origenes:alma-e-inteligencia-cop

Alma e inteligência (COP)

As relações entre a alma individual e a inteligência que nela habita apresentam uma certa analogia em nossos dois autores: já vimos os elementos disso. No momento de sua criação, que ocorreu no tempo (pois a criação coeterna a Deus é, como dissemos, a do mundo inteligível dos mistérios, ideias e razões no Filho), os seres racionais eram essencialmente inteligências, vestidas de corpos etéreos e guiadas por seu pneuma. De inteligências, tornaram-se almas pelo “esfriamento”, a diminuição de fervor que constituiu a queda original. Assim como seus corpos receberam uma qualidade sensível e material, a adição à inteligência primitiva de uma parte inferior destinada a governar o corpo carnal (mas também capaz de sofrer sua influência e repercuti-la no todo) as transformou em almas.

Num certo sentido, portanto, a alma contém a inteligência como sua parte superior. Mas também acontece que Orígenes apresenta a alma como uma inteligência degradada, devido à adição da parte inferior, e assim opõe a alma à inteligência que subsiste nela, e o homem animal (aquele em que a alma domina) ao homem espiritual. Fala-se da imperfeição da alma porque ela caiu, e “por isso Paulo, querendo nos ensinar mais claramente qual é a faculdade que nos permite compreender as realidades do Espírito, as realidades espirituais, une e associa a um espírito santo antes a inteligência que a alma”. Cita-se para mostrar isso 1 Cor 14,15: “Orarei com o espírito, orarei também com a inteligência; salmodiarei com o espírito, salmodiarei também com a inteligência”. Ele não diz: Orare com a alma, mas: com o espírito e a inteligência; e tampouco: “Salmodiarei com a alma”, mas: com o espírito e a inteligência.

De fato, é a inteligência, parte superior da alma, que propriamente falando é a discípula do pneuma, do “espírito que está no homem”, participação do Espírito divino. Certamente, quando a inteligência se entrega totalmente à condução e influência do espírito, é toda a alma que se torna espiritual, “tendo abandonado o fato de ser alma”. Essa expressão não deve ser tomada totalmente ao pé da letra: mesmo tornando-se espiritual, ela continua sendo alma. Ela é ambas as coisas ao mesmo tempo. Da mesma forma, a alma de Jesus é uma alma como as outras, mas a intensidade de caridade produzida nela por sua união com o Verbo a torna absolutamente impecável e a transforma no Verbo, como o ferro mergulhado no fogo se torna fogo. Ora, mergulhado no fogo, o ferro continua sendo ferro enquanto se transforma em fogo. O que ocorreu no mais alto grau na alma de Jesus se repete em menor grau na alma do justo: ela se torna inteiramente espiritualizada, e essa espiritualização se reflete no corpo, mesmo aqui na terra.

A ligação da inteligência, parte superior da alma, com a Trindade divina se dá de duas maneiras. Por um lado, ela é discípula do espírito, participação do Espírito divino: é o espírito que conduz a alma ao conhecimento, à oração e à virtude. Por outro lado, há equivalência entre inteligência e logikón, palavra traduzida aproximadamente por “racional” - aproximadamente porque seu sentido, como o de Logos, é principalmente sobrenatural. É o Logos, o Filho, que torna racionais nesse sentido sobrenatural homens e anjos e, enquanto é a Imagem de Deus, lhes comunica o “segundo a imagem” e os faz progredir. O mesmo ocorreria com os demônios sem o ato de liberdade que os afastou de Deus e os tornou áloga (irracionais).

/home/mccastro/public_html/cristologia/data/pages/origenes/alma-e-inteligencia-cop.txt · Last modified: by 127.0.0.1