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Rolle – Fogo do Amor, experiência pessoal de Rolle (15)

Richard Rolle — Fogo do Amor (XV) Quando eu, infelizmente, prosperava e brilhava no mundo, já na força da juventude, a graça do meu Criador veio sobre mim, apagou o atrativo da beleza corporal e fez-me desejar apenas os abraços espirituais. Elevou minha alma e a impeliu com tanta força para as coisas do céu que, desde então, o desejo das alegrias eternas me consumiu mais do que jamais o fizeram as delícias do mundo. Se quero descrever o que então aconteceu, preciso exaltar a vida solitária, pois o Espírito que soprava em mim impeliu-me a seguir essa vida e amá-la com todas as minhas forças, e desde então me apliquei a vivê-la dentro dos limites de minha fraqueza. Aconteceu, porém, de eu permanecer entre aqueles que floresciam no mundo, recebendo deles sustento e também lisonjas que teriam sido suficientes para derrubar lutadores valorosos. Mas minha alma desprezou tudo para apegar-se a um único bem, elevando-se assim ao amor do seu Criador. Não busquei senão as suavidades eternas e entreguei minha alma para que amasse a Cristo com todo o seu fervor. Por isso, o seu Bem-Amado fez-lhe provar a doçura da solidão. Adquiri, então, o hábito de buscar um lugar de repouso, embora não sem passar, às vezes, de um lugar a outro. Não há mal algum para um eremita mudar de cela por um motivo razoável e depois retornar à que ocupara antes. Vários santos Padres do deserto agiram assim e até foram censurados por isso. Mas foram os maus que os difamaram, e estes sempre encontram algo a criticar… Logo aprendi que, quanto mais os homens se exaltavam em me difamar, mais proveito espiritual eu colhia, e constatei que os mais ardentes detratores eram aqueles que eu julgara meus amigos mais fiéis. Por isso, não renunciei ao que era útil à minha alma para ceder às suas palavras, e sempre encontrei Deus favorável a mim. Lembrei-me da palavra do Salmo: “Eles o amaldiçoarão, mas Tu o abençoarás” (Sl 108,28). E, com o passar do tempo, avancei na alegria espiritual. Desde o início da minha mudança de vida e da transformação da minha alma, passaram-se três anos menos três ou quatro meses até que se abrisse para mim a porta do céu, até que o olho do meu coração pudesse contemplar abertamente os habitantes dos céus e eu soubesse como buscar o meu Bem-Amado e suspirar sem cessar por Ele. Desde então, com a porta do céu permanecendo aberta, mal se passou um ano, e senti em meu coração acender-se, em plena verdade, o fogo do amor eterno. Estava sentado numa capela, entregue à oração ou à meditação, quando de repente senti em mim um calor insólito, mas muito doce. A princípio, hesitei sobre o que poderia ser, mas, após longa experiência, reconheci que não vinha de uma criatura, mas do meu Criador, pois me inflamava cada vez mais e me enchia de uma alegria crescente ]. Esse calor sensível e de uma doçura indizível durou cerca de nove meses e algumas semanas, até o dia em que recebi o dom do canto celeste e espiritual. Esse canto, que participa do louvor eterno, já contém a suavidade da melodia invisível, que não pode ser conhecida e ouvida senão por aquele a quem é concedida, e desde que seja puro e desapegado das coisas da terra. Ainda estava sentado na mesma capela, à tarde, antes do jantar, cantando o melhor que podia alguns salmos, quando ouvi acima de mim como um ruído de vozes que salmodiavam ou, melhor, que cantavam. Enquanto continuava a orar, prestei atenção, com todo o desejo, ao que vinha do Céu, quando, de repente — não sei como —, senti esse concerto ressoar dentro de mim e recebi interiormente a mais deliciosa harmonia celeste, que desde então permaneceu em meu espírito. Meu pensamento transformou-se habitualmente num canto melodioso, e minha meditação converteu-se em hino, assim como minha oração e minhas salmodias. A partir daquele momento, o que antes eu apenas dizia, passei a ter de cantar, por causa da abundância de doçura interior; mas faço-o apenas em segredo e sozinho, na presença do meu Criador, para não revelar nada aos que me veem. Pois, se soubessem, me honrariam sem medida, e eu correria o risco de perder essa flor preciosa e cair na desolação. Não é sem espanto, porém, que eu me veja elevado a tais alegrias enquanto ainda habito neste lugar de exílio. Admiro que Deus me tenha concedido dons que nem sequer Lhe pedi, por ignorá-los, e que julgava inacessíveis até aos maiores santos. Devo concluir, portanto, que eles não são dados por mérito, mas por pura graça, e àqueles que Cristo escolhe. Assim, passaram-se cerca de quatro anos e três meses desde a minha conversão até que alcancei o grau mais elevado do amor de Cristo ao qual a graça de Deus me permitiu chegar, e pude fazer ressoar os louvores divinos por meio desse canto de jubilação. Este é o estado em que permaneço desde então. Ele só atingirá sua perfeição após a minha morte, pois, aqui na terra, a alegria do amor e o fogo da caridade apenas começam, para receber sua consumação gloriosa no reino dos Céus. Pelos benefícios que recebi, desejo render sem cessar graças e louvores a Deus que, nas angústias, perseguições e penas, me prodigalizou consolações, e que, no meio das lisonjas e da prosperidade, me deu a segurança de esperar a coroa eterna. Foi assim, meus irmãos, que cheguei ao fogo do amor. Se vos fiz este relato, não é para obter vossos louvores, mas para que glorifiqueis a Deus, de quem recebi todo o bem que tenho, e também para que, considerando a vaidade de tudo o que o sol ilumina, tomeis coragem não para difamar, mas para me seguir.

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