Cristologia (JDO)
JDO
A importância da doutrina da Encarnação e da Redenção no trabalho de Orígenes tem sido debatida, com críticas de Hal Koch à primeira e de de Faye à segunda. Koch argumenta que a Encarnação tem pouca importância, pois o Logos já desempenha um papel fundamental na criação desde o início. Por sua vez, de Faye considera a Redenção secundária, vendo o papel de Cristo principalmente como revelador e afirmando que a morte na cruz não se encaixava no pensamento de Orígenes.
No entanto, uma análise mais aprofundada dos textos revela que essas visões são muito restritas. O papel da humanidade de Cristo é crucial em seus comentários do Novo Testamento, e a luta de Cristo contra os poderes do mal – uma ideia central da doutrina da redenção nos séculos II e III – ocupa um lugar de destaque na obra de Orígenes.
A verdade é que esses dogmas estão inseridos em uma teologia mais ampla do Logos, um aspecto essencial do sistema de Orígenes. Para compreendê-la, é necessário examinar o Logos em sua própria natureza, em sua relação com o Pai e com os logikoi. Essa é uma das partes mais complexas de seu pensamento, e também a base para entender o papel do Logos na economia da salvação, os problemas da Encarnação e o significado da Paixão de Cristo como uma vitória sobre a morte.
Até agora, estudamos as criaturas espirituais, o principal objeto da criação, em si mesmas. Deixamos de lado um aspecto essencial de sua realidade: sua relação com o Logos. É essa questão crucial que abordaremos agora, o que nos dará a oportunidade de discutir a doutrina trinitária de Orígenes.
Tem sido contestado que Orígenes seja um pensador trinitário, em especial por de Faye. No entanto, esse julgamento é simplista. Orígenes, aqui como em outros pontos, é antes de tudo uma testemunha da fé tradicional. Ele afirma no início do Tratado dos Princípios sua plena adesão à fé nas três pessoas. Isso não aparece apenas onde ele reproduz a fórmula batismal, mas em muitas passagens onde expõe seu próprio pensamento. Ele fala, por exemplo, das “três pessoas eternamente presentes juntas” (Co. Mth., XII, 20).
Contudo, quando tenta dar uma explicação teológica da Trindade, é evidente que ele a relaciona com as criaturas espirituais. A relação do Logos com o Pai é concebida por ele de forma paralela à relação das criaturas espirituais com o Logos. Nesse aspecto, a influência do médio platonismo é mais perceptível. Como disse o Padre Lieske, em um livro favorável a Orígenes, “a significação cosmológica do Logos é a ameaça mais grave para o mistério trinitário da filiação e o contragolpe mais forte do pensamento neoplatônico (diríamos médio-platônico) sobre sua especulação”.
Em várias passagens de sua obra, Orígenes descreve o Logos em sua dupla relação com o Pai e com os logikoi: inferior ao primeiro e superior aos segundos. Por exemplo, no Comentário sobre São João: “Quanto ao fato que perturba alguns amigos de Deus na oração, quero dizer, o medo de confessar dois deuses, e que os faz por isso cair em doutrinas ímpias, negando que o Filho tenha uma realidade própria (idiotetos) diferente da do Pai e dizendo que aquele que chamam de Filho é Deus apenas no nome; ou negando a divindade do Filho e postulando que sua propriedade e sua essência são distintas da do Pai por separação (kata cherigraphen), esse medo pode ser assim afastado. É preciso dizer-lhes, de fato, que Deus (o Pai) é Deus por si mesmo (autotheos) segundo a palavra do Senhor dizendo em sua oração: 'Para que eles te reconheçam, a ti, o único Deus verdadeiro', e que tudo o que está fora daquele que é Deus por si mesmo, sendo divinizado por participação, não pode ser chamado 'o Deus' (ho theos), mas 'um deus' (theos). Esse nome pertence plenamente ao Primogênito de toda criatura, como Primeiro por estar ao lado de Deus, atraindo a si a divindade e superior em dignidade aos outros deuses, dos quais Deus é o Deus, segundo a palavra: Deus deorum Dominus locutus est (O Senhor Deus dos deuses falou), dando-lhes a ser deuses, tirando de Deus de que eles sejam divinizados abundantemente e comunicando-lhes de sua própria bondade. Deus é o verdadeiro Deus. Os outros são deuses formados à imagem deste, como imagens (ϵικoˊνϵς, eikónes) do protótipo. Mas, novamente, entre essas numerosas imagens, a imagem arquetípica é o Logos que está perto de Deus, que estava no princípio pelo fato de ser Deus permanecendo sempre perto de Deus e que não seria isso, se não estivesse perto de Deus e que não permaneceria Deus, se não subsistisse na perpétua contemplação do abismo (βαˊθoυς, báthous) paternal” (Co. Jo., II, 2).
Este texto nos lança no cerne da visão de Orígenes. Vemos, por um lado, a oposição estabelecida entre o Deus com o artigo, que é o único Deus por si mesmo (auto theos), e os outros que são deuses por participação (theoi). Isso é inspirado por Fílon, De Somniis, I, 230. Nesse sentido, apenas o Pai é o verdadeiro Deus (alethinos theos) e, portanto, transcendente ao Filho. Orígenes quer, com isso, tranquilizar aqueles que o medo do politeísmo faz cair no modalismo ou no adocianismo, mas ele o faz atribuindo ao Filho uma divindade participada, como a de todas as outras criaturas espirituais, que são deuses. Mas, por outro lado, entre esses deuses, o Filho é transcendente a todos os outros. Apenas ele está perto do Pai. Ele é superior em dignidade (timioteros). Somente ele conhece todo o Pai (Co. Jo., XXXII, 28); somente ele faz toda a sua vontade (X, 35). Ele não possui a divindade de si mesmo, ele a recebe do Pai, mas, por sua vez, é dele que vem toda divinização. Se ele é, portanto, de outra ordem que o Pai, ele é também de outra ordem que os logikoi.
Assim, temos uma dupla relação do Filho com o Pai, e dos logikoi com o Filho que apresenta uma certa analogia:
“Obedecendo ao Senhor que diz: 'O Pai que me enviou é maior do que eu', e que não aceita receber a designação de bom, no sentido próprio, verdadeiro e perfeito, que lhe é dirigida, mas reportando-a ao Pai em ação de graças, ao retomar aquele que quer exaltar o Filho, dizemos que o Salvador e o Espírito transcendem todas as criaturas (geneta) não por comparação, mas por uma transcendência (hyperoche) eminente, mas são transcendidos tanto ou mais pelo Pai do que ele mesmo e o Espírito Santo transcendem o resto das criaturas, mesmo as mais altas. Não é preciso dizer qual glorificação (doxologia) é devida àquele que transcende os tronos, os senhorios, as principados, as potências e todo nome que pode ser nomeado, não somente neste século, mas também no século futuro, e além disso os santos anjos, os espíritos e as almas dos justos. E, no entanto, sendo superior a tantos seres de tal qualidade, por essência, por dignidade, por potência, por divindade (ele é de fato o Logos feito homem), por sabedoria, ele não é em nada comparável ao Pai. Ele é, de fato, a imagem de sua bondade e o resplendor não de Deus, mas de sua glória e de sua luz eterna e o perfume não do Pai, mas de sua potência e a emanação pura de sua glória todo-poderosa e o espelho imaculado de sua operação pelo qual Paulo, Pedro e aqueles que lhes são semelhantes veem a Deus já que ele diz: 'Aquele que me viu viu o Pai'” (Co. Joann., XIII, 25).
O pensamento de Orígenes aqui aparece sem contestação possível. Se o Filho e o Espírito são transcendentes (hyperechontes) em relação a todos os logikoi, eles mesmos são transcendidos ainda mais pelo Pai. Eles constituem, portanto, uma ordem intermediária, que tem uma proximidade muito maior em relação ao Pai que o resto, mas que é, no entanto, separada dele pela essência, a potência e os outros atributos. Sua noção do Logos é muito alta e muito profunda. Muitos traços poderão ser retomados. Mas ela continua afetada por um subordinacionismo evidente. O único ponto sobre o qual Orígenes variou é a proporção entre a diferença que separa o Pai e o Filho e a que existe entre o Filho e as criaturas. No texto que acabamos de ler, ele diz que o Pai transcende mais o Filho do que o Filho transcende os outros seres. Ora, no Comentário sobre Mateus, encontramos a ideia contrária: “Como o Salvador é a imagem do Deus invisível, assim ele é também a imagem de sua bondade. E, todas as vezes que a palavra 'bom' é aplicada a um ser inferior, ela tem outro significado. Se, em relação ao Pai, ele é a imagem de sua bondade, em relação aos outros, ele é o que a bondade do Pai é para ele. E mesmo, há uma analogia mais próxima da bondade de Deus à do Salvador que é a imagem de sua bondade do que entre o Salvador e um homem bom, uma boa ação, uma boa árvore. Maior, de fato, é a transcendência (hyperoche) do Salvador, enquanto ele é a imagem da bondade de Deus, em relação aos seres inferiores do que a transcendência de Deus, que é bom, em relação àquele que disse: 'O Pai que me enviou é maior do que eu', e que é, em relação aos outros, a imagem da bondade de Deus” (Co. Mth., XV, 10).
Nessa visão hierárquica, o Logos é totalmente dependente do Pai, e os outros deuses, por sua vez, estão suspensos no Logos. A visão de Orígenes é a de um mundo de criaturas espirituais que circundam o Logos e participam Dele. Reencontramos aqui o pensamento estoico do Logos que penetra todo o cosmos e do qual os logoi particulares são participações, com a diferença de que este mundo dos logoi é transportado para uma esfera pré-existente ao cosmos: “Todo sábio, na medida em que participa da sabedoria, participa do Cristo que é a sabedoria” (Co. Jo., I, 34, ver VI, 38; Hom. Jer., XIV, 10). Um aspecto essencial dessa doutrina é que o mundo dos Logikoi é coeterno ao Logos. Este é um dos pontos em que a teologia de Orígenes está mais envolvida na cosmologia. Para alguns de seus predecessores, como Tertuliano ou Hipólito, os Logikoi não são eternos, mas o Logos também não é. Ele apareceu com a criação. Orígenes reage justamente contra essa concepção. Para ele, não houve um tempo em que o Logos não existia. E ele poderá ser usado neste ponto na controvérsia antiariana. Mas como ele conserva a relação do Logos com os Logikoi, são os Logikoi então que se tornam eternos. Isto aparece a propósito da questão: Se o mundo começou no tempo, o que Deus fazia antes do começo do mundo? Orígenes responde: “Deus não começou a agir quando fez este mundo visível, mas como, após a concepção deste mundo, haverá um outro, assim, antes deste, cremos que houve outros” (De Princ., III, 5, 3). Mais precisamente, um texto, que nos é citado por Justiniano, deduz a coeternidade dos Logikoi ao Logos do título divino de Pantocrator. “Como não seria absurdo que Deus, não tendo alguma das coisas que lhe convêm, viesse a as agarrar? Se não houve um momento em que ele não foi todo-poderoso, é preciso que sempre tenham existido seres pelos quais ele seja Todo-Poderoso. Havia, portanto, sempre existido seres governados por Ele que o tiveram por chefe” (I, 2, 10).
Essa necessidade de um mundo eterno de criaturas espirituais para que Deus possa exercer alguns de seus atributos é um dos pontos onde a influência do médio platonismo na doutrina de Orígenes aparece de forma característica. Assim, Albinos não admite “que haja um tempo em que o mundo não existia” (XIV, 3). Mas é toda essa concepção hierárquica que é o reflexo dessa influência. Ela encontra, de fato, sua razão última no fato de que entre o mundo do Deus primeiro absolutamente transcendente e o da criatura múltipla, é necessário que haja um intermediário. Deus é “unidade e simplicidade absoluta” (Co. Jo., I, 20). Ele está acima “do pensamento e da essência” (epekeina tes ousias) (C. Cels., VII, 38). Ele não pode por causa disso ter contato com o mundo do múltiplo. Por outro lado, a existência deste mundo é uma exigência de sua natureza para que sua bondade e sua onipotência possam se exercer. É preciso, portanto, que haja entre ele e a multiplicidade do mundo um intermediário. Esse intermediário é o Logos, que é “intermediário entre o não gerado e a realidade de todos os gerados” (C. Cels., III, 34). Vê-se, portanto, como a geração do Verbo está em estreita conexão com a criação das naturezas espirituais. E que essa criação seja eterna — e portanto eterna também a geração do Logos — não impede seu laço com a cosmologia. Ora, é propriamente a doutrina do médio platonismo. Vimos a concepção do deuteros theos (segundo deus) em Numênio. Albinos, por sua vez, escreve “que o Primeiro Deus, que é 'inefável', despertou a alma do mundo e a voltou para si mesmo: esta, uma vez organizada, organiza por sua vez o conjunto da natureza de nosso universo” (X, 4). A semelhança aqui atinge mesmo um detalhe capital. Em um texto que citávamos mais acima, Orígenes fala do Filho “que não permaneceria em Deus se não subsistisse na perpétua contemplação do abismo paternal” (Co. Jo., II, 2). O Padre Arnou e o Padre Lieske aproximaram com razão esse tema da “contemplação criadora” em Plotino. Mas ela não vem em Orígenes do autor das Enéadas. Um e outro a detinham de Albinos: “Deus voltou para si a inteligência da alma do mundo e a própria alma, como se ele a fizesse sair de uma letargia” (XIV, 3).
A razão essencial pela qual Orígenes justifica sua concepção do Logos como intermediário entre o Primeiro Deus e o cosmos espiritual, é, dissemos, que entre a unidade absoluta e a multiplicidade das criaturas é preciso um ser que participe dessa multiplicidade. O Logos deve, portanto, apresentar uma certa multiplicidade (Co. Jo., I, 20). Chegamos aqui a um aspecto capital da doutrina de Orígenes, pois é essa multiplicidade que fundamenta em último lugar a relação do Logos com os Logikoi permitindo-lhe se adaptar à sua diversidade e explica sua ação no mundo. Encontramos isso exposto no Comentário sobre São João. Enquanto o “Pai é completamente um e simples, nosso Salvador, porque há Nele uma multiplicidade, já que Deus o estabeleceu de antemão propiciação e primícias de toda a criação, torna-se também múltiplo. Por causa disso, ele se torna luz dos homens, quando os homens obscurecidos pelas trevas precisam da luz que brilha nas trevas e que não é apreendida pelas trevas: ele não teria se tornado luz, se os homens não tivessem estado nas trevas. Podemos, da mesma forma, considerar o fato de que ele é primogênito dentre os mortos. Se Adão não tivesse caído, ele não teria morrido por amor aos homens e não tendo feito isso, ele não seria primogênito dentre os mortos. É preciso examinar se ele não teria sido Pastor, se os homens não tivessem se tornado semelhantes a animais sem razão. É preciso, portanto, ao reunir as designações do Verbo, examinar quais são aquelas que não teriam tido lugar, se os homens tivessem permanecido na beatitude. De fato, ele teria permanecido talvez somente Sabedoria, Verbo, Verdade e Vida e não teria tido os outros nomes que ele teve por causa de nós. Bem-aventurados aqueles que, rezando ao Filho de Deus, são tais que não precisam mais Dele como médico que cura os doentes, nem como Pastor, nem como redenção, mas como Sabedoria, Verbo, Justiça ou qualquer outra realidade que ele é para aqueles que podem receber o que há de mais excelente Nele, por causa de sua perfeição” (Co. Jo., I, 23).
Encontramos neste texto os grandes elementos da doutrina. Por um lado, há no Verbo uma certa diversidade de aspectos, uma multiplicidade de echonstat ou de theoremata) (Co. Jo., II, 8). Entre esses echonstat, uns se prendem à realidade eterna do Verbo, como os nomes de Sabedoria, de Verbo, de Verdade, de Vida. Outros estão ligados à economia da Redenção. Por conseguinte, vislumbramos que haverá entre esses aspectos do Verbo uma hierarquia, que ele aparecerá como médico aos doentes, como Pastor àqueles que precisam ser guiados, e que a revelação de si mesmo como Sabedoria ou como Vida será reservada aos perfeitos. O inventário desses echonstat, dessas investigabiles divitias Christi (as riquezas investigáveis de Cristo), constitui o essencial da teologia origenista do Verbo. Ele consagra o primeiro livro do De Principiis aos nomes do Verbo: “Jesus é muitos bens que anunciam aqueles cujos pés são belos. A vida é um bem; ora, Jesus é a vida. A luz do mundo, a luz dos homens, a verdadeira luz são outros bens; ora, Jesus é todas essas coisas. Há ainda um outro bem que é a estrada que nos conduz a esses bens. O próprio Senhor nos ensina que ele é todas essas coisas, quando ele diz: 'Eu sou o caminho, a verdade e a vida'. Como não seria um bem ressuscitar o homem? Ora, isso também pertence ao Senhor segundo a palavra de Jesus: 'Eu sou a Ressurreição'. A porta também, pela qual se chega à beatitude é um bem: ora, o Cristo disse: 'Eu sou a porta'. E de que é preciso falar da Sabedoria, que Deus estabeleceu no começo de suas vias, da qual desfrutava o Pai, pondo suas delícias em sua variedade espiritual, que é vista dos únicos olhos do espírito e que chama ao amor celestial aquele que contempla a beleza divina? Quem duvida que a justiça, a santificação, a redenção sejam bens? Ora, aqueles que anunciam essas coisas anunciam Jesus” (Co. Jo., I, 9; cf. Hom. Jer., VIII, 2).
Orígenes protesta contra aqueles que fazem do nome de Verbo o nome único do Filho de Deus e nesta ocasião ele retoma uma nova enumeração onde ele acrescenta à lista precedente os nomes de bom Pastor, de Mestre, de Rei dos Judeus, de Verdadeira Videira, de Pão da vida, de Primeiro e Último, de Cordeiro de Deus, de Consolador, de Propiciação, de Sumo Sacerdote, de Profeta, de Judas e de Israel, de Cristo, de Pedro (Co. Jo., I, 22-23). Ele detalha esses nomes no primeiro livro em admiráveis desenvolvimentos. O Cristo é a luz que ilumina o mundo espiritual (I, 25); ele é a estrada sobre a qual não se deve levar nada, nem roupa, nem cajado e onde é preciso caminhar descalço (cf. Co. Jo., VI, 19); ele é a videira que alegra o coração do homem e o faz sair das coisas humanas e o enche de Deus (ϵνιπισταˊν) e o torna bêbado da embriaguez não irracional, mas divina (I, 30); ele é o primeiro e o último “porque ele se fez tudo para todos, para os salvar a todos” (I, 31); ele é o cordeiro que tira o pecado do mundo (I, 32); ele é sumo sacerdote de toda a criação espiritual (I, 35); ele é justiça porque ele dispõe todas as coisas com ordem e medida, dando-lhes os socorros espirituais para os preparar a receber no fim a bondade do Pai (I, 35); ele é Israel, porque só ele vê o Pai (I, 35).
Sendo Jesus assim múltiplo, ele se manifesta diferentemente segundo a capacidade dos homens de o ver: “Todos aqueles que veem não são igualmente iluminados pelo Cristo, mas cada um é na medida do que ele pode receber da luz” (Hom. Gen., I, 8). A teologia do Logos desemboca aqui na mística do Logos. A vida espiritual, que é a própria realidade da vida dos Logikoi, consiste em se alimentar no Logos. Mas o Logos aparece sob formas diferentes às diferentes categorias de almas segundo sua capacidade, e não lhes revela senão pouco a pouco seus mistérios; “Jesus, embora ele fosse um, no entanto era diverso quanto aos aspectos (ϵχoˊνστατ, echonstat) e não era visto da mesma maneira por aqueles que o olhavam. Que ele fosse diverso quanto à ideia, isso aparece claramente a partir de suas próprias palavras: 'Eu sou o caminho, a verdade e a vida'; 'eu sou o pão'; 'eu sou a porta'. E que, quando se o via, ele não aparecia da mesma maneira para aqueles que o viam, mas segundo o que eles podiam receber, isso aparecerá claramente àqueles que sabem por que no momento de ser transfigurado em uma alta montanha, ele não levou com ele todos os apóstolos, mas somente Pedro, Tiago e João, como sendo os únicos capazes de contemplar sua glória, e podendo conhecer Moisés e Elias aparecendo em sua glória, e os escutar falar juntos e ouvir a voz vindo do céu na nuvem. E antes de subir na montanha onde seus discípulos se aproximaram e onde ele falou das bem-aventuranças, enquanto embaixo da montanha, ele curava todos aqueles que lhe eram trazidos, eu não penso que ele aparecia o mesmo aos doentes do que àqueles que, em boa saúde, podiam subir com ele na montanha” (C. Cels., II, 63. Ver também IV, 16, 18). Àqueles que o veem apenas segundo a carne, ele é “sem beleza”, segundo a palavra de Isaías; mas àqueles que o contemplam com os olhos da alma, ele aparece transfigurado (VI, 77).
O Verbo se proporciona à capacidade daqueles que estão diante dele. Desde os iniciantes que o conhecem apenas segundo a carne, isto é, que não conhecem sua divindade, até aqueles que são introduzidos nos mistérios ocultos de sua divindade, a escada das almas se desdobra: “Quando o Cristo estava na carne, todos aqueles que o viam não podiam vê-lo. Eles viam seu corpo, mas segundo ele era o Cristo, eles não podiam vê-lo. Mas seus discípulos o viam e contemplavam a grandeza de sua divindade. É por isso que eu penso que a Filipe, que lhe perguntava: 'Mostra-nos o Pai', o Salvador respondeu: 'Estou convosco há tanto tempo e não me conheceis? Filipe, aquele que me viu viu o Pai'. De fato, Pilatos, que via Jesus, não via Jesus, nem Judas o traidor o via segundo ele era o Cristo” (Ho. Le., III. Ver C. Cels., VI, 77; Co. Mth., XII, 36). É o próprio Verbo que se adapta assim às necessidades das almas: “Quando o Verbo de Deus é dado como leite às crianças, como legumes àqueles que ainda são fracos, como carne àqueles que lutam, ele é dado a cada um segundo a analogia de sua proporção com o Verbo” (De Or., 27). Sobre este tema, Orígenes se explica frequentemente: “Ele aparecia a cada um segundo ele tinha sido digno. E enquanto ele era ele mesmo, ele era visto de todos não como ele mesmo. Segundo o que está escrito do maná, quando Deus enviou aos filhos de Israel um pão do céu, tendo todo sabor e convindo a todo gosto; quando dócil ao desejo daquele que a tomava, ele se transformava no que cada um queria. E esta tradição não me parece incrível, seja que se considere Jesus ele mesmo em seu corpo, mostrando-se aos homens sob aspectos diversos, ou que se leve em conta a natureza do Logos, que não se entrega da mesma forma a todos” (Co. Ser. Mth., 100. Ver também Horn. Ex., VII, 6; C. Cels., IV, 18).
Essa teologia do Logos, por mais ricos que sejam certos aspectos, ao se expressar nos esquemas do médio platonismo, foi distorcida em dois pontos essenciais que comprometem a doutrina trinitária e a doutrina da Graça. Em primeiro lugar, por sua concepção da superioridade do Pai sobre o Logos, Orígenes cai no subordinacionismo. Entre o Filho e o Pai, ele não reconhece apenas uma diferença de pessoa, mas de natureza. E por conseguinte a divindade do Filho não é mais que uma divindade participada. Ele não hesitou em representar o Filho como uma imagem do Pai em menor escala. Inversamente, entre o Logos e os Logikoi, ele não reconhece mais uma diferença suficiente. Aqui ele foi influenciado pela concepção estoica da imanência do Logos em todos os Logoi particulares: “Todo sábio, na medida em que participa da Sabedoria, participa do Cristo que é a Sabedoria” (Co. Jo., I, 34). E, é claro, os espíritos, por causa do pecado, podem ser incapazes sem o socorro do Logos de uma plena vida espiritual. Eles precisarão de sua ação para chegar lá. Mas resta que essa vida espiritual não é mais do que o florescimento dessa participação radical no Logos que todo espírito possui por natureza e que, portanto, não se trata senão de uma diferença de grau. Isso destrói o caráter radicalmente gratuito da Graça como participação em uma vida trinitária transcendente.
