Saint-Martin (SMNH) – Alma humana
Quando o homem ora com constância, com fé, e busca se purificar na sede ativa da penitência, pode acontecer de ouvir interiormente o que o reparador disse a Cefas: “tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno jamais prevalecerão contra ela”. Essa operação do espírito no homem nos ensina qual é a dignidade da alma humana, pois Deus não teme tomá-la como a pedra fundamental de seu templo; ela nos ensina o quanto devemos nos nutrir de doces esperanças, pois essa eleição nos protege das potências do tempo, e mais ainda das potências das trevas e dos abismos; ela nos ensina, enfim, o que é a verdadeira igreja, e que, consequentemente, em nenhum lugar há igreja onde essa operação invisível do espírito não se encontre. O Novo Homem: 8.
Mas, repitamo-lo, é nas mais recônditas profundezas da alma humana que o arquiteto deve vir pôr o fundamento da igreja; e é preciso que ele as cimente com a carne, o sangue e a vida do nosso verbo, e de todo o nosso ser. Este é o trabalho mais penoso da regeneração; é aquele que incide sobre essa íntima substância de nós mesmos. No meio dos suplícios que nosso corpo pode sofrer, podemos em nossa alma sofrer um ainda maior. O Novo Homem: 12.
Quando o Reparador foi a Betânia para ressuscitar o irmão de Marta e Maria, que estava morto há quatro dias e cheirava mal; quando, estando perto do túmulo, disse em voz alta: “Lázaro, levanta-te”; era a ti, alma humana, que ele se dirigia ainda mais do que àquele cadáver que era apenas o símbolo do verdadeiro renascimento; e é ainda aí que tu encontras um novo traço desse quadro geral do qual tu és o objeto, e que abrange o conjunto das coisas. O Novo Homem: 13.
Alma humana, lembra-te que uma terra se engraça pelos frutos que ela produz; porque as sementes que ela recebe em seu seio lhe devolvem numerosos detritos pelos sucos que delas retiram, e fazem descer sobre elas os orvalhos do céu. alma humana, mais fecunda que a terra corruptível onde tu estás aprisionada por um tempo, tu podes, mais do que ela, receber vivas sementes, tu podes, mais do que ela, produzir numerosas colheitas, tu podes, mais do que ela, fixar e fazer correr sobre ti os ricos e fecundos orvalhos; e são todos esses tesouros que devem engraçar-te para sempre; pois, se tu disseres a ti mesma com sinceridade: “Lázaro, levanta-te”, tu podes então esperar que o conselho celeste venha deliberar até em teu próprio seio, e envie em seguida sua palavra sagrada em todo o teu ser, para aí fazer executar seus decretos, e fazer correr abundantemente em todas as suas substâncias elementares, espirituais e Divinas as santificações eternas que tendem apenas a apagar o tempo, ou esta mancha, lançada sobre o quadro da vida, e que gostariam que esta imagem que se chama hoje, tendo desaparecido, tudo o que existe retomasse o nome universal do antigo dos dias. O Novo Homem: 13.
Independentemente das experiências particulares que tu podes fazer sobre ti mesma, ó alma humana, de todas essas verdades, os caminhos se abrem temporalmente diante de ti para servir de preparação e de encaminhamento a esses grandes abalos; mas elas não estão ainda em sua atividade; tudo o que se passa, e se passou sob teus olhos há alguns séculos, só te apresenta pueris imagens do que está reservado aos últimos tempos; o inimigo só age ainda por astúcias, dissimulações, subterfúgios, porque a família divina dos cristãos ainda está reunida apenas figurativamente. O Novo Homem: 15.
Deus de força, Deus de vida, Deus de longanimidade, ajuda-me a acelerar esses tempos tão propícios e tão salutares! Ajuda-me ao menos a não os retardar por minha desconfiança e minha covardia, ajuda-me a preparar pela constante atividade de minha penitência a sacra impressão de teu triplo selo sobre toda a minha pessoa, desse triplo selo cuja unidade é um fogo devorador que consome tudo o que não é nascido do espírito, desse triplo selo que não abandona mais a alma humana, assim que imprimiu profundamente sobre elas seus vivificantes caracteres, desse triplo selo que transporta logo o homem para fora desta esfera de languidez e desgosto, onde só nos nutrimos da morte, em vez de provar as delícias inexprimíveis do lugar de paz onde haurimos o nascimento, e tu, santa sabedoria, que deverias ser nosso alimento de todas as horas, e de todos os momentos, vem pôr tuas mãos benéficas sobre esses sinais sagrados que a bondade suprema dignou-se fixar sobre o homem; que tuas mãos sejam como outras tantas ligaduras que contenham e fixem o bálsamo vivificante que foi aplicado sobre minhas feridas, e que elas façam penetrar os sucos e os espíritos regeneradores até em minhas substâncias mais corrompidas, a fim de que o pouco de vida que ali resta retome suas forças, e que meus membros retomem sua agilidade. O Novo Homem: 18.
Profundas doutrinas já nos ensinaram que nesse deserto ele será tentado na realidade da maneira como o primeiro homem o foi no domínio primitivo que lhe foi confiado; elas nos ensinaram que ele o será em seu corpo, em sua alma e em seu espírito em razão dos três princípios que nos constituem; elas nos ensinaram que ele nunca poderá se defender melhor do que opondo ao seu inimigo a palavra que sai da boca de Deus, como o Reparador nos deu o exemplo, respondendo ao tentador apenas por passagens da Escritura; elas nos ensinaram que esse homem, em prova, deve passar quarenta dias e quarenta noites no deserto para cumprir a retificação desse quaternário que caracteriza a alma humana, e que foi desfigurado pelo pecado; assim, não1 nos apoiaremos nesses grandes objetos. O Novo Homem: 32.
É por isso que essa ação do Senhor nunca vem sobre o homem sem excitar nele santos frêmitos que, ao purificá-lo de suas impurezas, fazem-no sentir fisicamente quão terrível é a fraqueza à qual ele está reduzido, enquanto a aliança não é renovada, e, ao mesmo tempo, quão grande é a potência do ser infinito que abraça tudo, que move tudo, que penetra tudo, e que deu à alma humana o direito de contemplá-lo, e de sentir sua vivaz atividade. O Novo Homem: 39.
Ai da alma humana que, depois de assim ter renovado sua aliança com o espírito, e a palavra do Senhor, não trema de respeito pela missão de que está incumbida, e não cumpra com um santo favor, todas as funções de seu ministério! Ai dela se, tendo obtido novos poderes, e dons mais vastos para fazer descer mais abundantemente sobre ela, e em sua região, as graças, e os temores da palavra, e do espírito do Senhor, ela usar desses dons com desejos que não sejam os do próprio espírito, com uma fé que não seja a do amor e da luz, e com faculdades que não sejam inteiramente,2 e exclusivamente devotadas à obra que ela deve realizar na terra! Ela se tornará culpada do corpo e do sangue do Senhor (1ª Coríntios 11:27); ela comerá e beberá sua própria condenação, ela se tornará fraca e doente, e cairá no sono. O Novo Homem: 39.
Mas tendo começado a usar dos direitos originais da alma humana (que eram de remitir os pecados) por remitir os pecados ao paralítico, em recompensa da fé que o animava, ele desejará ainda impressionar os olhos materiais dos doutores da lei por um prodígio corporal, e pela cura material do doente; e sabendo quanto os poderes sobre o espírito se elevam acima dos poderes que só recaem sobre o corpo, ele provará a cura interior, ou o poder que ele teve de remitir os pecados pela cura exterior, já que uma potência menor está necessariamente compreendida em uma potência superior, o que nos ensina quanto nossos males estão ligados aos nossos distúrbios morais, e que se nosso interior fosse melhor regulado, teríamos infinitamente menos enfermidades corporais. Penetrado desses princípios, o novo homem, tendo desatado no paralítico as cadeias do pecado que suspenderiam a ação de todos os seus órgãos, dirá, com segurança, a esses órgãos libertos de suas amarras: “Levanta-te, eu te ordeno, pega tua cama, e vai para tua casa.” O paralítico se levantará, pegará sua cama, e irá para sua casa para o grande espanto daqueles que serão as testemunhas desse glorioso evento. O Novo Homem: 39.
O novo homem ouve no fundo de si mesmo este cântico que encanta o ouvido da sabedoria: “É do alto que virá minha força, é do alto que esperarei a luz; o peso da potência do Senhor precipita todos os inimigos no abismo, porque sua potência constrange a alma humana a desenvolver a sua por sua vez, e que a potência da alma humana é como um reduto em torno do ano do Senhor.” O Novo Homem: 48.
À semelhança do Reparador, o novo homem entrará em seu próprio templo, expulsará a chicoteadas os cambistas e os vendedores de pombas, repreendendo-os que da casa de seu pai, que era uma casa de oração, eles fizeram uma caverna de ladrões. Se os príncipes dos sacerdotes, os doutores da lei, e os senadores lhe perguntarem com que autoridade ele faz essas coisas, ele não lhes responderá, porque eles não podem dizer se o batismo de João era dos homens, ou se era do céu; porque eles não conhecem a união da alma humana com o espírito do Senhor, que faz com que o batismo de João pertencesse a esses dois mundos, e por isso era a imagem da autoridade do Reparador que provinha também da reunião das potências desses dois mundos. O Novo Homem: 57.
Pois os doutores da lei são demasiado tenebrosos para perceber esse concurso, e a alma humana é para eles apenas um instrumento passivo, semelhante em tudo aos seres inanimados, e sem uma ação que lhes seja própria, e que possa, por analogia, unir-se à ação da Divindade. Assim, não deixarão de procurar apoderar-se do novo homem que, por todas as suas respostas, os fará cessar de cair em confusão; mas como apreendem o povo, enviarão a esse novo homem, pessoas que fingirão ser pessoas de bem, para lhe armar armadilhas, e surpreendê-lo nas palavras, a fim de entregá-lo ao magistrado, e ao poder do governador. O Novo Homem: 57.
Perguntarão, portanto, se lhes é permitido ou não pagar o tributo a César. Mas o novo homem, vendo sua malícia, lhes dirá: “Por que me tentais? Mostrai-me3 um denário. De quem é a imagem e a inscrição que ele traz? De César? Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, resposta que os deixará mudos e envergonhados, sem que, no entanto, penetrem em toda a profundidade que ela encerra; pois assim como não puderam dizer se o batismo de João era dos homens ou se era do céu, visto que não conhecem as relações da alma humana com Deus, assim também não verão por que devem render a Deus o tributo que pertence a Deus, já que ignoram que o tributo só é devido a Deus porque a alma humana traz a imagem desse supremo soberano, como o denário trazia a imagem e a inscrição de César. O Novo Homem: 57.
A festa dos pães sem fermento aproxima-se; esta festa anuncia ao novo homem um alimento que não está sujeito à fermentação e à corrupção da matéria. Ora, como esta festa se chama a passagem; e como é na passagem do renascimento espiritual que se encontram os maiores perigos para a alma humana, é também o momento dessa passagem que escolhem os príncipes dos sacerdotes e os doutores da lei, para apoderar-se da pessoa do novo homem, e onde seu inimigo se oferece a eles para entregá-lo mediante o preço que eles combinam juntos, e que enche de alegria esses príncipes dos sacerdotes e os capitães, porque eles temem o povo, e só podem empregar astúcias e traições… O Novo Homem: 60.
O que é este homem carregando um cântaro de água? É o precursor da santa aliança que só pode ser contraída após a purificação perfeita. O que é esta câmara alta onde a Páscoa deve ser celebrada? É o pensamento do homem que está revestido do privilégio de se mostrar entre as nações como a região mais sublime do templo imortal que o espírito santo se propôs habitar.4 O que é este mestre que envia perguntar onde é o lugar onde ele comerá a Páscoa com seus discípulos? É o espírito do novo homem mesmo, que vem visitar a alma humana para lhe restituir a vida e a luz, mas que sabendo que esta alma humana é um ser livre, não quer habitar em sua casa senão por seu próprio consentimento, apesar de todos os bens e todas as riquezas com que ele vem favorecê-la. O Novo Homem: 60.
Mas este novo homem, este filho do espírito, e da sabedoria eterna, este filho divino que a alma humana tem o poder de engendrar, e pelo nascimento do qual ela deve se salvar, como suas mulheres que, segundo Paulo a Timóteo, se salvarão pelos filhos que elas derem à luz, este novo homem, digo, será muito mais apressado em reinar sobre a alma humana por seu amor, do que por prodígios. O Novo Homem: 69.
Aprenderás a avaliar esta semente preciosa da qual ele formou a alma humana, e que lhe é tão cara, que apesar de suas ingratidões, ele não pode desviar os olhos dela. O Novo Homem: 70.
Verás este Ser infinito verter continuamente sobre nós em todos os gêneros, a abundância de suas potências, de sua majestade, e de sua infinidade; pois nossa vontade pestilenta por mais que faça, o Eterno não cessa de nos demonstrar o limite, e a impotência fazendo-nos constantemente nadar em sua universal imensidão. Não te aflijas, pois, alma humana, se teu novo homem, depois de te ter abençoado, se separou de ti, e foi elevado ao céu. Imita o exemplo dos discípulos do Reparador universal que depois de o “terem visto separar-se deles, e subir ao céu, voltaram cheios de alegria a Jerusalém, onde se conservaram sempre no templo, louvando e abençoando a Deus,” porque estavam cheios de confiança em suas promessas. O Novo Homem: 70.
