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A " venerável" escola pitagórica (HCOP)

//Henri Crouzel — Origène et la Philosophie (HCOP)//

Capítulo um - O que Abimeleque e Isaac têm em comum? Ou a crítica das doutrinas filosóficas

Os pitagóricos são numerosos na lista de Porfírio. Orígenes fala deles com respeito, e a palavra semnos não tem então o sentido irônico que lhe dá quando aplicada a Celso. Ele elogia a largueza de espírito e a equidade do pitagórico Numênio, que, «no primeiro livro de sua obra Sobre o Bem, ao falar das nações que conceberam Deus como incorpóreo, citou os judeus e não hesitou em utilizar em seus escritos a obra dos profetas e alegorizá-la». Orígenes menciona também os títulos de seus escritos: um deles se chama Epops, outro trata dos números, outro do lugar, e no terceiro tomo do livro Sobre o Bem, já citado, Numênio conta uma história sobre Jesus e a alegoriza — Orígenes deixa para outro momento a crítica dessa interpretação. Numênio cita ainda um apócrifo sobre Moisés, Janes e Jambres, ao qual alude a Segunda Epístola a Timóteo. Orígenes chama Numênio de pitagórico: ele teria, segundo ele, interpretado bem Platão e professado as doutrinas pitagóricas. Esses pitagóricos poderiam muito bem ser chamados platônicos: Orígenes tem consciência disso, pois fala várias vezes dos «discípulos de Pitágoras e Platão» como de uma única escola. O Neopitagorismo se confunde com o Platonismo Médio.

Seu principal erro é acreditar nos retornos cíclicos, como os estoicos, mas sob outra forma: Embora os discípulos de Pitágoras e Platão creiam que o mundo é incorruptível, caem em absurdos semelhantes. Pois, quando os astros, segundo certos períodos determinados, formam novamente as mesmas figuras (skhēmatismous) e retomam as mesmas posições relativas (skheseis) uns em relação aos outros, dizem que todas as coisas na terra estão na mesma situação que quando as posições relativas dos astros no universo apresentavam a mesma figura. Segundo essa doutrina, é necessário que, quando os astros, após um longo período, voltarem às mesmas posições relativas que tinham no tempo de Sócrates, Sócrates renasça dos mesmos pais, sofra os mesmos tormentos, seja acusado por Ânito e Meleto e condenado pelo tribunal do Areópago. Há, portanto, segundo eles, um vínculo necessário entre o estado do céu em um dado momento e o das coisas humanas. Um capítulo da Filocalia, reproduzindo o terceiro tomo do Comentário sobre o Gênesis, expõe longamente a opinião de Orígenes sobre esse ponto. Em nome da liberdade humana, ele recusa ver nos astros os agentes do destino. Não nega absolutamente que haja certa correspondência e que os astros sejam sinais das coisas terrenas: compara-os a caracteres das Escrituras e o céu a uma Bíblia. Essa opinião, que compartilha com Plotino, deve vir de Amônio Sacas. Mas, segundo Plotino, os homens podem ler esses sinais, e a astrologia tem fundamento; já para Orígenes, decifrar o «livro venerável de Deus, o céu» é demasiado complexo para nós, e só os anjos são capazes disso. É assim que eles ficam cientes dos eventos humanos e das ordens a executar. A astrologia é uma ciência enganosa, proveniente de observações errôneas ou do ensino de anjos decaídos, inimigos da humanidade. Orígenes não critica, portanto, no texto que explicamos, a ideia de uma correspondência entre o estado do céu e o das coisas humanas — e não diz que os pitagóricos-platônicos em questão veem nos astros mais agentes do que sinais. O que ele ataca são os retornos cíclicos, como no caso dos estoicos. Cautela, pois, antes de atribuir a ele mesmo ideias semelhantes, baseando-se em interpretações suspeitas do Peri Archon.

Os pitagóricos creem na imortalidade da alma e na vida bem-aventurada: Os discípulos de Pitágoras e Platão são, portanto, segundo ti (Celso), levados por vãs esperanças quando aceitam a doutrina segundo a qual a alma está destinada, por sua natureza, a subir ao cume do céu, para contemplar no lugar supraceleste as visões de que gozam os espectadores bem-aventurados. Segundo ti, Celso, são levados por vãs esperanças os que creem na sobrevivência da alma, os que vivem de modo a se tornarem heróis e a habitar entre os deuses. Mas por que precisam estragar uma concepção tão bela acreditando na «estupidez da metensomatose… rebaixando a natureza racional até a condição dos brutos e, por vezes, até a de seres sem imaginação (aphantaston)», ou seja, os feijões. É por isso que, segundo Celso, «Pitágoras e seus discípulos se abstêm de feijões e de tudo o que é vivo»: fazem-no «por respeito à alma e a seus instrumentos», pois estão persuadidos de que as almas humanas passam para os animais e os feijões. Segundo Orígenes, a abstinência dos pitagóricos e a dos cristãos têm motivos diferentes: Eles se abstêm de carne por causa do mito da metensomatose…; nós, se o fazemos, é para domar o corpo e subjugá-lo, para fazer morrer os membros do homem terreno — a fornicação, a impureza, a impudicícia, a paixão, os maus desejos — e praticamos isso para mortificar as obras do corpo. O mesmo reproche é dirigido a Platão. Vários textos de Orígenes, pertencentes às grandes obras conservadas em grego — o Comentário sobre João, o Comentário sobre Mateus, o Contra Celso —, sem falar de um fragmento do De Resurrectione (obra contemporânea do Peri Archon), preservado na Apologia de São Panfilo, condenam a metempsicose, e Orígenes distingue claramente dela sua própria teoria da preexistência e da descida das almas nos corpos. Isso permite julgar as alegações de São Jerônimo e Justiniano, que pretenderam ler no Peri Archon «a estupidez da metensomatose».

Devemos ver uma obra pitagórica, cristã ou mesmo um escrito pitagórico revisado por um cristão nas Sentenças de Sexto, que Orígenes é o primeiro a mencionar e que Rufino traduzirá? H. Chadwick publicou recentemente seu texto, expôs os dados do problema e estudou o testemunho de Orígenes. Quatro dessas máximas são citadas por ele, duas delas de forma anônima. Estas últimas aparecem no preâmbulo do Comentário ao Salmo I: Examinamos a Escritura sem perder de vista, como alguém disse muito bem, que: «Quando se fala de Deus, se será julgado por Deus» e que: «Há grande perigo em falar de Deus, mesmo dizendo a verdade.» Uma Homilia sobre Ezequiel atribui essa segunda citação a «um homem sábio e fiel». O segundo adjetivo sugere que Orígenes considerava o autor das Sentenças como cristão. Mas, antes da publicação do livro de Chadwick, não se conhecia a origem das duas máximas anônimas, e Baehrens, em sua edição das Homilias sobre Ezequiel, limita-se a relatar o juízo de Harnack: «O autor é desconhecido.» O testemunho de Orígenes sobre o cristianismo desses escritos é, de fato, menos claro nas citações explícitas.

A primeira está no Comentário sobre Mateus, a propósito de Mateus 19:12: apesar do ato que, segundo Eusébio, ele teria cometido em sua juventude, Orígenes condena com veemência qualquer interpretação literal de «aqueles que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus». Ele não se alongaria sobre o assunto, se não tivéssemos visto pessoas ousarem esse gesto e se não tivéssemos encontrado autores que podem incitar uma alma demasiado ardente, crente, mas não razoável, a tal atentado. Sexto diz em suas Sentenças, livro considerado por muitos como digno de confiança: «Toda parte do corpo que te incita a não ser temperante, arranca-a; é melhor viver sem ela com temperança do que tê-la para tua perdição.» E um pouco adiante, no mesmo livro, ele incita a um gesto semelhante: «Pode-se ver homens que se cortaram e arrancaram membros para conservar a saúde do resto do corpo; quanto mais quando se trata de guardar a continência!» Orígenes cita, portanto, Sexto para censurá-lo — nada indica que ele seja cristão, nem mesmo que os que o estimam o sejam. No Contra Celso, porém, o alexandrino elogia outra de suas máximas e atesta seu sucesso entre os cristãos. A propósito da abstinência, ele invoca esse pensamento muito belo, que a maioria dos cristãos leu nas Sentenças de Sexto…: «Comer seres animados é indiferente; abster-se disso é mais razoável.» Essa frase não condiz muito com o que Orígenes diz sobre os motivos da abstinência pitagórica: se as almas humanas passam para corpos de animais, comer carne colocaria em risco de antropofagia.

O Neopitagorismo, ou Platonismo Médio, constitui o ambiente de pensamento que deu a Orígenes sua formação filosófica: discípulo de Amônio Sacas, condiscípulo de Plotino, ele surge no momento em que o Neoplatonismo nasce do Médio. Pertence a ele por múltiplos aspectos de seu pensamento e utiliza seus quadros para inserir neles a teologia e a mística cristã.

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