instante em que deixais de vos ocupar do cuidado de satisfazê-la, recaís no abismo. Le Ministère…: De la Parole. Homem de desejo, é então que, sendo agilizado, santificado e harmonizado em toda a tua universalidade, serás, por tua unidade parcial, a imagem da unidade universal; é então que, pela santa analogia que se encontrará entre o agente supremo e ti, tua alma entrará naturalmente no santuário desse Deus supremo; e quando ele a vir entrar assim naturalmente em seu santuário, não poderá deixar de acolhê-la e de embriagar-se de amor por sua beleza, pois serás também uma de suas maravilhas. Le Ministère…: De la Parole. “Deus supremo, pelo interesse das maravilhas eternas que semeaste na natureza perecível; pela felicidade do homem, em quem te dignaste gravar tua imagem; enfim, pelo interesse de teu amor e o cuidado de tua própria glória, desvia por um instante teus olhares dessa glória que enche tuas moradas celestes, leva-os sobre todas as tuas produções”. Le Ministère…: De la Parole. Perceberemos, mesmo nesta ocupação, uma clareza tão encorajadora para nós quanto gloriosa para o supremo autor de nossa existência; é que se sentimos que não podemos ser regenerados senão na medida em que nos tornamos uma palavra do Deus dos seres, é uma prova de que o Deus dos seres é também por si mesmo, uma palavra viva e poderosa, pois somos sua imagem; e desde então nossa semelhança com ele se apresenta a nós da maneira mais natural,1 a mais instrutiva e a mais doce, visto que a todo momento podemos nos convencer dessa semelhança, e mostrar que em todos os instantes estamos ligados a Deus, como Deus está ligado a nós. Ora, o que manifesta inteiramente a glória desse Deus supremo, e a natureza espiritual de nosso ser, é que apesar da dignidade e do poder da palavra que está em nós, não podemos esperar seu renascimento e desenvolvimento, senão na medida em que a palavra Divina, ela mesma, vem reanimar a nossa, e lhe restituir sua atividade comprimida pelas cadeias de nossa prevaricação; é enfim sentir irresistivelmente que a palavra é absolutamente necessária para o estabelecimento da palavra; axioma que passou para as ciências humanas, e cujo império indestrutível se mostrou àqueles que nem mesmo se ocuparam apenas das línguas convencionais. Le Nouvel Homme: 4. Deus supremo, como nos lisonjear, de fato, de que no estado de opróbrio e iniquidade em que languidescemos, possamos habitar em ti, e que te dignes habitar em nós! Como tua unidade universal se uniria a unidades tão incompletas quanto as que se manifestam diariamente no homem? Muito mais, como se uniria a números cuja irregularidade é tão manifesta? Le Nouvel Homme: 21. Mas entre todas as nações, haverá uma que carregue em si mais eminentemente do que o homem o nome desse Deus supremo? E entre os homens, haverá outro que não o novo homem que possa ser suscetível de manifestar a glória e as vantagens ligadas a esse poderoso privilégio? É, portanto, nele que devemos aprender a admirar o maravilhoso caráter. Com efeito, não temeremos nos extraviar lendo, nesse novo homem, o caminho que o povo hebreu seguiu sob os olhos da suprema sabedoria que o arrancou das mãos de seus inimigos por prodígios e sinais tão extraordinários. Le Nouvel Homme: 25. Finalmente, é essa instrução que o faz considerar todos os fatos da natureza como a expressão de sua verdadeira ciência, e da sublimidade de suas funções primitivas, assim como se pode ver no arco-íris, fenômeno que é formado pela reflexão dos raios solares, como as virtudes intelectuais são reflexos da Ação do Deus supremo: que, aparecendo apenas quando há nuvens, parece pôr o limite entre seu tenebroso caos e a morada da luz: que traz um número regular em suas cores: que se apresenta sob a forma de uma circunferência tão subordinada ao homem, que este sempre ocupa o centro, e se faz seguir a cada passo: que oferece por ali a seus olhos um quadro imenso, onde ele pode ver quais eram suas primeiras relações com a unidade, com os Agentes submissos de que dispunha a seu bel-prazer, e com a morada da desordem e da confusão da qual esses Ministros fiéis o mantinham cuidadosamente separado: que, em uma palavra, apresenta um quadro tão fecundo, que a Sabedoria não podia escolher um emblema mais belo, quando quis, por ocasião do Dilúvio, anunciar essas virtudes superiores e universais das quais ela fez de todo tempo os órgãos e os sinais de sua aliança com o homem. Tableau naturel…: XVII Representemo-nos, enfim, esses homens amaldiçoando talvez o Deus supremo, enquanto ele não cessará de lhes estender a mão para ajudá-los a passar sem acidente sobre o poço do abismo. Pois essa mão benfeitora que nunca reteve seus dons para os filhos do homem, os reterá muito menos ainda em um tempo em que suas necessidades serão extremas. Tableau naturel…: XXI
