Rolle – Fogo do Amor, Humilhação (9)
Richard Rolle — Fogo do Amor (IX)
Quão bom é ser humilhado
Pois a vergonha basta para destruir a honra, e a confusão põe fim à glória mundana, não é evidente que se deve preferir os ultrajes às honrarias, as injúrias às dignidades, os rebaixamentos aos louvores? Estes muitas vezes nos fazem cair na vanglória, enquanto aqueles, suportados com paciência, ensinam a humildade neste mundo e nos merecerão a coroa no outro. “A paciência dos pobres não será frustrada para sempre” (Sl 9,19). O que constitui a santidade é, primeiro, não pensar, dizer ou fazer nada que desagrade a Deus; e, depois, pensar, dizer e fazer o que possa agradar-Lhe. Coloca esses dois pontos em prática segundo tua luz, de modo a não fingir uma santidade exagerada, pois é louco quem deseja parecer sempre santo aos olhos dos homens.
Ó bom Jesus, feri-me nesta vida; cortai, retalhai, queimai, fazei de mim tudo o que aprouver à vossa bondade, para que o mal não me atinja na vida futura, e para que, tanto nesta como na outra, eu saboreie o vosso amor. É mais doce para mim ser desprezado e objeto de vergonha aos olhos dos homens do que ser chamado irmão por um rei da terra e ser honrado e louvado por todos. Estou pronto a ser provado e castigado, e que Cristo me conceda sê-lo neste mundo, se isso for o meio de eu escapar aos tormentos do outro.
Que o justo, portanto, não tema nem a tribulação, nem a provação, nem a miséria, nem a abjeção: elas não podem prejudicá-lo, desde que não peque e progrida sem cessar na vida contemplativa e no amor de Deus… Avancemos, pois, no meio da prosperidade e da adversidade, através do fogo e da água (Sl 45,12), até chegarmos ao refrigério da vida celeste. Quando estivermos na aflição, na necessidade ou na pobreza, cuidemos de nunca nos entregarmos ao murmúrio e de não deixar escapar uma palavra inconsiderada ou amarga (Jó 1,22). Ó minha alma, em meio a tudo o que te acontece, louva o Senhor na doce complacência da devoção; ao louvá-Lo assim, experimentarás a suavidade do canto celeste, e, entregando-te a esse canto, saborearás o mel da doçura divina. Assim, louvarei o Senhor durante minha vida, na tribulação e na prosperidade; celebrarei meu Deus enquanto eu viver (Sl 103,33).
Enquanto habita neste lugar de exílio, aquele que ama a Deus não se entrega nem a uma alegria demasiado viva nem a um abatimento excessivo; antes, une à alegria uma certa gravidade. O riso é censurado por uns, louvado por outros: aquele que vem da leviandade e da vaidade do espírito merece reprovação, mas o que nasce da alegria da consciência e do júbilo espiritual é digno de aprovação. No entanto, ele só pertence aos justos e não é senão a alegria no amor de Deus. Se somos alegres e jubilosos, os maus nos chamam de libertinos; e se somos sérios, nos acusam de hipócritas. Pois é difícil ao homem compreender o bem que não encontra em si mesmo. Se vê alguém seguir uma vida diferente da sua, julga com presunção que há ali erro e falsa direção ].
