Rolle – Fogo do Amor (14)
Richard Rolle — Fogo do Amor (XIV)
Para mim, depois de ter perscrutado o melhor que pude as Escrituras, encontrei e reconheci que o grau supremo de amor por Cristo consiste nestas três marcas: o fogo, ou calor, o canto e a doçura. E constatei por experiência que elas não podem subsistir na alma se esta não goza de um profundo repouso. Quando eu tentava contemplar em pé, caminhando, ou mesmo prostrado, elas me faltavam e eu permanecia na desolação. Assim, impulsionado pela necessidade, escolhi permanecer sentado, a fim de não decair da mais alta devoção a que eu podia chegar. ] É preciso, portanto, reconhecer que a suprema perfeição da religião cristã se encontra nestes três sinais do amor perfeito. Para mim, se recebi algo disso na ínfima medida da minha capacidade, pela pura liberalidade de Jesus, não pretendo igualar-me aos santos em quem esses sinais brilharam, porque os receberam com mais abundância; apenas faço o meu melhor para amar com uma ardência cada vez maior, cantar com mais pureza e saborear sempre mais a doçura da caridade. Mas não acreditem por isso, meus irmãos, que hoje não existam mais santos tão grandes quanto os Profetas e os Apóstolos. O fogo ou calor de que falo se encontra quando o espírito é, em toda a realidade, inflamado pelo amor eterno, e que o coração também sofre tão fortemente a influência desse amor que se sente queimar, queimar não em figura, mas realmente, pois é como que transformado em fogo, de tal modo que o fogo do amor se torna objeto de experiência. Há canto quando, sob a ação desse fogo que a invadiu por completo, a alma recebe interiormente a suavidade do louvor eterno, que seu pensamento se transforma em hinos e que o espírito permanece ocupado em uma melodia mais doce que o mel. Nessa afluência de bens, nenhuma ilusão é possível; mas, ao contrário, nela se consuma a perfeição de todos os nossos atos. Ela nada tem em comum com essa falsa e fingida devoção em que o demônio do meio-dia faz cair aqueles que são ignorantes da vida contemplativa e que se creem muito elevados em espiritualidade, enquanto ainda estão nos graus inferiores. A alma em que se encontram ao mesmo tempo esses dons não pode ser ferida pelas flechas do inimigo (Salmos 91:6), enquanto seu pensamento estiver absorvido em seu Bem-Amado e sua intenção se voltar unicamente para amar. Não se admire se o dom da melodia celestial é enviado à alma assim perfeitamente ordenada no amor (Cântico dos Cânticos 2:4), e se Aquele que ela ama lhe concede o consolo desse canto, pois sua vida paira acima das vaidades; ela é como revestida das coisas do Céu e queima sem trégua nem deficiência do fogo incriado. Desde então, nada de surpreendente que sua meditação se transforme em canto de glória e que sua natureza renovada seja mergulhada na doçura de uma melodia celestial.
