Verbo de Revelação (BOEF)
Balthasar — ORÍGENES — ESPÍRITO E FOGO – Verbo com Deus
O Logos é a imagem do Pai desde toda a eternidade, a revelação intra-divina do Pai e, como tal, ainda não externa (123). Mas porque ele é a revelação eterna do Pai, ele é também aquele em quem o Pai, para se revelar, cria o mundo (124). Ele é a única e simples ideia original, mas cuja riqueza e plenitude já contém em si a rica diversidade das ideias do mundo (125) (126) (127). Assim, ele é a realidade do mundo (128), ele é seu significado, Verbo e vida (129), sua verdade pessoal que dá tanta verdade ao mundo quanto lhe apraz dar (130); mas a multiplicação da verdade primordial em “muitas” verdades mundiais diferentes é apenas a consequência da própria multiplicidade daqueles que participam nela (131). Estas verdades são uma unidade através da presença da uma verdade primordial em cada espírito criado (132) (133) (134). A riqueza da ideia primordial não pode ser exaurida: a designação VERBO (Logos) é apenas uma entre muitas (135). Mas o significado proposital da criação é que a participação objetiva e inconsciente das criaturas no Logos seja mudada para uma participação subjetiva e consciente (136), e isso através de uma nova possibilidade do Logos: ser para as criaturas também o “caminho” (137). Pois ele é o “tudo” do mundo (138).
123 Se ele é a “imagem do Deus invisível” (Cl 1:15) invisível, gostaria de aventurar a afirmação adicional de que, como a semelhança do Pai, nunca houve um tempo em que ele não era (cf. Jo 1:1-3). Pois quando Deus, que segundo João é chamado de “luz” (1 Jo 1:5), não teve o “esplendor de sua própria glória” (cf. Hb 1:3), para que alguém pudesse ousar estabelecer o começo de um Filho que anteriormente não existia? Quando poderia o VERBO a quem “o Pai conhece” (cf. Mt 11:27; Jo 10:15), e que é a expressão da essência inefável, inominável e indizível do Pai, não ter existido? Pois aqueles que ousam dizer que houve um tempo em que o Filho não era, devem considerar que também terão que dizer que houve um tempo em que não havia Sabedoria, um tempo em que não havia Vida. Mas não é certo nem, por causa de nossa fraqueza, sem perigo, assumir a tarefa de separar Deus de seu Filho unigênito, o VERBO, que está com ele eternamente, a Sabedoria em quem ele se deleita (cf. Pv 8:30). Pois desta forma Deus não é sequer considerado eternamente feliz.
124 “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gn 1:1). O que é o princípio de todas as coisas senão nosso Senhor e “Salvador de todos” (1 Tm 4:10) Jesus Cristo, “o primogênito de toda a criação” (Cl 1:15)? Neste princípio, portanto, isto é, em seu VERBO, “Deus criou os céus e a terra,” como João o evangelista também disse no início de seu evangelho: “No princípio era o VERBO, e o VERBO estava com Deus, e o VERBO era Deus. Ele estava no princípio com Deus; todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1:1-3). Ele não está falando aqui sobre algum princípio temporal, mas “no princípio,” como ele diz, isto é, no Salvador, “os céus e a terra” foram feitos e tudo o que foi feito.
125 O Salvador tem muitas designações que se distinguem umas das outras de acordo com seu conteúdo espiritual, já que ele é um em subjacente, mas múltiplo em seus poderes.
126 “Deus pela sabedoria fundou a terra; pelo entendimento ele estabeleceu os céus” (Pv 3:19). Há em Deus uma sabedoria prudente que deve ser buscada apenas em Cristo Jesus. Pois tudo o que é de Deus é Cristo; ele mesmo é a Sabedoria de Deus, o Poder de Deus, a Retidão de Deus, a Santidade e a Redenção, e assim a Sabedoria Prudente de Deus. Embora ele seja uno em substância, os muitos nomes de seus atributos se referem a várias coisas.
127 Cristo é criador (demiurgo) como “princípio” na medida em que ele é sabedoria, pois é por causa de sua sabedoria que ele é chamado de princípio. Pois a sabedoria através de Salomão diz: “Deus me criou o princípio de seus caminhos para suas obras” (Pv 8:22) para que “no princípio o VERBO” (Jo 1:1) possa estar na sabedoria. Em relação à estrutura da contemplação e do pensamento sobre o todo das coisas, ele é considerado sabedoria; mas em relação à partilha nos aspectos espirituais do que é contemplado, ele é entendido como “verbo.”
128 Se perguntará se “o primogênito de toda a criação” (Cl 1:15) poderia ser “mundo” de acordo com qualquer um dos significados dados, especialmente já que a “sabedoria” é “múltipla” (Ef 3:10). Pois já que há nele os princípios internos de cada e de todas as coisas, os princípios pelos quais foi feito tudo o que foi feito por Deus em sabedoria (como o Profeta diz: “Em sabedoria fizeste a todos eles”), talvez ele mesmo seja um “mundo,” tão mais múltiplo e superior ao mundo sensível quanto o princípio nu de toda a matéria no mundo material é superior ao próprio mundo material que é organizado não pela matéria, mas pela participação no VERBO e na Sabedoria que organiza a matéria.
129 Havia, portanto, nesta própria existência da Sabedoria, já toda a possibilidade e forma da futura criação, daquelas coisas que têm sua própria existência, bem como daquelas coisas que têm uma existência derivada, . . . É por isso que a Sabedoria se refere a si mesma em Salomão como “criada no início dos caminhos” de Deus (Pv 8:22), pois ela contém em si os inícios ou formas ou modelos de toda criatura. Agora, da maneira como entendemos a Sabedoria ser “o princípio dos caminhos” de Deus, e como se diz que ela foi criada (na medida em que pré-forma e contém em si os modelos e formas de toda criatura), da mesma forma a Sabedoria deve ser entendida como sendo o VERBO de Deus porque ele se abre para todo o resto, isto é, para toda criatura, o significado dos mistérios e segredos que estão, é claro, contidos na sabedoria divina. É por isso que a Sabedoria é dita ser VERBO, porque é a intérprete, por assim dizer, dos segredos da mente. . . . Este Filho, portanto, é também a verdade e a vida de todas as coisas que são. E com razão. Pois como as coisas criadas poderiam ter vida, exceto da VIDA? Ou como as coisas existentes poderiam existir em verdade se elas não viessem da VERDADE? Ou como poderia haver seres dotados de razão a menos que o VERBO e a RAZÃO os precedesse?
130 O Santo, o Verdadeiro, aquele que é isso não por participação, mas em substância, ele é aquele que é Deus o VERBO, e que “tem a chave de Davi” (Ap 3:7). Pois quando o VERBO se tornou carne, ele abriu com esta chave as escrituras que estavam fechadas antes de sua vinda, e que ninguém pode agora fechar, alegando que elas não foram cumpridas. . . . Ele abre tanto quanto os seres humanos podem entender, mas mantém fechado o que eles são incapazes de entender no momento presente.
131 “Eu sou a verdade” (Jo 14:6). Se Jesus diz isso, como a verdade vem a ser por meio de Jesus Cristo? Pois ninguém vem a ser por meio de si mesmo. Mas deve-se entender que a própria verdade ou a verdade substancial e, por assim dizer, o arquétipo da verdade em almas racionais — aquela verdade cujas imagens, por assim dizer, são impressas naqueles que meditam sobre a verdade — não foi feita por Jesus Cristo ou por qualquer outra pessoa, mas por Deus. . . . Mas a verdade entre os seres humanos veio a ser por meio de Jesus Cristo. Por exemplo, a verdade em Paulo e nos apóstolos veio a ser por meio de Jesus Cristo. Não é de admirar que, embora a verdade seja uma, muitas verdades fluam dela. De qualquer forma, o profeta Davi conhecia muitas verdades quando disse: “O Senhor busca verdades” (Sl 30:24 LXX). Pois o Pai da verdade não busca a uma verdade, mas as muitas verdades através das quais aqueles que as têm são salvos. E coisas semelhantes ao que foi dito da verdade e das verdades nós encontramos também ditas sobre a retidão e as retidões. . . . E assim está escrito “que o Senhor é justo, e ama ações justas” (Sl 11:7). Considere se de uma forma semelhante as outras coisas que são ditas de Cristo no singular podem, quando multiplicadas, ser ditas analogamente no plural, como: “Cristo é nossa vida,” como o próprio Salvador diz: “Eu sou o caminho e a verdade e a vida” (Jo 14:6); e o Apóstolo: “Quando Cristo, que é a nossa vida, aparecer, então vocês também aparecerão com ele em glória.” . . . Pois porque Cristo é a vida em cada um, a vida é multiplicada. É talvez aqui que devemos buscar o significado do texto: “se você deseja a prova de que Cristo está falando em mim” (Cl 3:4)? Pois em cada santo, por assim dizer, Cristo é encontrado, e através do um Cristo vêm a ser muitos Cristos, imitadores dele e transformados de acordo com aquele que é a imagem de Deus.
132 Mas o Salvador, que brilha em seres com intelecto e razão soberana, para que a mente deles possa olhar para seu objeto próprio de visão, é a luz do mundo da mente.
133 Pois quem quer que guarde a palavra também guardará a vida que foi feita dentro dele e é inseparável dele, que é também a “luz dos homens” (Jo 1:4).
134 O VERBO de Deus não é como qualquer outra palavra: pois a palavra de ninguém é ela mesma viva, a palavra de ninguém é Deus.
135 E assim insistimos que, assim como em cada um dos títulos já mencionados devemos nos voltar do nome para o conceito do que é nomeado e ver como ele se aplica, e explicar como o Filho de Deus recebe propriamente este título, o mesmo deve ser feito quando ele é chamado de VERBO. Quão irracional seria se, em cada um destes casos, não permanecêssemos fixos no verbo, mas perguntássemos como e de que forma ele é chamado de “porta,” e em que sentido metafórico ele é chamado de “videira,” e por que ele é chamado de “caminho,” e então não fizéssemos isso no único caso em que ele é chamado de “VERBO”!
136 Mas não devemos passar em silêncio que ele de fato acontece de ser a “sabedoria de Deus” (1 Cor 1:24), e, portanto, também é chamado assim. Pois a sabedoria do Deus e Pai de todos (cf. Ef 4:6) não é redutível em substância a meras fantasias, um tanto como os fantasmas do pensamento humano. Quem é capaz de contemplar a realidade sem corpo de especulações múltiplas que incluem a lógica de todas as coisas, uma realidade que é viva e, por assim dizer, animada, entenderá com que razão a sabedoria de Deus que está acima de toda criatura fala de si mesma: “Deus me criou o princípio de seus caminhos, para suas obras” (Pv 8:22). Por este ato criador toda a criação foi capacitada a existir, não sendo insensível à sabedoria de Deus pela qual foi feita. Pois, de acordo com o profeta Davi, Deus fez todas as coisas em sabedoria (cf. Sl 104:24). Mas muitas coisas são feitas por participação na sabedoria, sem alcançar aquilo pelo qual elas foram criadas, e poucas de fato são as coisas que ganham a posse não apenas da sabedoria que lhes diz respeito, mas também daquela que diz respeito a muitas outras coisas, enquanto Cristo é a sabedoria de todas as coisas. Mas todas as pessoas sábias, na medida em que abraçam a sabedoria, têm uma parte em Cristo, na medida em que ele é sabedoria.
137 Mas então, já que estava para acontecer que alguns daqueles que foram criados, incapazes de perseverar imutavelmente e com constância no bem, pois o bem estava neles não por natureza ou substancialmente, mas apenas contingentemente, se desviaram e caíram . . . , o VERBO de Deus e a Sabedoria também se tornaram o Caminho. Pois ele é chamado de Caminho porque ele conduz ao Pai aqueles que entram nele.
138 Uma coisa boa é a vida; mas Jesus é a vida. Outra coisa boa é a “luz do mundo” quando é a “luz verdadeira” e a “luz dos homens” (cf. Jo 8:12; 1:9; 1:4). O Filho de Deus é chamado todas estas coisas. Outra coisa boa que pode ser pensada além da vida e da luz é a verdade; e uma quarta além destas é o caminho que leva a ela. Nosso Salvador ensina que ele é todas estas coisas quando ele diz: “Eu sou o caminho e a verdade, e a vida” (Jo 14:6). E não seria bom receber do Senhor o dom de sacudir o pó e se levantar da mortalidade, já que ele é a ressurreição, como ele diz: “Eu sou a ressurreição” (Jo 11:25)? A porta também, através da qual se entra nas alturas da bem-aventurança, é um bem; como Cristo diz: “Eu sou a porta” (Jo 10:9). E o que se deve dizer da sabedoria … em quem o Pai se alegrou, deleitando-se em sua beleza intelectual multifacetada que é vista apenas pelos olhos da mente e que convida o contemplador da beleza divina ao amor celestial? Pois boa é a sabedoria de Deus. … ]
