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Maligno (OPE)

Orígenes — Tratado da Oração

XXX Livra-nos do Maligno

1 Com o pedido “Não nos induzas em tentação”, Lucas parece com razão ter ensinado mais este: “Livra-nos do Maligno”. É possível que o Senhor tenha falado de forma mais resumida com o discípulo, já mais preparado do que a multidão. Falaria com maior amplidão às pessoas que precisavam de maior explicação.

Deus não nos livra do Maligno, quando este, que nos põe ciladas (cf. Ef 6,11-12), cessa de nos atacar de muitos modos com seus agentes e seus artifícios. Deus nos livra, quando estamos para conseguir a vitória com valentia, resistindo firmes contra o que nos sucede.

É assim que entendemos o texto: “Muitas são as desventuras do justo, mas de todas o livra o Senhor” (Sl 33,20). Deus nos liberta das tributações, não só para que não as tenhamos (embora diga Paulo: Estamos atribulados em tudo , como se não tivéssemos um momento sem aflição), mas para que, ao ser afligidos, pelo socorro divino não sejamos abatidos.

Estar em tribulação (thlíbesthai), segundo o hebraico, significa uma situação em que acaso estamos, prescindindo da nossa vontade. Estar abatido é, ao contrário, um estado que depende da nossa vontade, que se deixa vencer e dominar pela tribulação.

Paulo bem disse: “Atribulados em tudo, mas não abatidos” (2 Cor 4,8). A meu ver, corresponde a esta observação a palavra do Salmo: “Na tribulação, tu me dilataste” (4,2). De fato, a alegria e a serenidade do espírito, que em tempo de calamidades nos vêm de Deus, pela ajuda e a presença do Verbo divino, consolador e salvador, têm (na Escritura) o nome de “dilatação”.

2 De modo semelhante há de se entender quando alguém é libertado do Maligno. Deus libertou Jó, não porque o diabo não teve licença de afligi-lo com múltiplos tormentos (de fato, ele a obteve), mas porque em tudo aquilo que lhe sobreveio, ele não pecou diante do Senhor e se mostrou justo. Aquele que havia dito: “Será que Jó teme a Deus por nada? Não levantaste, acaso, um muro em torno dele, da sua casa, de todas as suas propriedades? Abençoaste a obra de suas mãos e os seus rebanhos se espalham por toda a região. Mas estende a tua mão e toca todos os seus bens. Verás se não te maldiz em face!” (Jó 1,9-11).

Mas o diabo acabou se enchendo de vergonha por ter dito coisas falsas contra Jó. Pois quando Jó sofreu tantas coisas, “não maldisse a Deus em sua face”, como dissera o inimigo antes; deixado nas mãos do tentador, continuou bendizendo o Senhor.

Retrucou Jó à sua mulher, quando esta lhe dizia: “Amaldiçoa o Senhor e morre” (Jó 2,9): “Falas como uma estúpida qualquer. Se recebemos de Deus o bem, não aceitaremos o mal?” (id-2,10).

Pela segunda vez interveio o diabo: “Pele por pele! Para salvar a sua vida, o homem dará o que possui. Mas estende a tua mão, toca nos seus ossos e na sua carne, para ver se ele te bendirá em face”(Jó 2,4-5).

Vencido pelo heroico campeão da virtude, revelou-se que o diabo é mentiroso. Jó, em verdade, havia sofrido duríssimas provas, resistiu a tudo, sem que de seus lábios pecasse contra Deus, sustentou vitorioso dois combates e não teve de enfrentar o terceiro. O terceiro combate era reservado ao Salvador, como consta de três evangelistas. E o Salvador, considerado como homem, três vezes venceu o inimigo (cf. Mt 4, 1-11; Mc 1,12-13; Lc 4, 1-13).

3 Então pedimos a Deus, com entendimento, que não nos deixe cair em tentação e nos livre do Maligno. Examinemos, pois, estas coisas com grande cuidado e procuremos fazer que o nosso espírito seja cheio delas. Escutemos a Deus, e nos faremos dignos de que ele nos escute.

Na tentação, supliquemos que não nos inflamem “as flechas incendiárias do Maligno” (Ef 6,16), quando as lançar contra nós.

Como disse um dos doze profetas (cf. Os 7,6), queimam-se os corações dos que estavam predispostos como uma fornalha acesa. Mas não ardem os que, usando o escudo da fé, apagam todas as flechas incendiárias que o Maligno envia contra eles (cf. Ef 6,16). Enquanto tiverem dentro de si “rios de água que jorram para a vida eterna” (Jo 4,14; 7,38), não prevalecerão as flechas incendiárias do Maligno. Serão facilmente anuladas pelo dilúvio de divinos e salutares pensamentos que a contemplação da Verdade infunde na alma de quem se esforça por ser espiritual.

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