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Deghaye (CHJB) – Boheme, a Divindade pura que é o Um primordial

CHJB

Consideramos o Deus de Böhme de acordo com sua geração, que se realiza no ciclo das sete formas que simbolizam a natureza eterna. Mas o teosofista não fala de Deus antes desse ciclo? Ele dificilmente poderia dispensá-lo. Ele o faz de duas maneiras. Primeiro, ele diz que Deus só se revela na natureza e, quando sugere o que pode ser o Um primordial fora da natureza, ou seja, anterior ao ciclo septenário, ele se expressa em termos negativos. Depois, no nível das obras que apresentamos, Böhme procura integrar em sua teosofia uma concepção do Deus trino que gera a natureza ideal de acordo com suas três pessoas, antes de se regenerar nela no movimento para a criação.

De acordo com a cronologia das obras, o primeiro ponto de vista é anterior ao segundo. No entanto, ele não é abolido por ele. É essa primeira perspectiva que apresentamos em primeiro lugar.

Böhme fala da Divindade pura que é o Um primordial. Este termo aplica-se tanto à vontade primeira ainda não dividida, ainda não incorporada no desejo. Esta vontade, diz Böhme, é mais ténue do que o nada. É imóvel. A Divindade pura é apenas bem-aventurança e clareza.

À primeira vista, poderíamos pensar que aqui encontramos a expressão perfeita de Deus como puro espírito. No entanto, Böhme teve dificuldade em aceitar o simples espírito puro. O que, no final de uma realização, no grau último do ciclo septenário, é o verdadeiro repouso, aqui é apenas ausência de vida. Chamando essa Deidade pura de Ungrund, a Divindade sem fundo, Böhme diz em “A Encarnação do Verbo” que ela não tem vida nem movimento.

Lemos, por um lado, que a Divindade transcendente é uma clareza perfeita, que nada pode obscurecer, mas, por outro lado, que ela não é luz nem trevas, nem vida nem dor, nem tênue nem densa.

Além disso, Böhme repete que uma Divindade que fosse apenas o Um não se conheceria a si mesma. Ela seria ainda menos conhecida por nós, pois não criaria nada. Para se conhecer, o Um deve se dividir. A luz não é concebível sem o fundo de escuridão que a natureza lhe dá e que a revela. É por isso que Deus só pode se manifestar na natureza e, portanto, na dualidade. Trata-se, em primeiro lugar, de uma natureza ideal, certamente, mas que, com seu valor arquetípico, agrava à vontade a materialidade da nossa. Além disso, a manifestação divina não se limita ao ciclo da natureza eterna. Ela também compreende nossa natureza, que dela procede.

Assim, quando lemos que a Divindade pura é o Nada, o que traduz a palavra Ungrund com seu prefixo negativo, isso significa que o Um primordial, se não se derramasse para fora de si mesmo, como diz Böhme textualmente, no movimento que culmina na criação passando pelo ciclo septenário, não seria nada, ou seja, seria pura vacuidade. Ora, muito paradoxalmente, é ao derramar-se que esse nada se torna superabundância.

Somos tentados a comparar a afirmação de Böhme com a da teologia negativa que a mística cristã cultivou sob a invocação do Pseudo-Dionísio. Mas quando Böhme diz que a Divindade pura é o Nada, seu sentimento parece diferente daquele sugerido por essa tradição.

Quando a teologia mística, reivindicando-se de Pseudo-Dionísio, afirma que a Divindade suprema é o Nada, é depois de ter mostrado que Deus era tudo. Böhme diz ao mesmo tempo que a Divindade não é nada e que é tudo. Mas, sob sua pena, o nada significa também que ela ainda não é algo, e isso sugere uma verdadeira falta. Na teologia apofática, o nada é uma superabundância tal que se opõe a qualquer determinação, mesmo a do ser. O Nada está além do ser, traduzindo-se como uma superação do próprio Deus. Em Böhme, parece estar abaixo.

A teologia negativa do Pseudo-Dionísio baseia-se numa teologia positiva. A teologia mística, que evoca o Deus sem nome, não se concebe sem a teologia dos nomes divinos, que expõe os atributos de Deus em toda a sua plenitude e perfeição. A ignorância é aqui o excesso de conhecimento. Como dirá Nicolau de Cusa, trata-se de uma ignorância erudita. Na verdade, é um conhecimento que ultrapassa não só todas as afirmações, mas também todas as negações. Perante esta sublime ignorância da alma unida a Deus, o discurso de Böhme sobre a pura Divindade que, se permanecesse em si mesma, não seria verdadeiramente nem luz nem vida, não é mais do que uma confissão de impotência, um testemunho da incapacidade humana de compreender a pura transcendência. Certamente, esta última não é abolida por isso, que não se enganem.

No final de “A Aurora”, sua primeira obra, Böhme diz o que seria a eternidade sem os espíritos ou formas do ciclo septenário: um vale tenebroso, um sepulcro. Em escritos posteriores, esse tema da eternidade considerada fora da natureza reaparece. Nela, diz Böhme, não haveria nem espessura nem finura, nem sentimento de nada. No entanto, não é mais a noite da morte. Böhme nos dá um vislumbre de uma claridade branca que não é luz nem escuridão. O teosofista sugere uma bem-aventurança que não é alegria, uma imobilidade que não é o sábado.

Ao mesmo tempo, de uma forma paradoxal à primeira vista, mas com uma certa lógica, Böhme faz com que o ciclo da revelação comece com o Deus absconditus. O Deus revelado procede do Deus oculto, como a luz brota do fundo das trevas. Essa Deidade branca que vislumbramos em alturas inacessíveis não é o Deus oculto, mas é ainda menos o Deus revelado.

Com as quatro primeiras formas do ciclo septenário, reencontramos o vale tenebroso que o autor de “A Aurora” imaginava na ausência dos sete espíritos. Esse vale tenebroso é o Pai, considerado antes da geração do Filho e sem ele. Certamente, isso é apenas uma hipótese, é o que aconteceria se fosse impossível, mas isso não impede que esse Pai tenebroso se torne uma realidade obsessiva na obra de Böhme. O Deus oculto não é mais do que um Deus obscuro. Será que ele é mesmo Deus?

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