Outras doutrinas de Platão (HCOP)
Orígenes acredita, no que diz respeito à origem dos nomes, em uma relação real, de natureza quase mágica, entre o significante e o significado: ele a utiliza no Contra Celso para explicar aos pagãos a quem se dirige por que os cristãos não aceitam, mesmo sob a ameaça de torturas, dar a Deus nomes pagãos. Ele se apoia em uma passagem do Filebo, na verdade bem lacônica, que ele cita livremente duas vezes. Filebo chamou a volúpia de deusa. Sócrates não quer que se atribua com tanta displicência o nome divino e diz a seu interlocutor: “Tenho uma grande reverência, Protarchos, pelos nomes dos deuses.”
Platão acredita como Pitágoras na imortalidade da alma e na vida bem-aventurada. Ele diz que alguns viram ao redor dos túmulos os “fantasmas sombrios” (skioeide phantasmata) dos defuntos: Orígenes opõe esse texto à incredulidade de Celso em relação à ressurreição de Cristo. Mas a metensomatose torna a doutrina platônica bem inferior à dos cristãos. Ela … rebaixa a divindade, não apenas até os mortais dotados de razão, mas mesmo até os seres irracionais, com o mito da metensomatose, que faz a alma cair das abóbadas do céu para rebaixá-la ao nível dos animais irracionais, não apenas dos que são domesticados, mas mesmo dos mais selvagens. O mito do Fedro é visado aqui. Quando Celso insinua que todas as almas são da mesma natureza, as das formigas e as dos homens, Orígenes observa: “Em muitas passagens, Celso tenta platonizar.” De fato, “o platônico que acredita na imortalidade da alma e em tudo o que é dito dela a propósito da metensomatose” é tratado como louco pelas outras escolas helênicas, … pelos estoicos que zombam de sua aceitação dessas doutrinas, pelos peripatéticos que falam por toda parte dos murmúrios de Platão, pelos epicuristas que denunciam a superstição daqueles que introduzem a Providência e colocam um Deus sobre o universo. Orígenes mal usa o tripartismo platônico da alma, o racional, o irascível e o concupiscível, nous, thymos, epithymia. Seu tripartismo, de origem paulina, não diz respeito apenas à alma, mas ao homem inteiro: é o espírito, pneuma, a alma, psyche, composta de uma parte superior, o nous ou hegemonikon, e de uma parte inferior, a zona das sensações, imaginações e impulsos, finalmente a carne, sarx, ou o corpo, soma. No Peri Archon ele rejeita a divisão platônica, pois não a vê confirmada pela Escritura: ele a expressa assim: Alguns gregos emitiram a opinião de que nossa alma, uma por sua substância, seria composta de várias partes, uma parte racional e uma parte irracional, esta última dividida em dois sentimentos, a cobiça e a cólera. Ele a utiliza no entanto incidentalmente, como na explicação dos Querubins de Ezequiel, combinada com seu próprio tripartismo: Pelo homem é indicada a faculdade racional, pelo leão a cólera, pela vitela a concupiscência… A águia significa o espírito que preside à alma, o espírito do homem que está nele. Fragmentos veem finalmente no irascível e no concupiscível a parte inferior da alma, que é trevas, sem distinguir os sentimentos mais nobres dos mais baixos. Eles são separados do nous, parte superior da psyche, que o Senhor ilumina e que deve iluminar a escuridão da zona baixa, sem se deixar entenebrecer por ela.
A justiça segundo Platão está na “ação própria (idiopragia) de cada parte da alma”; é a harmonia que se estabelece quando cada uma cumpre sua função da parte irascível da alma e lhe atribui um lugar ao redor do peito”. Celso pretende que a humildade cristã vem de uma má compreensão de um texto das Leis: Deus tendo em si, segundo a antiga palavra, o começo, o fim e o meio de todos os seres, vai em linha reta entre as revoluções da natureza: a justiça sempre o segue, para punir aqueles que abandonaram a lei divina; aquele que quer a felicidade marcha atrás, humilde e ordenado. As explicações que Orígenes dá a propósito da humildade de Maria segundo o Magnificat mostram a dificuldade que os gregos tinham em ver uma virtude na tapeinosis ou na tapeinophrosyne: ele a aproxima das quatro virtudes cardeais e a assimila à atyphia, ausência de orgulho, e à metriotes, modéstia. A palavra de Jesus sobre o camelo e o fundo da agulha é segundo Celso um plágio das Leis: “É impossível que alguém que seja muito bom seja excepcionalmente rico” e Cristo tomou emprestado do Críton a doutrina da não-resistência ao mal: Orígenes responde mostrando a impossibilidade de tais empréstimos.
Um fragmento dos Stromates origenianos, conservado por São Jerônimo em seu Apologia adversus livros Rufini, comenta um texto da República sobre a mentira medicinal. Eis a tradução do latim de Jerônimo: É preciso seguir fortemente a verdade. De fato, se, como dizíamos com muita razão há pouco tempo, a mentira não convém a Deus e lhe é inútil, ela é às vezes útil aos homens, para que a usem por forma de tempero e de medicamento. Sem nenhuma dúvida é preciso dar a permissão aos médicos, com a condição de a tirar daqueles que não são sábios. — Dizes a verdade. — É preciso, portanto, que aqueles que governam as cidades, se lhes é concedida essa autorização, assim como a outros, mintam às vezes, diante dos inimigos, ou no interesse de sua pátria e de seus concidadãos. Eis o comentário de Orígenes que suscita o escândalo de Jerônimo: Nós, lembrando-nos deste preceito: “Que cada um diga a verdade a seu próximo”, não devemos dizer: “Quem é meu próximo?” Mas é preciso considerar com que cuidado o filósofo diz: “A mentira não convém a Deus e lhe é inútil, mas ela é às vezes útil aos homens”; e não pensar que Deus se permita jamais mentir, mesmo em vista de suas economias. Se no entanto o interesse do ouvinte o pede, ele emprega palavras ambíguas e revela o que ele quer através de enigmas, para conservar quanto a si a dignidade da verdade, mas expor apenas sob o véu o que poderia ser prejudicial se fosse manifestado ao público em sua nudez. Mas o homem a quem incumbe a necessidade de mentir, que se guarde cuidadosamente de usar a mentira de outra forma que como “tempero e medicamento”; que conserve essa medida e não ultrapasse os limites, a exemplo de Judite diante de Holofernes quando ela o venceu dissimulando-se prudentemente por suas palavras. Que imite Ester, que fez Artaxerxes mudar de opinião, guardando por muito tempo o silêncio sobre suas origens nacionais; e sobretudo o patriarca Jacó, que segundo a Escritura pediu as bênçãos de seu pai com a ajuda de uma mentira astuta. É evidente que se não mentirmos assim, para procurar por isso um grande bem, seremos julgados inimigos daquele que disse: “Eu sou a Verdade.” Orígenes não aceita que se possa mentir a certos homens recusando-se a considerá-los como seu próximo: é rejeitar uma teoria que se ouve ainda. Deus dissimula a verdade sob o véu da alegoria para que ela não seja prejudicial: ideia corrente na obra de Orígenes quando ele reflete sobre o modo de linguagem simbólica empregado pela Escritura. Quando Deus fala aos homens na Bíblia, ou pela Encarnação, ele se faz representar em homem, pois os homens não poderiam compreendê-lo de outra forma: no céu apenas, quando eles forem divinizados, ele lhes falará em Deus. Tal é a razão dos antropomorfismos bíblicos e da vinda do Verbo em um corpo humano: ela manifesta reflexões profundas sobre o conhecimento de Deus. Deus conduz assim lenta e pedagogicamente o homem a conhecê-lo: alguma luz sobre sua verdadeira natureza filtra dos símbolos e habitua progressivamente a alma. Se ele se manifestasse bruscamente, essa revelação seria prejudicial, pois o homem a receberia com uma inteligência não preparada. É por isso que Deus dissimula sua essência sob figuras e imagens humanas.
A segunda parte do desenvolvimento é mais desajeitada que verdadeiramente escandalosa. De acordo com os exemplos de Judite e de Ester, trata-se de um problema que é sempre a cruz dos moralistas: a necessidade de dissimular a verdade para subtrair um segredo a um interrogatório indiscreto e hábil. O de Jacó é mais discutível. Mas pode-se dizer, em defesa de Orígenes, que seu papel na economia da salvação o fez ser considerado pelos Padres com uma indulgência que nos espanta e nos diverte: non est mendacium, sed mysterium, diz Santo Agostinho. Se São Jerônimo tivesse renunciado à sua irascibilidade habitual, se ele tivesse seguido os conselhos prodigalizados por Orígenes para ler, não apenas a Bíblia, mas ainda Platão, ou seja, se ele tivesse procurado a “vontade” de Orígenes — não é essa sua habitual — ele talvez tivesse criticado a falta de jeito do trecho, mas não se teria escandalizado.
A propósito do mal, Orígenes cita o Teeteto: “É impossível que o mal desapareça do meio dos homens nem que ele tenha seu assento entre os deuses.” De uma má compreensão desse texto Celso tira segundo ele sua teoria de uma quantidade constante de males no universo: Nunca houve, não há e nunca haverá entre os seres diminuição nem aumento dos males: uma é a natureza do universo e sempre a mesma; a origem dos males ela também é sempre a mesma. Orígenes lhe opõe o Timeu dizendo: “Quando os deuses purificam a terra pela água”: depois de sua purificação ela deve, portanto, conter menos males que antes. Mas Orígenes e Celso não falam a mesma língua: para o segundo o mal é o sofrimento; para o primeiro, que recusa aceitar outros bens e outros males que não os da alma, o bem é a virtude, o mal o pecado. É o Dilúvio bíblico que ele vê no cataclismo do Timeu.
Apesar de sua grande admiração, Orígenes conserva em relação a Platão seu senso crítico: ele não hesita em marcar as distâncias que o separam do cristianismo. Ele o censura, assim como a Sócrates, por sua idolatria, apesar de suas belas intuições sobre Deus. Ele chega a ver em um texto do Fedro a garra do diabo e a tratar Platão de capanga de Satanás: Por causa disso, e por outras razões semelhantes, penso que aquele que se metamorfoseia em anjo de luz, o príncipe deste século, compôs esta frase: “Um exército de deuses e de daimones o segue, disposto em onze grupos.” Ele diz aí de si mesmo e daqueles que filosofam: “Nós estamos com Zeus e outros com outros daimones.” Essa raiva é certamente um caso único: ela não contrasta menos, como já se observou, com os louvores de Clemente.
