Anjo da Guarda (JDO)
JDO
Se a doutrina dos anjos das nações nos fez abordar o problema da história, a dos anjos guardiões vai nos estabelecer em um domínio completamente diferente: o da vida sacramental e mística.
Aqui, novamente, Orígenes é apenas o herdeiro de uma tradição. Já o livro de Tobias nos mostra o anjo Gabriel assistindo àquele que lhe é confiado. A fala da serva que abre a porta para São Pedro: “É o seu anjo”, atesta a crença em um anjo individual (Atos, XII, 15). Além disso, o Cristo deveria falar dos anjos das crianças (Mateus, XVIII, 10). A doutrina aparece nos primeiros padres da Igreja, o Pseudo-Barnabé e o Pastor de Hermas, aos quais, aliás, Orígenes se refere (De Princ., III, 2, 4). Notemos aqui novamente que essa crença tinha seu paralelo no meio religioso helenístico. A doutrina do daimon pessoal, que já aparece em Platão a propósito de Sócrates, é longamente desenvolvida em Plutarco.
“Cada fiel, mesmo que seja bem pequeno na Igreja, é dito ser assistido por um anjo do qual o Cristo atesta que ele contempla sempre a face do Pai” (De Princ., II, 10, 7). E em outro lugar: “É preciso dizer que toda alma de homem está sob a direção de um anjo, como de um irmão” (Co. Mth., XIII, 5; Klostermann, 191, 1-3). Em outro lugar, Orígenes se refere às passagens dos Atos (Ho. Nunt., XI, 4).
Mas Orígenes dará a essa doutrina tradicional importantes desenvolvimentos. A doutrina do anjo guardião, em primeiro lugar, estará nele em estreita relação com a encarnação do Cristo na obra da salvação dos homens. Se com os anjos das nações, estávamos no plano da administração da criação, aqui, estamos no da obra redentora. É com a vinda do Cristo que os anjos vêm em massa participar de sua obra: “Quando os anjos viram o príncipe da milícia celeste (o Cristo) permanecer nos lugares terrestres, então eles entraram pelo caminho aberto, seguindo seu Senhor e obedecendo à vontade daquele que os distribui para guardiões àqueles que creem Nele… Os anjos estão a serviço de tua salvação. Eles foram concedidos ao Filho de Deus para O servir. E eles dizem entre si: 'Se Ele desceu em um corpo, se Ele revestiu uma carne mortal, se Ele suportou a cruz e se Ele morreu pelos homens, que resta para nós a não fazer nada? Como nos poupamos? Vamos, anjos, desçamos todos do céu'. É assim que havia uma multidão da milícia celeste louvando e glorificando a Deus, quando o Cristo nasceu. Tudo está cheio de anjos” (Ho. Ez., I, 7).
Isso não quer dizer que antes da vinda do Cristo, eles não tenham trabalhado para o bem das almas. Orígenes nos os mostra, seguindo aliás São Paulo, agindo no Antigo Testamento: “São os anjos que, antes da vinda do Cristo, protegiam a esposa ainda adolescente” (Co. Cant., II; Bæhrens, p. 158). Mesmo junto aos pagãos, eles procuravam agir. Mas vimos mais acima que seus esforços eram insuficientes. Antes da vinda do Cristo, de fato, as almas dos pagãos estão sob a potência dos demônios delegados pelos príncipes de cada nação. Chegamos aqui a um dos aspectos essenciais da doutrina origenista do anjo guardião. Do mesmo modo que cada nação tinha seu anjo bom e seu anjo mau, o mesmo acontece com cada indivíduo. “O que eu digo de cada província deve ser dito em geral de todo homem. Cada um tem a assistência de dois anjos: um de justiça, o outro de iniquidade. Se os bons pensamentos afluem a nosso coração, não há dúvida de que o bom anjo fala; se são os maus, é o anjo mau” (Hom. Luc., XII). Orígenes volta frequentemente a essa doutrina: “Todos os homens são assistidos por dois anjos, o mau que o empurra para o mal, o bom que o empurra para o bem” (Ho. Luc., XXXV). Aqui, aliás, ainda, ele é o herdeiro da tradição. Ele mesmo se apoia nos autores precedentes: “O Livro do Pastor (Hermas) ensina que dois anjos acompanham cada homem; e se bons pensamentos sobem a nosso coração, ele diz que eles vêm do bom anjo; se eles são contrários, ele diz que é a sugestão do anjo mau. E Barnabé declara as mesmas coisas em sua Epístola” (De Princ., III, 2, 4).
Assim, em torno de cada homem, é um conflito que se desenrola entre o Cristo e os príncipes deste mundo, cujos servos são os anjos de um lado e os demônios do outro. A doutrina dos anjos toma por isso uma importância singular e se junta ao drama da redenção. Enquanto as almas estão na idolatria, é seu demônio que é todo-poderoso sobre elas e seu anjo não pode nada. Ele é humilhado diante da face do Pai: “Se eu sou da Igreja, por menor que eu seja, meu anjo tem a liberdade de olhar a face do Pai. Se eu estou de fora, ele não ousa” (Ho. Luc., XXXV). Ao contrário, assim que um homem se converte ao Cristo, renunciando a Satanás e a sua comitiva, ele é confiado pelo Cristo a seu anjo: “Tu estavas sob o demônio, hoje sob um anjo” (Hom. Ez., I, 7). É aí que vai começar a missão do anjo guardião: “Vem, anjo, recebe pela palavra aquele que se converteu do antigo erro, da doutrina dos demônios; e o recebendo como um bom médico, aquece-o e instrui-o; ele é uma criancinha; toma-o para lhe dar o batismo do segundo nascimento e chama outros companheiros para se associarem ao teu ministério, a fim de que vocês formem todos na fé aqueles que há pouco foram enganados” (Ho. Ez., I, 7).
Orígenes notou aqui um ponto notável da doutrina dos anjos: é que sua ação concerne especialmente aos começos. Não é sem razão que o Evangelho os coloca frequentemente em relação com as crianças. Como eles são especialmente encarregados das crianças segundo a natureza, eles o são também das crianças segundo a graça. Eles guiam os inícios da vida espiritual: “Examina se não são as crianças, que são conduzidas no temor, que têm anjos; e se àqueles que estão mais avançados, não é o Senhor dos anjos que diz a cada um deles: 'Eu estou com ele na tribulação'. Enquanto somos imperfeitos e que precisamos de uma ajuda para nos libertar de nossos males, precisamos de um anjo do qual Jacó dizia: 'Ele nos libertou de nossos males'. Mas quando somos adultos e que passamos o tempo de estar sob os pedagogos e os preceptores, podemos ser conduzidos pelo próprio Cristo” (Co. Mth., XII, 26). Este é um ensinamento espiritual que a tradição reterá. Santo Inácio de Loyola observará em suas Regras do Discernimento dos Espíritos que a ação dos anjos se exerce nos inícios da vida espiritual. E isto, em outro plano, seria para aproximar da ação dos anjos no Antigo Testamento, junto da Esposa ainda adolescente.
A ação do anjo guardião começará no batismo. Orígenes voltou em outro lugar sobre a presença dos anjos no momento do sacramento da regeneração: “Quando o sacramento da fé te foi dado, as virtudes celestes, os ministérios dos anjos, a Igreja dos primogênitos estavam presentes” (Ho. Jos., IX, 4; P. G., XII, 874). O anjo do batismo é, aliás, uma tradição da Igreja. Dídimo de Alexandria dirá que o novo batizado, que é mergulhado na água pelo ministério do sacerdote, é mergulhado no Espírito Santo pelo ministério dos anjos. Já observamos a esse respeito que os anjos estão particularmente associados à vida sacramental das almas que lhes são confiadas e estão presentes em particular à sinaxe eucarística: “A respeito dos anjos, eis o que é preciso dizer. Se o anjo do Senhor circula em torno daqueles que o temem, é verossímil, quando eles estão reunidos legitimamente para a glória do Cristo, que o anjo de cada um circule em torno de cada um daqueles que o temem e que ele está com o homem que ele tem a cargo de guardar e de dirigir, de modo que, quando os santos estão reunidos, há duas igrejas, a dos homens e a dos anjos” (De Or., 25; P. G., XI 553, B-C.). Orígenes não esquecerá, quando fala à Igreja, que ele se dirige assim “ao mesmo tempo aos homens e aos anjos” (Ho. Luc., XXIII; Rauer, 156).
Ministros invisíveis do batismo, os anjos serão em seguida, por suas boas inspirações, os guias da alma nos inícios de sua vida espiritual (Co. Mth., XIII, 26). Eles lhe sugerem boas aspirações: “Nós constatamos que os pensamentos que procedem de nosso coração, às vezes vêm de nós mesmos, às vezes são provocados pelas potências contrárias, às vezes enfim são enviados por Deus ou os santos anjos. Isso pareceria talvez uma imaginação, se não fosse estabelecido pelo testemunho da Escritura” (De Princ., III, 2, 4). Orígenes menciona as sugestões dos anjos maus ao lado das dos bons. É que, de fato, se, após o batismo, não estamos mais sob a potência do anjo mau, este não continua menos seus ataques. “Deus permite, aliás, que as potências contrárias nos combatam para que possamos as vencer” (Ho. Jos., XV, 5). Por essa psicologia espiritual da ação dos diversos espíritos, Orígenes está na origem de toda uma tradição. Sabe-se o quanto os Padres do deserto e Evágrio aprofundarão essa ciência dos diversos espíritos. E Santo Inácio a retomará nos Exercícios espirituais.
As boas inspirações não são a única ajuda que os anjos trazem. Eles assistem de toda maneira aqueles que lhes são confiados. Orígenes nos os mostra intercedendo junto a Deus por eles. “Os anjos se reúnem perto daquele que reza a Deus para conspirar em sua oração. Bem mais, o anjo de cada um, mesmo daqueles que são pequenos na Igreja, contemplando continuamente a face do Pai que está nos céus e vendo a divindade daquele que nos criou, reza conosco e trabalha conosco o quanto ele pode nas coisas que pedimos” (De Or., XI, 5).
Inversamente, os demônios também terão sua função. Orígenes explica longamente no Tratado dos Princípios, seu papel para provar os justos pela tentação (III, 2, 3). “Deus”, diz ele em outro lugar, “não retirou do demônio seu poder sobre o mundo, porque seu concurso é ainda necessário ao aperfeiçoamento daqueles que devem ser coroados” (Ho. Num., XIII, 7). Sua segunda função é ser o instrumento dos castigos divinos (aliás sempre medicinais). Eles são necessários, como o carrasco em uma cidade (C. Cels., VII, 70). “Nenhum demônio preside, pelas leis de Deus, às coisas terrestres. Mas porque eles merecem dominar sobre os maus e os punir, o Verbo que rege tudo, lhes deu potência sobre aqueles que se submeteram ao poder do pecado ao invés de a Deus” (C. Cels., VIII, 33). A partir daí, nenhum respeito lhes é devido, como Celso pretende.
Os anjos trazem tanta mais solicitude ao cumprimento de sua tarefa que eles, eles mesmos, estão interessados nela: “Os anjos são zelosos pelo bem, sabendo que, se eles nos governam bem e nos conduzem à salvação, eles poderão, eles também, olhar o Pai com confiança. É uma vergonha para um anjo, se o homem que lhe foi confiado, peca; como ao contrário é uma glória para ele, se, por menor que seja, ele progride. E inversamente, todas as vezes que pecamos, nosso adversário exulta” (Ho. Le., XXXV). Orígenes vai mesmo muito longe nesta responsabilidade do anjo. “Cada anjo será julgado no fim dos séculos, conduzindo aqueles que lhe foram confiados, que ele ajudou, que ele instruiu. E haverá um julgamento de Deus para saber se tantas faltas da vida humana provêm de alguma negligência dos ministros espirituais que foram enviados para ajudar aqueles que recebem a herança da salvação ou da preguiça daqueles que foram ajudados por eles” (Ho. Num., XI, 4). E o grau de felicidade dos anjos dependerá desse julgamento: “Do mesmo modo que se, por seu cuidado, a salvação dos homens é procurada, eles estão sempre voltados para a face de Deus, se, por sua negligência, o homem cai, eles não ignoram que é por sua conta e risco… Segundo os méritos daqueles dos quais eles são os anjos, ou sempre, ou nunca, ou mais ou menos, os anjos contemplarão a face de Deus” (Ho. Luc., XXXV, Rauer, 208).
Um aspecto particular da ação dos anjos é sua colaboração com os apóstolos: “Os apóstolos têm os anjos para ajuda no cumprimento de seu ministério de pregação e no acabamento da obra do Evangelho” (Ho. Hum., XI, 4). Eles partilham com os apóstolos a glória das conquistas espirituais realizadas: “Há um anjo de Pedro, como também de Paulo e dos outros apóstolos, e dos ministérios inferiores. E eles trazem na área do Senhor a colheita ao mesmo tempo que aqueles pelos quais eles agiram” (id.). Do mesmo modo que os apóstolos se tornam os chefes, os episcopi (bispos), das comunidades que eles fundaram entre os infiéis, assim acontece com os anjos. É assim que há anjos das Igrejas: “Os anjos oferecem as primícias cada um de sua Igreja. É a esses anjos que João parece se dirigir no Apocalipse. Há também outros anjos de fora que reúnem os fiéis em todas as nações. Considera, de fato, que como em uma cidade onde ainda não há cristãos de nascimento, se alguém sobrevém que começa a instruir, a trabalhar, a formar, a levar à fé, ele se torna em seguida príncipe e bispo daqueles que ele ensinou; do mesmo modo os santos anjos serão eles mesmos também príncipes no futuro daqueles que eles tiverem reunido nas diversas nações e que eles tiverem feito avançar por seu trabalho e seu ministério” (Ho. Num., XI, 4).
Dessa passagem, podemos reter duas coisas. A primeira é que cada igreja possui assim ao mesmo tempo um bispo visível e um anjo invisível: “Pode-se ousar dizer, seguindo a Escritura, que há dois bispos por igreja: um visível e o outro invisível. E do mesmo modo que o homem, se ele conduziu bem o cargo que lhe foi confiado, é louvado pelo Senhor; se ele o geriu mal, é exposto ou culpado, assim do anjo” (Ho. Luc., XIII; Rauer, 91). Orígenes apoia essa doutrina no Apocalipse e continua: “Se os anjos se importam em governar as igrejas, de que é preciso falar dos homens e que medo é o deles, em seu desejo de poder ser salvos com os anjos trabalhando com eles? Para mim eu penso que pode se encontrar ao mesmo tempo e um anjo e um homem que sejam bons bispos da Igreja e que participem da mesma tarefa” (Ho. Luc., XIII; Rauer, 92. Ver também, XXXV, 208). Temos a ver aqui com uma transposição para o plano eclesial do paralelo entre o anjo invisível de uma nação e seu arconte visível. Aliás, Orígenes ele mesmo faz a aproximação, chamando o anjo, tanto anjo da nação, quanto anjo da Igreja (Hom. Num., XI, 4). Reencontramos também o tema geral da responsabilidade dos anjos que não aparecem fixados já em seu estado definitivo. Notaremos além disso que se constitui assim a hierarquia espiritual do mundo futuro onde o Cristo reinará sobre povos de almas eles mesmos submetidos cada um a seus bispos angélicos e será assim rex regum et dominus dominantium (rei dos reis e senhor dos senhores) (Ho. Num., XI, 4).
Mas então nos aparece um notável paralelismo entre a primeira divisão das nações de acordo com os anjos de Deus, e a divisão agora das igrejas, novamente de acordo com os anjos. Segundo a perspectiva de Orígenes, onde as realidades visíveis e históricas são a imagem das realidades espirituais escatológicas, a divisão das nações entre os anjos que examinamos primeiro, aparece como sendo a sombra da repartição das raças espirituais de almas, de acordo com os anjos no mundo a vir. Essas duas repartições, aliás, procedem de uma mesma lei: do mesmo modo que são seus méritos anteriores que determinaram a pertença das almas a tal ou tal nação temporal, assim são seus méritos, neste mundo, que determinam sua pertença a tal ou tal igreja celeste: “Do mesmo modo que no começo deste éon, quando Deus dispersava os filhos de Adão, ele estabeleceu suas fronteiras de acordo com o número dos anjos de Deus, e que cada nação foi colocada sob o anjo que lhe é próprio, mas que só a casa de Israel foi escolhida para ser a parte do Senhor e o lote de sua herança; do mesmo modo, eu penso, no fim deste éon e no começo do éon seguinte, o Altíssimo fará uma nova partilha dos filhos de Adão; e aqueles que não serão puros de coração o suficiente para ver o Senhor e ser sua parte, verão os santos anjos e serão repartidos de acordo com o número dos anjos de Deus. Mas feliz aquele que será digno, nesta vida terrestre, de ser a parte do Senhor” (Ho. Num., XI, 5).
Assim, ao término deste estudo da angelologia, reencontramos a perspectiva que comanda a interpretação origenista da história: entre as nações temporais que o Antigo Testamento nos descreve e as Igrejas espirituais do novo universo instaurado pelo Cristo, há ao mesmo tempo uma relação histórica e uma relação simbólica. Uma relação histórica porque é um plano progressivo que vemos se desenvolver e que são duas economias que se sucedem; uma relação simbólica porque a divisão em povos, em tribos da economia carnal é a figura das divisões espirituais do mundo das almas. Ora, precisamente essas divisões são para Orígenes um dos grandes mistérios da Escritura, um daqueles que só conhecerão plenamente aqueles que estiverem reunidos ao Cristo: “Quando estivermos reunidos ao Cristo, então conheceremos mais claramente as razões das coisas que se passam na terra… em particular o que é Israel, o que significa a diversidade das nações, o que significam as doze tribos” (De Princ., II, 11, 5). É este mistério onde vêm ao mesmo tempo em questão a interpretação espiritual da Escritura e a organização do mundo das almas em seu desenvolvimento histórico, ao mesmo tempo que em sua estrutura, da qual a angelologia de Orígenes nos fez entrever certos aspectos.
