Conhecer Deus (OCC)
//Orígenes — Contra Celso, VII, 42-44 (OCC)//
42. Em seguida, ele nos remete a Platão como a mestre mais eficaz em matéria de teologia, e cita a afirmação do Timeu: Descobrir o autor e pai deste universo é muito árduo, e uma vez descoberto, anunciá-lo a todos é impossível. Depois ele acrescenta: Vede pois como os intérpretes de Deus e os filósofos procuram o caminho da verdade, e como Platão sabia que era impossível a todos caminhar por ele. Mas como os sábios o encontraram para nos fazerem adquirir a respeito do Ser inominável e Primeiro alguma noção que o torne manifesto, quer pela síntese que domina as outras coisas, quer por separação delas, quer por analogia, quero ensinar o Ser que por outro caminho é inefável; mas ficarei muito espantado que possais me seguir, vós que viveis estreitamente presos à carne e cujo olhar nada tem de puro.
A sentença de Platão é certamente sublime e não desprezível. Mas repara se a divina Escritura não representa com um amor maior da humanidade o Deus Logos, que “no princípio estava com Deus”, tornando-se carne (Jo 1,1-2.14) para que pudesse chegar a todos os homens o Logos acerca do qual Platão diz que, uma vez descoberto, anunciá-lo a todos é impossível. Platão pode dizer: “Descobrir o autor e pai deste universo é muito árduo”: ele dá a entender que não é impossível para a natureza humana descobrir a Deus como ele merece ou, se não como ele merece, pelo menos mais e melhor do que a multidão. Se isto fosse verdade e Deus fosse realmente descoberto por Platão ou por algum dos gregos, eles não teriam venerado, chamado a deus, adorado nenhuma outra coisa, quer abandonando-o, quer associando nele coisas incompatíveis com sua majestade. Nós, porém, sustentamos que a natureza humana não é capaz, em si mesma, de modo algum, de procurar a Deus e descobri-lo com pureza, a não ser que seja ajudada por Aquele que procuramos. E ele é descoberto pelos que reconhecem, depois de terem feito o que podiam, que têm necessidade dele. Ele manifesta-se àqueles a quem ele julga razoável aparecer à medida que naturalmente é possível a Deus ser conhecido pelo homem e à alma humana sempre no corpo conhecer a Deus.
43. Além disso, quando Platão diz que, uma vez descoberto o autor e o pai do universo, é impossível anunciá-lo a todos, ele declara não que ele seja inefável e inominável, mas que ele é inexprimível e pode ser dito a um pequeno número. Depois Celso, como se houvesse esquecido as palavras de Platão que ele citou, diz que até para esses Deus é inominável: pois os sábios o encontraram para que pudéssemos adquirir uma noção do Ser inominável e Primeiro. Ora, nós dizemos que Deus não é o único ser inefável, mas que existem outros entre os seres inferiores a ele. Foi o que Paulo procurou indicar dizendo: “Ouviu palavras inefáveis, que não é lícito ao homem repetir” (2Cor 12,4), frase em que a palavra “ouviu” é sinônimo de “compreendeu” como no exemplo: “Quem tem ouvidos, ouça!” (Mt 11,15; 13,9).
Afirmamos, portanto, que ver o autor e o pai do universo é trabalho árduo. Nós, porém, o vemos da maneira como o indica não só a promessa: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8), mas também a declaração daquele que é a “imagem do Deus invisível”: “Quem me vê, vê o Pai que me enviou” (Cl 1,15; Jo 14,9). Com efeito, nenhum homem sensato dirá que Jesus disse: “Quem me vê, vê o Pai que me enviou” referindo estas palavras a seu corpo sensível e visível aos homens. Do contrário, também teriam visto Deus Pai todos aqueles que diziam: “Crucifica-o, crucifica-o!”, bem como Pilatos que recebera o poder sobre a natureza humana de Jesus, o que é absurdo. Que as palavras: “Quem me vê, vê o Pai que me enviou” não devem ser tomadas em sua acepção ordinária, a prova está nas palavras ditas a Filipe: “Há tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe?” era a resposta ao pedido: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!” (Jo 14,8-9). Portanto, quando tivermos compreendido que é preciso entender estas palavras do Deus unigênito Filho de Deus, o Primogênito de toda criatura, enquanto o Logos se fez carne, saberemos como, vendo a Imagem do Deus invisível, conheceremos o pai e o autor deste universo.
44. Celso pensa que Deus é conhecido pela síntese que domina as outras coisas, semelhante à síntese de que falam os geômetras, quer pela análise que o distingue das outras coisas, quer também por uma analogia semelhante à sua, se formos capazes, porém, de chegar por este método ao vestíbulo do Bem. Mas ao dizer: “Ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27; Lc 10,22), o Logos de Deus declara que Deus é conhecido por favor divino, inseparável da ação de Deus na alma que nela produz uma espécie de transporte divino. É muito natural que o conhecimento de Deus ultrapasse a natureza humana; por isso se explica por que há tantos erros a respeito de Deus. Mas, graças à bondade e ao amor de Deus pelos homens, por um favor milagroso propriamente divino, este conhecimento de Deus chega a todos os que foram predestinados, porque Deus sabia de antemão que eles viveriam de maneira digna de Deus que eles teriam conhecido: não falsificariam em nada a religião para com ele, ainda que os que não têm nenhuma ideia da religião e a imaginam bem diferente do que ela é realmente os conduzissem à morte, ainda que os julgassem extremamente ridículos.
Mas Deus, imagino eu, via a arrogância e o desprezo pelos outros daqueles que se orgulham de ter, pela filosofia, conhecido a Deus e conhecido seus segredos e que, entretanto, tal como os incultos, se desvelam em volta de suas estátuas, de seus templos, e dos mistérios tão celebrados; ele, portanto, escolheu “o que é loucura no mundo”, os cristãos mais simples, cuja conduta é mais moderada e mais pura do que a de muitos filósofos, “para confundir os sábios” (1Cor 1,27) que não se envergonham de seu comércio com os seres inanimados tratando-os como deuses ou imagens de deuses.
Que homem sensato não riria daquele que, depois de tantas especulações filosóficas sublimes sobre Deus ou os deuses, volta seus olhos para as estátuas e lhes dirige sua prece ou, através destas imagens que ele vê, a oferece na realidade ao ser objeto de seu pensamento para o qual ele imagina que deve subir a partir das coisas visíveis e do símbolo? Mas o cristão mais simples sabe que qualquer lugar do mundo é parte do todo e que o mundo inteiro é o templo de Deus. Orando “em todo lugar”, depois de ter fechado a entrada dos sentidos e aberto os olhos da alma, eleva-se acima de todo o mundo; nem mesmo se detém na abóbada do céu, mas atingindo pelo pensamento o lugar supraceleste, guiado pelo Espírito divino e, por assim dizer, fora do mundo, faz subir até Deus sua oração que não tem como objeto as coisas passageiras. Pois ele aprendeu de Jesus a não procurar nada de pequeno, quer dizer sensível, mas somente as coisas grandes e verdadeiramente divinas que sobrevêm como dons de Deus para guiar à bem-aventurança junto dele, por seu Filho, o Logos que é Deus.
