Mistério (BOEF)
A Escritura, como expressão corporal do divino, é o vaso dos mistérios super-terrenos (161-162). Do fato de que Deus é o verdadeiro autor da Escritura decorre a forma como deve ser considerada: nada nela, até a última letra, é sem significado (163). Contém todo remédio espiritual (164); como a natureza, é uma obra de arte do Criador que só pode ser compreendida através de sua graça (165-166). Mas não é um tipo de quebra-cabeça que pode ser resolvido de uma vez por todas, mas torna-se ainda mais misterioso quanto mais penetra-se nele (167). Nenhum ser humano pode enxergá-lo completamente (168); e em termos de sua substância, não pode nem ser traduzido para a fala externa (169).
(161) Mas, embora não consigamos descobrir tudo, ainda sentimos que todas as coisas estão cheias de mistérios.
(162) Pois as coisas que são descritas nas Escrituras são as formas de certos mistérios e as imagens de coisas divinas. Existe apenas uma posição sobre isso em toda a Igreja, a saber, que toda a lei é espiritual.
(163) Eu, crendo nas palavras do meu Senhor Jesus Cristo, penso que mesmo um “iota ou pingo” está cheio de mistério e não penso que algum deles “passará até que tudo seja cumprido” (Mt 5:18).
(164) Veio a mulher que era impura desde o nascimento (cf. Mc 5:25 e Lev 12:2ss); veio o leproso que foi mantido “fora do acampamento” por causa da impureza da lepra; procuram a cura do médico, como ser curados, como ser purificados. E porque Jesus, que é o médico, é ele mesmo o LOGOS de Deus, prepara remédios para seus pacientes não com sucos de ervas, mas com os mistérios das palavras. Quem, sem conhecer o poder das palavras em particular, vê esses remédios-palavras espalhados pelos livros como ervas daninhas no campo, simplesmente os passará por como fala inútil e inculta.
(165) Se a Lei de Moisés não contivesse nada escrito com um significado mais profundo, o profeta não teria dito em sua oração a Deus: “Abre os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei” (Sl 119:18).
(166) Pois assim como na criação do mundo a habilidade divina se manifesta não apenas nos céus e no sol e na lua e nas estrelas . . . mas também é realizada na terra e na matéria mais humilde, de modo que nem mesmo os corpos dos animais mais minúsculos são negligenciados pelo Criador (e muito mais suas almas, já que cada um deles recebeu uma característica específica como a autopreservação nos animais), nem ele negligenciou as plantas da terra, pois em cada uma delas há algo artístico em suas raízes e folhas, no fruto que produzem e nas variedades de suas qualidades, assim é nossa convicção, a respeito de tudo o que foi escrito pela inspiração do Espírito Santo, que a providência sublime concede sabedoria super-humana à raça humana por meio das letras, semeando, por assim dizer, pensamentos salvíficos e vestígios de sabedoria em cada letra de acordo com sua capacidade. Pois, uma vez que se admite que essas Escrituras são do Criador do mundo, também se deve estar convencido de que o que quer que eles descubram, que buscam o significado da criação, também deve ser verdadeiro para o significado da Escritura.
(167) Quanto mais lemos, mais alto sobe a montanha dos mistérios. E como alguém que sai para o mar em um pequeno barco tem menos medo enquanto a terra está perto, mas quando gradualmente se move para o fundo e as ondas ficam maiores, e começa a ser jogado para cima nas cristas e mergulhado nas depressões, então de fato é tomado pelo medo e terror por confiar uma embarcação esguia a ondas tão grandes; o mesmo parece acontecer conosco que, com pouco mérito e pouco talento, ousamos entrar em um mar de mistérios tão vasto. . . . Pois tudo o que acontece acontece em mistérios.
(168) E assim dizemos, para que não leia isso com tédio, . . . que contém mistérios mais inefáveis e maiores do que a fala humana pode proferir ou os ouvidos mortais podem ouvir, mistérios que, em minha opinião, não só não podem ser digna e totalmente explicados por um “dos menores” (cf. 1 Cor 15:9) como eu, mas nem mesmo por aqueles que são muito melhores.
(169) Existem coisas cujo significado simplesmente não pode ser explicado por quaisquer palavras ou linguagem humana (cf. 1 Cor 2:4), mas é esclarecido mais por um simples ato de compreensão do que por qualquer coisa que venha das palavras. A compreensão das sagradas Escrituras também se enquadra nesta regra, segundo a qual as coisas que são ditas devem ser valorizadas não de acordo com a comunhão das palavras, mas de acordo com a divindade do Espírito Santo que as inspirou a serem escritas.
