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Jean-Louis Chrétien – Exegese de Orígenes

JLChretien2003

Os espias que Moisés enviou à Terra Prometida em reconhecimento, a fim de ver o que exatamente ela era, trouxeram de volta, com romãs e figos, um cacho de uva tão generoso que foram necessários dois homens para carregá-lo suspenso a uma vara (Nm 13,23), do qual Nicolas Poussin fez o símbolo do Outono, em seu ciclo das Estações (Museu do Louvre). Enviado pelo Espírito para explorar esta Terra Prometida da Palavra que é a Bíblia, Orígenes trouxe por sua vez um fruto suntuoso, de uma plenitude nutritiva que não acabamos de saborear, e que não é outro senão sua obra. Se a maldade humana, ciumenta de toda grandeza, destruiu três quartos dela, se este cacho não pôde chegar inteiro até nós, a imensidão do que resta diante de tantas glosas rabiscadas, cujo menor e apagado grafito nos ficou, basta para dar o arrepio que impõe o esplendor ]. É um grão deste cacho que nos será aqui proposto. Este esplendor reside na operação de uma leitura em espírito e em verdade. Ler com seriedade, isto é, respondendo pelo que se lê, e pelo ato de lê-lo, é escrever, ou já falar. Orígenes é um mestre de leitura. Como, em quê e por quê? O que se segue, acompanhando-o em sua escuta da palavra de Jesus sobre o fogo, se esforçará para mostrá-lo. Convém primeiro recordar brevemente os princípios mais gerais desta leitura bíblica, que valem aliás para a maioria dos autores que serão abordados nos capítulos seguintes. Para Orígenes, em primeiro lugar, a Bíblia é una, e é preciso sempre lê-la como tal: «todos os livros santos são um livro único», uma única «música de Deus», na qual não há «nenhum sinal que seja vazio da Sabedoria de Deus», e onde «não há um único iota nem um único sinal escrito que não cumpra o que é sua obra para quem sabe usar do poder das letras», portanto para quem sabe ler bem ]. Muito antes de Schleiermacher, há um círculo hermenêutico que vai do todo à parte e da parte ao todo, da unidade do todo à unidade singular da palavra ou da frase, e vice-versa. Espiral em vez de círculo em verdade, pois neste movimento não cessam de crescer sentido e luz. Não se trata de rasgar a única túnica sem costura da Palavra, o que os soldados não ousaram fazer, ou julgaram tolo fazer com a de Cristo morto, pois era tirar-lhe seu preço (Jo 19,23-24). É para aceitar ou rejeitar, e não para despedaçar. O segundo princípio diretor desta leitura é que eu me deixo ler pelo que leio. O leitor é ele mesmo lido para ler em verdade. Assim como o Cristo do Mistério de Jesus de Pascal afirma inesquecivelmente: «Derramei tais gotas de sangue por ti» ], a Bíblia fala também por ti e por nós. Compreender é também compreender-se a si mesmo à luz do que ela nos dirige, nos ordena ou nos liberta, aqui e agora. Que importa que o Espírito tenha falado a homens de outrora, se ele se cala hoje para nós? E se ele permanecesse mudo para nós, como poderíamos reconhecer seu rastro, e sua voz, nas palavras do passado? A cada passo, Orígenes se esforça para destacar a linha de vida que percorre as frases que ele comenta, esta linha de vida que vem tocar a nossa. Esta atualização (que certamente não esgota o sentido, mas forma seu fruto) é, se se pode empregar esta palavra anacrônica, propriamente existencial, e é ela que foi desconhecida nas censuras, feitas a Orígenes, de alegorismo excessivo. A alegoria não se pratica por si mesma, nem para suavizar os ângulos de uma passagem embaraçosa: ela não forma nada mais nem nada menos do que um vetor de atualização, ela é ordenada e subordinada a essa finalidade. Longe de revelar sintomas alarmantes do suposto pecado mortal de platonismo, ela manifesta que a leitura não é apenas um ato, mas um evento. Para os velhos tudo é velho, e para os jovens tudo é jovem, diz em substância Orígenes em uma página marcante: «Os dois testamentos são para nós um novo testamento, não pela data, mas pela novidade do sentido», e mesmo o novo se torna antigo para aquele que não se deixa renovar por ele ]. Mas é lendo que eu sofro esta provação espiritual que revela minha senescência ou minha juventude. Ler é provador. Que seria, senão pura distração, uma leitura onde eu não me arriscaria, no sentido mais forte do termo? Enfim, e este terceiro traço da exegese de Orígenes é na verdade o primeiro, isto é, aquele que fundamenta a possibilidade do exercício dos dois precedentes, esta leitura é uma leitura orante: Orígenes lê rezando e reza lendo. É o que lhe dá essa perseverança inquieta e essa incansável humildade. Uma leitura orante é uma leitura mendicante, e que não se faz forte de si mesma diante do que lê, mas que, conforme os convites da própria Escritura, pede com insistência e bate, continua a bater até que lhe seja aberto ]. Que a leitura ore em aprofundando ainda mais seu caráter de evento.

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