Joio (OCM)
ORÍGENES — COMENTÁRIO AO EVANGELHO DE MATEUS
A CASA DE JESUS
(1) Tendo, então, despedido as multidões, entrou em sua casa. E os discípulos aproximaram-se dele, dizendo: «Explica a parábola do joio do campo.» Quando Jesus está com as multidões, não está em sua casa, pois as multidões se encontram fora dessa casa; e a obra de seu amor pelos homens consiste em abandonar a casa e ir ao encontro daqueles que não podem ir até ele. Depois, quando falou o bastante às multidões em parábolas, deixa-as e vai para sua casa, onde seus discípulos o encontram, pois não ficaram com aqueles que ele deixou. E é verdade que todos que escutam Jesus com maior sinceridade, primeiro o «seguem», em seguida «perguntam onde é sua morada», pois desejam vê-la, depois «dirigem-se para lá, veem-na e permanecem com ele», todos «por aquele dia», alguns deles talvez por mais tempo. É bem isso que, a meu ver, ressalta do Evangelho segundo João, nesta passagem: «No dia seguinte, de novo, João estava lá com dois de seus discípulos.» Além disso, para mostrar que, entre aqueles a quem foi dado fazer o caminho com Jesus e ver sua casa, o homem superior se torna além disso apóstolo, continua nestes termos: «André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido a palavra de João e tinham seguido Jesus.» Para nós, portanto, se desejamos não ouvir Jesus como as multidões que ele deixa para entrar em sua casa, tomemos uma atitude que nos distinga das multidões e nos tornemos os íntimos de Jesus, para que, como seus discípulos, o sigamos quando «ele entra em sua casa», que nos «aproxime-mos» dele para interrogá-lo sobre a explicação da parábola, quer se trate do joio do campo ou de uma outra. Mas, para compreender de forma mais precisa qual realidade significa a casa de Jesus, que se reúna, através dos evangelhos, tudo que diz respeito à casa de Jesus, o que disse ou fez lá; pois a comparação dessas passagens persuadirá o leitor atento que não é somente simples, como pensam alguns, o texto do evangelho, mas que, aos simples, foi, «por oikonomia», apresentado como simples, enquanto que, para aqueles que desejam ouvi-lo de maneira mais penetrante e que são capazes disso, foram escondidas realidades cheias de sabedoria e dignas do Logos de Deus.
O Logos semeou a boa semente, o diabo o joio
(2) Depois disso, ele lhes respondeu dizendo: «Aquele que semeia a boa semente é o filho do homem…» Embora, a esse respeito, tenhamos dado, segundo nossos meios, nas páginas precedentes, uma explicação detalhada, faremos aqui um novo comentário suscetível de convir a estas palavras, mesmo se nossa interpretação for diferente. Pergunta, portanto, com atenção se pode compreender as palavras: «a boa semente são os filhos do reino», de uma maneira diferente daquela que foi indicada acima, dizendo que tudo que nasce de bom na alma humana é semeado pelo Logos de Deus, «que estava no princípio com Deus», e se encontra ser os produtos do reino de Deus, de tal modo que as doutrinas sãs sobre todas as questões são os filhos do Reino. Mas, enquanto dormem aqueles que não cumprem o mandamento de Jesus dizendo: «Vigiai e orai, para não entrardes em tentação», o diabo, que está à espreita, semeia o que é chamado o joio, as doutrinas perversas, por cima do que alguns chamam os pensamentos naturais, e por cima das boas sementes vindas do Logos. Segundo esta interpretação, o campo designaria o mundo inteiro e não somente a Igreja de Deus; pois é no mundo inteiro que o Filho do Homem semeou a boa semente e o maligno o joio, ou seja, as doutrinas perversas que, por causa de sua nocividade, são «filhas do maligno». Mas haverá necessariamente, no fim do mundo, que é chamado «a consumação do século», uma colheita, para que os anjos de Deus encarregados desta tarefa recolham as más doutrinas que se tiverem desenvolvido na alma e as entreguem à destruição, atirando-as, para que queimem, no que é nomeado o fogo. E assim «os anjos», servos do Logos, reunirão «em todo o reino» de Cristo, «todos os escândalos» presentes nas almas e os raciocínios «que produzem a impiedade», e os destruirão atirando-os na «fornalha de fogo», aquela que consome; então também aqueles que tomarem consciência que, porque dormiram, acolheram em si mesmos as sementes do maligno, chorarão e estarão, por assim dizer, com raiva de si mesmos. É lá, de fato, «o ranger de dentes», e é também por isso que é dito, nos Salmos: «Rangeram os dentes contra mim.» É então sobretudo que «os justos brilharão», não mais de maneira diversa, como no início, mas todos à maneira de um único «sol, no reino de seu Pai». Em todo caso, porque o Salvador desvela um mistério, seja através do conjunto da explicação da parábola, seja especialmente nestas palavras: «Então os justos brilharão como o sol no reino de seu Pai», ele acrescenta: «Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!» ensinando àqueles que imaginam que, graças a esta explicação, a parábola foi totalmente esclarecida, o que a tornaria compreensível mesmo aos recém-chegados, que os termos mesmos desta explicação da parábola precisam também de esclarecimentos.
Diversidade ou unidade da luz dos justos
Mas, visto que dissemos acima, a respeito das palavras: «Então os justos brilharão como o sol», que não será como antes, de maneira diversa, que brilharão os justos, mas que serão todos como um único sol, é necessário que expliquemos o que nos pareceu a respeito desta passagem. É, parece-me, por ter sabido que «a luz do mundo», são os inteligentes e a multidão dos justos ? pois eles adquiriram uma glória superior ? que Daniel disse: «E os inteligentes brilharão como a claridade do firmamento, e, da multidão dos justos, sairão como astros para os séculos e além.» O Apóstolo, ele também, na passagem: «Outra é a glória do sol, outra a glória da lua e outra a glória dos astros; pois um astro difere de um astro pela glória, da mesma forma também a ressurreição dos mortos», fala como Daniel, pois herdou este pensamento de sua profecia. Perguntar-se-á, portanto, por que uns falam da diversidade de luz nos justos, e por que o Salvador diz ao contrário: «Como um único sol eles brilharão.» Penso, então, que, no início da beatitude dos homens salvos, porque ainda não foram purificados aqueles que carecem de pureza, se manifesta a diversidade de luz dos homens salvos; mas quando, como explicamos, «se tiver reunido em todo o reino de Cristo todos os escândalos, que os raciocínios que produzem a impiedade tiverem sido atirados na fornalha de fogo», que o mal tiver sido consumido e que, enquanto se desenrolarem estas operações, aqueles que acolheram os pensamentos filhos do maligno chegarem a tomar consciência, então, tornados uma única luz solar, «os justos brilharão no reino de seu Pai». E para quem brilharão, senão para aqueles que lhes serão inferiores e que tirarão proveito de sua luz, assim como, agora, o sol brilha para os habitantes da terra? Pois não é certamente para si mesmos que brilharão. É talvez possível também escrever o preceito: «Que a vossa luz brilhe diante dos homens», de tripla maneira «na largura do coração», segundo a palavra de Salomão: assim a luz dos discípulos de Jesus brilha, desde agora, diante do resto dos homens; ela brilhará ainda, depois de sua morte, enquanto esperam a ressurreição; e, depois da ressurreição, até que todos cheguem ao «homem perfeito» e se tornem todos um único sol; «então eles brilharão como o sol no reino de seu Pai».
