Tratado da Reintegração dos Seres (Apresentação de Robert Amadou)
Robert Amadou O Tratado de Martines de Pasqually é um midrash judaico-cristão. Judeus, samaritanos e cristãos praticaram, sob o nome midrash, ora um comentário da Bíblia, ora a arte da homília, mas é comum que o mesmo livro combine as duas práticas numa narrativa, aumentada e anotada com grande liberdade, de episódios escriturários. O mesmo acontece com o Tratado, que revive a tradição judaico-cristã do midrash. Ao ler o Tratado da Reintegração o leitor não saberá recusar o auxílio da Figura Universal, também chamada de Quadro Universal. Esse desenho reproduz a imagem de nosso mundo em seu presente estado. Esse estado insere-se numa sequência e é dinâmico. A força em atuação ousamos qualificá-la de historiosófica, uma vez que a Sabedoria regrou o jogo em que participam Deus, os espíritos, o homem e o universo.
Atentemos para o fato de que, no momento da figura, os espíritos, humanos e outros, são repartidos de maneira acidental. A prevaricação de alguns espíritos inaugurou o tempo e o espaço que o Quadro Universal detalha. Deus baniu os anjos rebeldes de sua corte divina, de sua imensidade. O universo, que os espíritos do eixo fogo central cercam, é o seu lugar de exílio. Ele provém de uma criação feita pelos espíritos que continuaram fiéis. Por ordem do Eterno, esses espíritos criadores realizaram sua tarefa proferindo, diz Martines, a palavra do filho octonário (octonária será, por conseguinte, a potência confiada ao primeiro menor). De que serve ao homem conhecer esse dispositivo cujo plano se entreabre para a complexidade? Para agir e vencer. Para operar a reintegração, meta suprema e missão do homem emanado para este fim. A reintegração fará todos os seres entrarem na eternidade do amor divino. Entretanto, a posteridade de Adão não está mais apta a cumprir sua missão imediatamente. A queda do pai tornou necessária sua prévia reconciliação. O caminho dessa reconciliação é a iniciação. Adão é o primeiro homem, nós também o somos, e, ao mesmo tempo, o último. O antigo Adão se renova em Cristo, segundo Adão. O homem de um desejo assumido (traduziremos no âmbito de Martines) confia-se à sagrada Sofia, nossa Mãe, Jesus, que é o Cristo, e, possuindo assim a coisa, possuído por ela, o homem, ou homem-Deus, imita com perfeição relativa o homem-Deus absolutamente perfeito, ou o homem-Deus e divino. Emprestaremos a linguagem dos Patriarcas da Igreja, que sustentavam que o homem torna-se, pela graça, não aquilo que Deus é, mas aquilo que o Cristo é por natureza: Deus? De fato; isso pode e, na verdade, até deve ser inferido do Tratado. Mas isso não está formulado nele, nem mesmo com outras palavras. As línguas semíticas não empregam o verbo ser para cópula; o pensamento semítico também não. O Tratado de Martines exorta o discípulo à teurgia cerimonial, que efetua a necessária reconciliação do homem e a reintegração universal. Essa teurgia é o ritual graças ao qual o homem trabalha no mundo angélico e, consequentemente, no mundo material e se comunica com Deus; ou trabalha em si e para si. Uma Nova Instrução Cohen tira a prática da reconciliação num sentido ascético e místico, sem trair a doutrina, sem excluir e até franqueando uma via adjacente de exercício secreto, que Martines estimava ser a via principal, se não ideal. E, escreve o autor anônimo que se assemelha a Fournié, um “tratado de ressurreição”.
