Ruysbroeck (JRNE) – Do Triplo Advento de Cristo
Tradução Antonio Carneiro de Ruysbroeck, JRNE
Excertos selecionados originalmente por Jacqueline Chambron (HVM)
CAPÍTULO V - DA PRIMEIRA VINDA DO SENHOR AO HOMEM INTERIOR.
Mesmo que os olhos sejam claros e a vista sutil, se o objeto amável e gracioso falta, isso não é suficiente para ver e não serve de nada ou quase nada. Assim, Cristo quer mostrar aos olhos iluminados da inteligência o objeto que ela deve contemplar, ou seja, seu Esposo que vem nela interiormente.
Encontra-se nos homens dedicados devotamente à vida interior três maneiras particulares pelas quais Deus se apresenta à alma, e cada uma dessas vindas a eleva a um grau superior e a exercícios mais íntimos.
Na primeira, Cristo excita e estimula o homem interiormente de maneira sensível, e o atrai para o alto, para o céu, com todas as suas potências, reclamando dele a unidade com Deus. Essa impulsão e essa atração se fazem sentir no coração e na unidade das potências inferiores, especialmente na potência afetiva. Pois a primeira vinda de Cristo exerce sua influência e sua ação sobre a parte inferior do homem, para que seja plenamente purificada, elevada, inflamada e impelida para o interior. Essa impulsão íntima de Deus derrama dons ou os retira, enriquece ou empobrece, alegra ou desola, excita a esperança ou deixa no abandono, aquece ou gela. E todos esses dons ou influências contrárias desafiam toda expressão em qualquer língua.
A vinda de que falamos, com os exercícios que lhe são próprios, divide-se em quatro modos sempre mais elevados, como mostraremos mais tarde. E é o ornamento da parte inferior do homem, na vida interior.
CAPÍTULO VI - DA SEGUNDA VINDA DO SENHOR AO HOMEM INTERIOR.
O segundo modo pelo qual Cristo se apresenta intimamente é de ordem mais elevada e que imprime mais a sua semelhança ao mesmo tempo que se acompanha de dons mais magníficos e de maior clareza. É um influxo, nas potências superiores da alma, da riqueza dos dons divinos, tendo por efeito firmar, iluminar e enriquecer o espírito de muitas maneiras. Este influxo divino em nós reclama de nossa parte uma saída de nós mesmos e um retorno, com toda a riqueza que nos foi concedida, para o próprio fundo de onde ela se escoou. Deus, neste mesmo influxo, derrama e manifesta dons maravilhosos, mas exige que a alma lhe renda ao cêntuplo todos os seus dons e muito além do que a criatura pode fazer. Esta prática e este modo são de natureza mais nobre e assemelham-se mais a Deus do que os primeiros, e ali se encontra o ornamento das três potências superiores da alma.
CAPÍTULO VII - DA TERCEIRA VINDA DO SENHOR.
O terceiro modo da vinda íntima do Senhor em nós consiste numa moção ou toque interior, que se opera na unidade do espírito, domínio das potências superiores da alma e fonte de onde elas fluem, para ali regressarem incessantemente, e permanecerem unidas, tudo por meio do laço de amor e da unidade natural do espírito. A vinda de que falamos eleva a alma ao grau mais íntimo e mais alto da vida interior, e a unidade do espírito é adornada de mil maneiras.
Mas em cada uma dessas vindas, Cristo reclama uma saída particular de nós mesmos, bem como uma vida conforme ao modo de sua vinda. Assim, Ele diz cada vez em espírito em nosso coração: “Saem, e que a vida de cada um se exercite em praticar o que a graça e os dons d’Ele inspiram.”
Porque se o Espírito de Deus nos persegue, nos impele, nos atrai, se derrama e age em nós, devemos em troca sair de nós mesmos e nos aplicar a exercícios interiores, a fim de nos tornarmos perfeitos. Pois contrariar o Espírito de Deus por uma vida pouco conforme às suas inspirações, seria privar-se de sua moção íntima e perder assim a aptidão à virtude.
Tais são as três vindas de Cristo que convidam à prática da vida interior. Agora, precisamos explicar e analisar cada uma delas em particular. Assim, deve-se prestar atenção com zelo diligente; pois quem nunca provou essas coisas não pode compreendê-las facilmente.
