Anjos das Nações (JDO)
JDO
A ação dos anjos, para Orígenes, se exerce primeiramente não na criação — essa é uma teoria helenística que ele rejeita —, mas na administração do cosmos. Essa é uma doutrina que ele recebeu tanto da teologia judaica quanto da revelação cristã, e que se encontrava também no pensamento religioso dos gregos. Para Enoque, há anjos encarregados do sol, da lua, das estrelas (XLIII, 2). Outros velam sobre os ventos, as névoas, o orvalho, a chuva (LX, 21). O Livro dos Jubileus fala dos anjos do espírito do fogo (XIV, 18) e do anjo das águas (XVI, 5); e os quatro animais do Apocalipse são, para P. Allo, os anjos encarregados de administrar o cosmos. Atenágoras pensa o mesmo, que Deus entregou aos anjos a administração do mundo visível: “O criador e o demiurgo do mundo, Deus, por intermédio do Verbo que vem Dele, repartiu e ordenou os anjos, para que eles se ocupem dos elementos, dos céus, do mundo e do que está nele, e de sua harmonia” (Afol., 10). A mesma doutrina se reencontra na filosofia grega contemporânea de Orígenes. Assim, Albinos escreve: “Existem outras divindades, para cada um dos elementos: há no éter, no fogo, no ar e na água. Essas divindades receberam o império de todas as coisas sublunar e terrestres” (Ef., XV, 7).
Orígenes é o eco dessas concepções: “Anjos presidem a todas as coisas, tanto à terra e à água quanto ao ar e ao fogo, ou seja, presidem aos elementos. Eles são também instrumentos para o Logos, na administração de todos os animais, das plantas, dos astros, do céu também” (Ho. Jer., X, 6). Temos aqui a concepção dos anjos dos elementos, e dos das diversas partes do cosmos. Em outro lugar, fala-se das “virtudes que presidem à terra e à germinação das árvores, que velam para que as fontes e os rios não sequem, que cuidam das chuvas, dos ventos, dos animais terrestres e marinhos e de tudo o que nasce da terra” (Hom. Jos., XXII, 3). Celso, portanto, está errado em reprovar os cristãos por não venerarem os daimones que presidem à vida da natureza; “Nós também dizemos que não é sem a presidência de administradores invisíveis, não somente do que a terra produz, mas também de toda fonte de água e do ar, que a terra carrega o que é dito produzido pela natureza, e que a água jorra e corre nas fontes e nas nascentes, e que o ar é guardado incorrupto e vivifica aqueles que o respiram; mas não chamamos de demônios, esses seres invisíveis” (Contr. Cels., VIII, 31; Koetschau, 246-247). A única diferença entre os cristãos e Celso é que os cristãos chamam esses protetores de “anjos”, e também, Orígenes dirá mais adiante, que eles os veneram, mas sem lhes prestar culto (ver também Ho. Num., IX, 11; Ho. Ez., IV, 2).
Essas funções relativas ao cosmos são as dos anjos do grau mais baixo. Em um domínio mais elevado, Orígenes pensa que os anjos presidem às sociedades e às pessoas humanas e que eles participam assim da ação da Providência, não mais somente no Cosmos, mas na história. A primeira dessas questões é a dos anjos das nações que ocupa um lugar particularmente importante em seu pensamento. Aqui novamente, ele é o eco da tradição anterior. Esta aparece com um texto dos Setenta: “Quando o Altíssimo adjugou às Nações sua herança, ele fixou os limites dos povos de acordo com o número dos anjos de Deus” (Deut., XXXII, 8). O hebraico traz “…de acordo com o número dos filhos de Israel”. Mas essa tradução, que é uma verdadeira interpretação teológica, esteve na origem de toda uma tradição. O Testamento de Naftali relata que, antes da dispersão dos povos, Miguel pediu a cada nação que escolhesse um anjo. Daniel e Enoque nos mostram Miguel encarregado do povo de Israel, mas veremos mais adiante outra tradição onde o próprio Iahweh reservou para si seu povo. É a essa doutrina que se deve ligar, parece, os setenta pastores de Enoque (LXXXIX) que são os anjos encarregados dos povos pagãos.
Orígenes retomou essa tradição baseando-se no texto dos LXX: “Neste lugar onde falamos das naturezas intelectuais, não convém calar o que nos diz respeito, nós homens, que somos chamados também um animal razoável; e não se deve omitir por negligência que, a nosso respeito também, diferentes ordens são nomeadas quando é dito que a parte do Senhor, que seu povo é Jacó, e o lote de sua herança Israel, e que a parte dos anjos, são as outras nações, porque, quando o Altíssimo dividia as nações e dispersava os filhos de Adão, ele estabeleceu os limites das nações segundo o número dos anjos de Deus” (De Prine., I, 5, 2. Ver também IV, 3, 9). Através de toda a sua obra, Orígenes manterá que cada nação é confiada a um anjo protetor: “Certos pastores devem ser considerados como anjos a quem os homens são confiados. E cada um destes se esforçava e velava para guardar aqueles que lhe eram confiados, mas eles precisavam de ajuda para que as nações que lhes eram confiadas fossem bem guiadas. É a eles que o anjo veio anunciar o nascimento de Jesus e a vinda do verdadeiro pastor” (Ho. Luc., XIII). Orígenes interpreta aqui alegoricamente a aparição dos anjos aos pastores de Belém e vê nestes a figura dos anjos pastores de povo, que lutavam penosamente contra a idolatria nos povos que lhes eram confiados e a quem a epifania de Jesus traz um imenso socorro (ver também Ho. Jer., V, 2; Co. Jo., XIII, 50; Koetschau, 278, 29-32).
Essa concepção origenista de origem judaica se encontrou com uma doutrina helenística. E essa será a ocasião para Orígenes de precisar sua própria concepção da história. O paganismo dos últimos séculos se encontrou diante de um problema complexo. Por um lado, a aspiração monoteísta ia aumentando. Por outro lado, o cosmopolitismo colocava em contato os cultos tradicionais das diversas nações. Esse encontro resultou em uma visão das coisas na qual os dois elementos foram aproximados. Há um Deus supremo único, mas cada nação tem suas próprias divindades que são daimones. Assim se conciliavam monoteísmo e politeísmo. Ora, a questão tinha também um aspecto político: do mesmo modo que a religião romana respeitava a diversidade dos cultos locais, no interior de uma religião universal, da mesma forma o Império Romano respeitava a diversidade das nações no interior do imperium romanum. Assim, o mundo político tal como o conhece a Roma de então aparece como o reflexo do mundo celeste com sua hierarquia de divindades e é considerado como participando de sua imutabilidade. Essa união encontrará sua perfeita expressão em Juliano, o Apóstata: “Nossos autores dizem que o Demiurgo é o Pai e o Rei comum de todos os homens; que, além disso, ele distribuiu os povos a deuses diretores das nações e das cidades, dos quais cada um governa a parte que lhe coube, de uma maneira conforme à sua própria natureza… Todos os povos reproduzem a natureza das divindades que os dirigem” (Contr. Gal., 115 D). Os cultos nacionais são a expressão da veneração de cada nação por seus próprios deuses.
É a partir dessa concepção que vemos, desde o final do segundo século, Celso combater o universalismo cristão, reprovando seu caráter revolucionário: “Quando os judeus, que formam uma raça particular e têm leis estabelecidas para sua região, as observam ainda agora e guardam um culto do qual eu não tenho que apreciar o valor, mas que é tradicional (patrion), eles fazem coisas semelhantes aos outros homens, que seguem os costumes ancestrais, sejam eles quais forem. Parece bem que seja assim, não somente porque veio ao espírito de estabelecer tais leis para uns, tais outras para os outros, e que é preciso guardar o que foi estabelecido pela comunidade, mas também porque é normal que as partes da terra tendo sido na origem distribuídas umas a um inspetor (echochtes), as outras a outro, e partilhadas segundo suas prefeituras, elas são sempre administradas desta maneira. E em cada povo o culto é cumprido retamente, que é feito da maneira que agrada a esses inspetores. É ímpio desfazer as leis estabelecidas desde a origem segundo os países” (C. Cels., V, 25). Vemos assim como Celso defende o particularismo judeu contra o universalismo cristão, em nome da tradição. Pode-se dizer dele o que M. Bidez diz de Juliano: “Ele associa a ideia nacional e a ideia conservadora. Cada um é obrigado a professar a religião de seu país. A religião dos judeus é nacional e tradicional. Trata-se de defendê-la contra os revolucionários cristãos. Ele se opõe às tendências internacionais e à ideia de progresso que devemos ao cristianismo”.
É essa concepção que Orígenes vai combater mostrando que a divisão das nações e sua repartição entre os anjos, que é a consequência disso, não representa a situação primitiva, mas que ela é uma consequência do pecado. A humanidade foi primeiro uma, a dispersão é um castigo. E, consequentemente, o cristianismo, ao restaurar a unidade, não vai contra a ordem natural instituída primitivamente por Deus, mas, ao contrário, a restabelece. A partilha das nações entre os anjos é aproximada de outro episódio, o da Torre de Babel e da ruptura da unidade primeira da humanidade, cujo sinal era a unidade linguística. Tal é a substância da resposta de Orígenes a Celso: “Aqui, eu o interrogarei, ele e aqueles que pensam como ele. Quem é aquele que distribuiu no começo as partes da terra, umas a um inspetor, as outras a outro? Se não é por um só que as partes da terra foram distribuídas, cada um obteve sua terra ao acaso. Isso é absurdo e suprime a Providência. Celso não parece ter visto as razões ocultas (mystika) dessa distribuição da qual os gregos se aproximaram do conhecimento, quando eles ensinam que alguns daqueles que se chamam deuses, se disputaram a respeito da Ática. Mas nós, nós dizemos que Moisés, profeta e verdadeiro adorador de Deus, falou dessa divisão das partes da terra no Deuteronômio (XXXII, 9). Moisés fala disso também no livro intitulado Gênesis: Toda a terra tinha uma só língua e uma só boca. Quando eles deixaram o Oriente, eles encontraram uma planície na região de Sinear e eles habitaram nela” (Cont. Cels., V, 30).
Essa razão “oculta” da distribuição dos povos, eis como Orígenes a explica: “Eis como é preciso entender a coisa. Todos na terra tinham uma só língua, e também enquanto eles estiveram unidos entre si, eles conservaram a língua sagrada, e eles não deixaram o Oriente, enquanto eles tiveram os pensamentos da luz e do resplendor eterno da luz. Mas quando eles se afastaram do Oriente, tendo pensamentos contrários ao Oriente, eles encontraram uma planície na região de Sinear… e eles habitaram nela. Depois eles quiseram juntar materiais e unir ao céu o que não pode ser-lhe unido por natureza, a fim de penetrar nas coisas imateriais pelas coisas materiais. Então, segundo eles se tinham mais ou menos afastado do Oriente, eles foram entregues cada um a anjos mais ou menos maus até que eles tenham expiado sua imprudência; os anjos lhes impuseram cada um sua própria língua e os conduziram nas diversas regiões da terra, segundo eles o mereciam; uns em uma região tórrida, os outros em uma região glacial para punir pelo frio seus habitantes; uns em um país fértil, os outros em um país inculto” (C. Cels., V, 30). Vê-se o sentido do episódio. O Oriente, na língua dos Padres, é ao mesmo tempo o Cristo, oriens ex alto (o sol que nasce no alto), e o paraíso plantado ad orientem (no oriente). Os homens, tendo se afastado do Cristo, que os mantinha em uma existência paradisíaca, Deus, para os punir, os colocou sob a direção dos anjos: a diversidade das línguas, as diversidades dos habitats são também castigos. Elas não correspondem, portanto, a uma ordem eterna.
Uma questão permanece ambígua nessa passagem. Fala-se de anjos, mais ou menos “maus”. Tínhamos dito antes que Deus tinha confiado as nações a bons anjos. Trata-se aqui ainda desses bons anjos, encarregados de castigar e de corrigir as nações? Trata-se de anjos maus? Orígenes bem viu a ambiguidade. Ele faz alusão a isso nas Homilias sobre os Números: “Do mesmo modo que certos nomes de povos e de reis que lemos nas Escrituras estão em relação sem nenhuma dúvida com os anjos maus ou as potências adversas, do mesmo modo se deve reportar aos santos anjos e às potências benevolentes, o que é dito da piedade do povo” (Horn. Num., XI, 4). Orígenes é assim levado a conceber uma dualidade de anjos por nação. Por um lado, cada nação tem seu anjo protetor: “Não é permitido, de fato, crer que anjos maus presidem a cada província e que essas mesmas províncias e regiões não são confiadas a bons anjos” (Ho. Luc., XIII). Por outro lado, ela tem também seu anjo mau. É ele que foi encarregado por Deus de a punir e é a ele que se deve a invenção da língua e da civilização de cada povo? Ou bem, segundo a concepção do Livro de Enoque, Deus tendo confiado as nações a anjos, alguns deles traíram? A coisa não é dita claramente. Seja como for, é certo que são esses anjos maus das nações que estão na origem da idolatria. São eles que quiseram se fazer adorar, no lugar do Deus único.
Em uma passagem curiosa, Orígenes nos mostra as diversas ciências ocultas características de cada nação como sendo também a ciência de seu “príncipe próprio”: “Por sabedoria dos príncipes deste mundo, entendemos, por exemplo, o que os egípcios chamam sua filosofia secreta e oculta, a astrologia dos caldeus, as promessas dos hindus relativamente à ciência do Altíssimo e as múltiplas opiniões dos gregos sobre a divindade. Assim lemos, nas Escrituras Sagradas, que há “príncipes” em cada nação: por exemplo, lemos em Daniel que há um certo príncipe do reino dos persas e um outro do reino dos gregos, que o contexto mostra claramente serem não homens, mas potências. Da mesma forma no profeta Ezequiel, o príncipe de Tiro aparece de forma manifesta como sendo uma potência espiritual. Estes e as outras potências deste mundo têm cada uma suas ciências e ensinam seus dogmas e suas diversas opiniões” (De Prine., III, 3, 2). Com que intenção fazem isso? Orígenes não pensa que seja com a de prejudicar, mas que é no pensamento de que essas doutrinas são verdadeiras. As potências deste mundo são bem nossos anjos das nações: “Certas potências espirituais obtiveram neste mundo a presidência de nações determinadas, e é por isso que elas são chamadas príncipes deste mundo” (III, 3, 3).
Mas esse principado dado aos anjos sobre as nações depois de Babel, tanto aos anjos bons quanto aos anjos maus — e que estes tenham recebido essa missão de Deus ou que eles sejam bons anjos desviados — esse principado cessa em qualquer hipótese com a vinda do Cristo. Este, de fato, é esse Oriente que tinha o principado sobre a humanidade “primitiva”, que tinha dado esse principado aos anjos quando as nações tinham sido dispersas e que o retoma novamente por sua vinda. Assim aparece o laço entre o cristianismo e o universalismo. Para Orígenes, trata-se aqui de um universalismo religioso e escatológico. Com o Cristo, o mundo novo apareceu, onde todos os homens são reunidos na unidade mística do Cristo. A ordem política que corresponde à diversidade das nações, e que não é para Orígenes uma ordem natural, está a partir de então ultrapassada. E isso explica que Orígenes se desinteresse inteiramente da questão política (Contr. Cels., VIII, 75). Nota-se a esse respeito que, para ele, poliarquia e politeísmo são solidários e representam o mundo pagão decaído. A monarquia é uma realidade escatológica, ligada ao monoteísmo. A unidade da humanidade só pode ser escatológica. É essa concepção que, como M. Peterson mostrou (Monotheismus ais fiolitisches Problem, p. 71), Eusébio fará descer para o plano temporal, vendo na unidade política do mundo por Constantino e na paz romana, a realização terrestre do reino de Deus. É o monoteísmo aqui que se torna um problema político.
Para voltar aos anjos das nações, estes vão reagir diversamente à vinda do Cristo e à desapropriação que é a consequência disso. Os bons anjos a acolhem com entusiasmo. Há tanto tempo eles se esforçavam e com tão pouco fruto nas nações pagãs. É a eles que os anjos da natividade vêm anunciar a vinda de Jesus: “Certos pastores devem ser considerados como anjos a quem os homens são confiados… Todos precisando de ajuda para que as nações que lhes eram confiadas fossem bem governadas, o anjo veio lhes anunciar o nascimento de Jesus e a vinda do verdadeiro Pastor. Por exemplo, havia um pastor da Macedônia, ele precisava do socorro de Deus. É por isso que um macedônio apareceu a Paulo. Os pastores precisam da vinda do Cristo. Foi uma grande alegria para eles, a quem o cuidado dos homens e das nações era confiado, que a vinda do Cristo ao mundo. O anjo que governava as coisas do Egito tirou grande vantagem da descida do Cristo do céu para que os egípcios se tornassem cristãos… Pois antes da vinda do Cristo, os bons anjos podiam pouca coisa para a utilidade daqueles que lhes eram confiados. Quando o anjo dos egípcios ajudava os egípcios, é a duras penas que um prosélito acreditava em Deus” (Ho. Luc., XIII; ver Co. Jo., XII, 50).
Mas é tudo o mais diferente dos anjos maus, dos “príncipes deste mundo”. Orígenes não exclui que alguns deles tenham podido então “se converter”. Ele vê a figura disso na conversão do centurião de Cafarnaum: “Se o funcionário real é a imagem de alguma potência entre os príncipes deste mundo, e seu filho, do povo que está especialmente sob sua potência, e por assim dizer, de sua parte, é preciso examinar se sua doença não é sua má disposição, apesar da vontade do príncipe, e Cafarnaum a figura da região onde permanecem aqueles que lhe são submetidos. Eu penso, de fato, que, entre os “príncipes” também, alguns, tocados pela potência de Jesus e de sua divindade, se refugiaram perto dele e protestaram a respeito daqueles que eles tinham que administrar. Se os homens fazem penitência e passam da incredulidade à fé, hesitaremos em dizer a mesma coisa das potências… Para mim, eu penso que aconteceu às vezes, a respeito dos arcontes, que eles se converteram à vinda do Cristo, de modo que certas cidades ou povos inteiros acolheram o que concerne ao Cristo, mais de boa vontade que a maioria” (Co. Jo., XIII, 59; Koetsch., 290-291). Reencontramos aqui a ideia cara a Orígenes da possibilidade de uma conversão para os anjos maus.
Mas resta que isto é apenas uma exceção e que os “príncipes das nações” se levantaram contra o Cristo que os desapossava. Lembramos da passagem onde Orígenes falava dos “príncipes das nações” e de suas diversas ciências. Ele continua assim: “Quando estes viram Nosso-Senhor e Salvador prometendo e anunciando sua vinda ao mundo para destruir todas as doutrinas, sejam elas quais forem, da falsa gnose, logo, ignorando quem estava escondido no interior, eles lhe armaram armadilhas: Astiterunt reges terres et principes convenerunt in unum adversus Dominum et adversus Christum eius (Os reis da terra se levantaram e os príncipes se uniram contra o Senhor e contra seu Cristo). É porque ele tinha tido o conhecimento dessas armadilhas e do que eles tramaram contra o Filho de Deus quando eles crucificaram o Senhor da glória, que Paulo diz que nós falamos uma sabedoria que não é a dos príncipes do século que, se tivessem conhecido o Senhor da glória, não o teriam crucificado” (De Prine., III, 3, 2). Isto é retomado de forma muito mais clara ainda em outra passagem: “É no Cristo que se cumpre essa palavra da Escritura: Tua descendência receberá em herança as cidades de nossos inimigos… Assim a cólera se apoderou dos anjos que mantinham todos os povos sob sua dominação (Deut., XXXII, 9). O Cristo, de fato, a quem seu Pai tinha dito: 'Pede-me e eu te darei as nações em herança', excita a cólera dos anjos tirando-lhes a potência e a dominação que eles tinham sobre os povos. Assim está escrito: Astiterunt reges terres et principes convenerunt in unum adversus Dominum et adversus Christum eius” (Hom. Gen., IX, 3). O tema da desapropriação dos anjos é aqui bem claramente marcado. Observamos sempre que essa desapropriação aparece ao mesmo tempo como uma sucessão normal que os bons anjos saúdam com felicidade, e não é uma derrota senão para os anjos maus que a recusam.
Orígenes precisa, aliás, seu pensamento: “Eles se levantam também contra nós e nos suscitam lutas e combates. E o apóstolo do Cristo diz: Não temos que combater somente contra a carne e o sangue, mas ainda contra os príncipes, as potências e os cosmocratas. A menos que, firmes na fé, resistamos a eles, eles nos levarão em cativeiro. Mas seria de nossa parte desconhecer a obra daquele “que cravou em sua cruz as dominações e as potências” (Col., II, 14). Mas eu vos pergunto, o Cristo cometeu uma injustiça ao arrancar os povos da potência de seus inimigos e ao os reconduzir a seu poder? Nem um pouco… Pois antigamente Israel era sua parte, mas seus inimigos o arrastaram para o pecado, longe de seu Deus; e é por causa de seus pecados, que Deus lhe disse: 'Eis que vocês estão divididos por causa de seus pecados'. Mas ele lhe diz ainda: 'Ainda que vocês tivessem sido dispersos, diz o Senhor, eu os reunirei de uma ponta do céu à outra'. É porque os príncipes deste mundo tinham invadido a herança do Senhor que o bom Pastor teve que deixar nas alturas as noventa e nove ovelhas e descer à terra para procurar aquela que estava perdida” (Ho. Gen., IX, 3). Assim, o verdadeiro Israel é a humanidade primitiva antes da dispersão, da qual o Israel de carne é apenas a imagem. E é este Israel que este Cristo vem novamente reunir. Mas essa vitória adquirida por ele sobre os príncipes das nações só será consumada no fim dos tempos. Até lá as potências de divisão estão sempre em ação na humanidade e é contra elas que os cristãos têm que combater.
Em uma passagem curiosa, Orígenes mostra, de fato, que, mesmo após a vinda do Cristo, os príncipes das nações guardam sua pretensão sobre seus antigos subordinados e delegam junto a eles seus satélites para tentar retê-los. Essa visão corresponde à situação “histórica” do tempo de Orígenes e ao conflito entre as diversas idolatrias nacionais e o catolicismo universalista. Em um estado de coisas onde a ordem política e a ordem religiosa estavam tão estreitamente ligadas como estavam no Império Romano, as duas questões eram necessariamente conexas. O cristão, pelo próprio fato de sua ruptura com os deuses da cidade, se colocava fora da cidade e da vida social de seu país. Tal é a problemática na qual devemos situar a perspectiva de Orígenes. Ela é a de todo o Cristianismo primitivo. Nós dissociamos hoje o problema político e o problema religioso, mas isso é uma conquista do cristianismo. Na época de Orígenes, eles aparecem como solidários. É isso que nos explica essa relação, aparentemente estranha para nós, entre as tentações das quais os cristãos são objeto e os anjos das nações. É que a grande tentação era a idolatria, ou seja, os cultos nacionais, que na perspectiva de Orígenes, são rendidos aos deuses das nações.
Vimos primeiro o aspecto mais prático da questão. É seu aspecto propriamente religioso que aparece aqui: “A terra, desde o começo, foi dividida entre os príncipes, ou seja, entre os anjos (Deut., XXXII, 8-9). Daniel, de fato, chama claramente de príncipes, aqueles que Moisés tinha nomeado anjos, quando ele fala do príncipe do reino dos persas, do príncipe dos reinos dos gregos, e de Miguel 'nosso príncipe': são, portanto, os príncipes das nações. E cada um de nós tem com ele um adversário que se apega a ele, cuja tarefa é nos conduzir ao príncipe e dizer: 'Ó príncipe, por exemplo do reino dos persas, este homem, que era teu subordinado, eu o guardei tal como ele era. Nenhum dos outros príncipes pôde atraí-lo para si. Nem mesmo aquele que se gabava de ter vindo para arrancar os homens da herança dos persas, dos gregos e de todas as nações e de os submeter à herança de Deus'. O Cristo Nosso-Senhor venceu todos esses príncipes e, penetrando em seus territórios, ele fez passar para a salvação os povos cativos. Tu também fazias parte do lote de algum príncipe: Jesus veio e te arrancou da potência perversa e te ofereceu ao Deus Pai. Mas cada um de nós tem seu adversário que procura nos reconduzir a seu príncipe. Cada um de nós, de fato, não tem um príncipe próprio, mas se alguém é egípcio, ele tem como príncipe o príncipe do Egito. É por isso que, vela para te libertares de teu adversário ou do príncipe ao qual ele procura te conduzir” (Ho. Luc., XXXV; Rauer, 209-211). Reencontraremos mais adiante essa doutrina dos “demônios guardiões”. Mas era interessante ver como Orígenes a liga à dos anjos das nações como princípio da idolatria.
Deixamos de lado até agora uma questão que é a do Israel histórico. Qual é sua situação em relação às nações pagãs que foram confiadas aos anjos? Vimos que Orígenes não lhe dava como príncipe Miguel, mas Iahweh em pessoa. Como se dá, primeiro, que uma porção do Israel primitivo, da humanidade una, guardou Iahweh como protetor? É o que Orígenes nos explica. Ele constata primeiro o fato: “Se se pergunta por que os cristãos, como os judeus, não prestam um culto aos anjos, ao sol, à lua e às estrelas, que os gregos chamam de deuses visíveis, a Lei de Moisés nos ensina que esses seres foram dados por Deus a todos os povos que estão sob o céu, exceto àqueles que Deus quis reservar para si entre as nações como sua parte escolhida” (C. Cels., V, 10). Esse texto é interessante porque ele nos mostra que Orígenes considera o culto dos astros e dos anjos, estreitamente ligados para ele, como uma economia dada por Deus aos pagãos para os desviar dos demônios e dos ídolos, e portanto como uma religião inferior, mas legítima. Isso foi bem visto por Hal Koch (Pronoia und Paideusis, p. 50). E reencontramos aqui a concepção segundo a qual a religião natural, na qual Deus é adorado através dos sacramentos do mundo visível, representa uma primeira etapa na via da educação religiosa da humanidade. É a religião que os povos pagãos tinham para os bons anjos aos quais Deus os tinha confiado após a dispersão.
Mas uma parte da humanidade guardou a religião primitiva do verdadeiro Deus: “Se alguém o pode, que observe que aqueles que guardaram a língua original, por não terem abandonado o Oriente, permanecendo no Oriente e na língua oriental, esses sozinhos foram a parte do Senhor e seu povo, chamado Jacó; e esses sozinhos foram submetidos a um príncipe que não os recebeu sob sua obediência para os punir como os outros” (C. Cels., V, 3; 10). Assim, uma parte da humanidade permaneceu no Oriente, ou seja, na religião primitiva, e não se separou de Deus. É essa parte que constitui o Israel histórico. Sua língua é a língua primitiva da humanidade, que ele foi o único a conservar. O território que ele habita é também seu habitat primitivo. Reencontra-se aqui a lógica do sistema origenista, que quer que todo estado seja o resultado de um mérito anterior. Assim, a eleição de Israel não é mais essa escolha gratuita de um povo pecador que não tem outra razão senão a gratuidade da agape divina, é a recompensa de uma fidelidade no meio da apostasia universal. O espírito fariseu prevalece aqui sobre o espírito dos profetas. E sem dúvida o pensamento de Orígenes mergulha aqui em tradições rabínicas sobre a antiguidade da língua hebraica e sobre as razões da preferência de Deus por Israel. Sobre o caráter primitivo do hebraico, Orígenes volta, aliás: “Na passagem que lemos no Gênesis, onde Deus, dirigindo-se aos anjos, sem dúvida, lhes diz: 'Vinde, confundamos sua língua', não se deve pensar que são anjos diferentes que fizeram nascer nos homens línguas e idiomas diferentes? Assim, portanto, haverá um que terá dado a um povo a língua babilônica, um outro que terá dado o grego; e também sem dúvida os fundadores das diferentes línguas são os príncipes dos diferentes povos; mas a língua dada na origem por intermédio de Adão, permaneceu, cremos nós, aos hebreus, nessa porção da humanidade que não se tornou a parte de nenhum anjo, mas que permaneceu a de Deus” (Rom. Num., XI, 4).
Somente esse Israel fiel, o Israel de Abraão e de Jacó, não perseverou em sua fidelidade. Ele se voltou por sua vez para os ídolos das nações. Deus não o colocou diretamente sob a dominação de uma potência, mas, para o castigar, ele o submeteu às nações que estão elas mesmas sob a dominação das potências. E tal é a explicação das “captividades” de Israel: “Que ele observe em seguida que nessa parte do Senhor foram cometidas faltas, primeiro leves, depois mais graves; que Deus esperou muito tempo; que remédios foram trazidos; que estes então, por seus pecados, foram sujeitos aos príncipes das outras nações e finalmente dispersos por toda a terra” (Contr. Cels., V, 31). Assim, essa teologia da história abraça ao mesmo tempo Israel e os povos pagãos. Observar-se-á sua grande coerência. Tudo, segundo o pensamento de Orígenes, tem seu princípio na liberdade moral. A história da civilização, a diversidade dos povos, as diferentes religiões, tudo isso é consequência das faltas da humanidade primitiva. A história de Israel, por sua vez, apresenta ao mesmo tempo uma condição particular devida à sua fidelidade original, mas conhecerá também sua dispersão e seu cativeiro. Enfim, para uns e para outros, o Cristo virá restabelecer a unidade e restaurar a liberdade. É aqui um esforço poderoso e coerente para dar uma interpretação da história que a apreenda ao mesmo tempo em sua realidade religiosa e política. É curioso que essa teologia deva ser procurada em Orígenes na angelologia.
Notaremos ao terminar que, por sua concepção dos anjos das nações, por mais hesitante que ainda seja, Orígenes traz elementos para resolver uma das ambiguidades da teologia ulterior. M. Cullmann e, a seguir, o P. Bouyer notaram, de fato, que a teologia paulina da redenção se apresentava ao mesmo tempo como um reino atual do Cristo desapossando os anjos da administração que lhes tinha sido confiada anteriormente do cosmos e da sociedade humana, e como uma vitória sobre os anjos que mantinham a humanidade cativa. Trata-se dos mesmos anjos? Se se trata de anjos maus, como se pode considerar que Deus lhes confiou a gestão do mundo? E se se trata de anjos bons, por que sua desapropriação é uma vitória do Cristo sobre eles? A concepção de Orígenes, estabelecendo primeiro uma ordem providencial onde Deus confia aos bons anjos uma parte da administração do mundo, depois, no interior dessa ordem, mostrando a corrupção de uma parte desses anjos, arrastando com ela a idolatria e a perversão da sociedade política, dá elementos para resolver essas dificuldades. Assim aparece novamente seu interesse: não somente ela desenvolve um domínio da doutrina dos anjos, mas ela lança também uma luz nos diversos problemas das relações da sociedade política e da cidade do mal. A esses diversos títulos, ela merecia nossa atenção.
