Suso (LES) – Terceiro dia: o doce perdão
Livro da Eterna Sabedoria (LES)
Primeira etapa: a contrição
O discípulo começa por examinar sua consciência ao pé da Cruz.
Terminado seu exame, lamenta sua ingratidão e tantas graças divinas perdidas por sua culpa.
O Discípulo: Alegrias do mundo, retirai-vos! Para trás, vós que parecíeis minha consolação, deixai-me buscar a solidão, a solidão amiga das dores e irmã da tristeza. (Deixai-me) que eu possa gemer sobre os males trazidos pelas trevas do pecado, (gemer sobre esses próprios pecados) que fizeram suceder os infortúnios às alegrias de outrora e murcharam a flor de minha juventude.
Ai de mim, infeliz! O Esposo celestial me havia prevenido de seu amor, me havia nutrido, como ela ressoa deliciosamente aos ouvidos de um miserável, de um cão maldito?
A Sabedoria: O que te aconteceu, que não me reconheces mais? Caíste tão baixo que não podes mais te levantar da terra? Ou então, meu filho, perdeste a razão no excesso de tua dor? Ó meu bem-amado, eis-me aqui, sou eu a Eterna Sabedoria, o filho do Pai Celestial, o dispensador da misericórdia, o Chefe que perdoa, o Legislator muito compassivo. Abri um abismo insondável de misericórdia para servir de refúgio a toda alma ferida; esse abismo, esse refúgio, é meu coração tão terno, ele está pronto a te receber, a ti e a todos os que querem voltar a mim. Olha bem meu rosto, sou eu, eu que suportei a pobreza para te enriquecer e sofri a mais cruel das mortes para te devolver a vida; sou eu, o mediador entre Deus e os homens, conservei as cicatrizes de meu suplício e as apresento ao Pai celestial como um escudo entre os rigores da justiça e teus pecados. Não temas mais agora. Eis-me aqui; sou teu irmão, sou teu esposo; contanto que queiras te converter e melhor te guardar doravante, meu coração está pronto a te perdoar; cobrirei teus pecados, os lançarei ao fundo do mar, serão esquecidos diante de mim como se nunca os tivesses cometido. Purifica-te em meu sangue, nesse sangue que cobre o Cordeiro sem mácula e todo amor como um orvalho de rubis. Ergue tua fronte inclinada para a terra; abre os olhos, retoma a coragem; eis que te trazem a veste da inocência que te revestia outrora e o anel da ciência sagrada e as sandálias (gloriosas). Mataram por ti o bezerro gordo (Lucas 15, 22-23); devolveram-te teu nome de amor; tua alma se chamará novamente a Esposa do Rei eterno e o será verdadeiramente. Não foi, com efeito, com um tesouro corruptível de ouro e prata que te redimi, mas ao preço de meu sangue precioso. Paguei-te caro o bastante para que possas te alegrar com tua salvação e crer teu perdão fácil. Mas eis que vou te dizer uma coisa espantosa, é preciso crê-la com uma fé inabalável: Escuta, se o mundo inteiro fosse um globo de fogo, se lançassem no meio desse fogo um punhado de linho, digo-te, a chama não teria devorado mais rapidamente esse pouco de linho do que minha misericórdia consome as faltas do pecador penitente. Digo mais, para que o linho se inflamasse em um mundo de fogo, bastaria um instante, bem pequeno, é verdade, quase imperceptível, mas entre o arrependimento e o perdão, entre o gemido e a graça, nem mesmo um segundo!
O Discípulo: Ó bondade inaudita de um coração de Pai, ó ternura admirável de um irmão fiel, ó tu, única alegria de meu coração, esse filho abjeto, esse filho da perdição, dignas-te então recebê-lo ainda? Queres perdoar ao culpado condenado à morte, queres remir todos seus crimes? Ó favor singular, benignidade inenarrável, oceano sem margens da misericórdia divina, quem pode vos compreender? Excedeis toda inteligência, superais todos os desejos, nenhuma beleza moral vos é comparável. O coração profundamente comovido, eu dobro então os joelhos diante de ti, Pai das Misericórdias, prosterno-me a teus pés muito clementes e, com a fronte contra a terra, te dou graças, do mais íntimo de mim mesmo, te suplico, olha teu Filho único, esse Filho que entregaste à morte porque nos amavas com um excesso de amor.
Esquece todos meus crimes por causa da multidão de tuas dores. Lembra-te, peço-te, de tuas misericórdias e de tuas promessas de outrora. De tua boca muito santa, não tinhas dado outrora ao mundo submerso pelo dilúvio um sinal de reconciliação, dizendo: «Colocarei meu arco nas nuvens e me lembrarei do pacto concluído convosco, será como um sinal de aliança entre mim e a terra.» Olha então, ó Pai muito doce, eis agora o arco verdadeiro do qual o outro era apenas um símbolo; é teu filho pendurado em uma cruz! Olha-o bem; seus membros estão estendidos, esquartejados; podem-se contar todos seus ossos. Vê com que brutalidade puxaram suas mãos e seus pés; não é mais que uma ferida sangrenta. Peço-te, olha, e por suas chagas cura as minhas, perdoa meus pecados. Volto-me também para ti, ó Filho do Rei eterno, do mais íntimo de mim mesmo e cheio de um amor ardente, lanço-me em teus braços estendidos, em teus braços nus e cravados, em teus braços cobertos de sangue; não, não quero mais me separar de ti, nem na vida, nem na morte.
Perdoa-me então, ó doce Pai, perdoa-me pelo amor de teu Filho único, apaga esses pecados que atraíram sobre mim tua ira, e todo o mal que cometi diante de tua Face. Sofro tanto com minha contrição que preferiria morrer mil vezes, a te ofender novamente, ó Pai tão doce! E quanto mais te mostras misericordioso, mais as lágrimas transbordam de meu coração ao pensar em tanta ingratidão para com tal Amigo, para com um Pai tão fiel.
Mas tu que ensinas a ciência de Deus, ó Sabedoria Eterna, ensina-me, te conjuro, a levar em meu corpo os estigmas tão doces; diz-me como guardá-los sem cessar presentes em meu espírito, para que eu possa ao menos proclamar minha gratidão diante de tudo o que vive no céu e na terra, para que eu possa mostrar a todos (que te amo) por tantos bens caídos sobre mim, pobre pecador, da superabundância de tua bondade.
A Sabedoria: Faz-me o dom de ti mesmo e de tudo o que tens sem jamais retomar nada de tua oblação. Priva-te não apenas das coisas inúteis, mas às vezes daquelas que são legítimas; assim tuas mãos estarão cravadas em minha cruz. Faz o bem, e suporta sem perturbação que te façam mal; reúne tuas afeições inconstantes, tuas pensamentos dispersos, fixa tudo isso em mim, o Bem soberano, e teus pés estarão presos como os meus. Não deixes nunca as forças de tua alma e de teu corpo se enfraquecerem na negligência, mas estende-as como meus braços crucificados, em um esforço ininterrupto para me servir. Suporta com paciência e ação de graças o cansaço e o peso de teus trabalhos; reprime corajosamente os movimentos de tua sensualidade, e reencontrarei em teus membros minhas próprias lassidões e minhas contusões. Faz reflorescer minha carne por uma mortificação razoável e piedosa. Que tua constância em contrariar tua vontade me seja um doce leito de repouso, onde deixarei cair meus ombros feridos pelo duro madeiro da cruz. Tua alma arrastada para a terra pelo peso de teu corpo, mantém-na bem alto, voltada para o Senhor. Faz servir à justiça e à santidade teus membros que outrora operavam o mal. Que teu coração esteja pronto a suportar toda sorte de adversidades pela honra de meu nome; então, como um servo fiel, crucificado com seu Senhor, de certo modo inundado de meu sangue pela união do sofrimento, te tornarás semelhante a mim e digno de amor.
Segunda etapa: a penitência
Após a confissão, o discípulo acrescenta à penitência sacramental um piedoso caminho da cruz.
Carta do Bem-aventurado Suso à alma que, purificada pela absolvição, se dá a Deus.
Exultet jam angélica turba cœlorum 1). Alegrai-vos santas legiões angélicas que vos divertis nas campinas do céu, alegrai-vos, lançai-vos e cantai por causa da feliz notícia. Voltou o Benjamim, a criança desaparecida, a criança que se julgava morta, ei-la reencontrada, sim, estava morta (pelo pecado) a criança querida, ei-la ressuscitada. Uma beleza sobrenatural faz reverdecer o prado devastado, sobre o qual não pastavam mais os rebanhos, e do qual se haviam murchado as flores lançadas em profusão pela natureza. As flores começam a aparecer, a porta está bem fechada, o mestre está novamente em casa. Soai então, harpas celestes, que uma nova roda se forme e percorra todas as ruas da cidade celeste. Glória a ti, Senhor, sim, glória a ti, Mestre, pelas grandes maravilhas que operas em muitos corações tão manchados, tão abandonados, tão desesperados!
E vós todos, aos quais Deus fez graça com tanto amor, aproximai-vos hoje, vinde a mim, contemplemos juntos, amemos e louvemos esse Bem supremo, esse Bem insondável, nosso Mestre, nosso terno Pai. — Ó Deus, meu amor, vê a maravilha, os corações que antes se mergulhavam na corrupção, esses corações te amam hoje, te abraçam com uma insaciável ardência de desejo. Esses agentes de perversão de ontem, eles pregam hoje teu tão doce amor!… Arrastavam-se apenas outrora, tanto poupavam sua delicadeza, e eis que por tua glória rompem consigo mesmos, inventam novas mortificações muito duras e muito cheias de amor, a fim de se reconciliarem contigo na pureza. Queriam a seu próprio corpo e se consideram agora como um estrangeiro que passa. Estavam à espreita do amor humano e para isso se exibiam com graça; escondem-se agora para te agradar a ti só. Sua cólera os tornava semelhantes a lobos cruéis, ei-los cheios de indulgência, cordeiros que se calam. Sua consciência culpada os havia fixado na tristeza como em um círculo de aço que os paralisava pesadamente. Doce Mestre, vê-os planar e voar acima de toda criatura em uma liberdade alegre e sem entraves.
Essa é a mudança operada por tua direita, Sabedoria Eterna, e é também a obra de tua imensa doçura, ó muito doce Senhora do reino celeste.
Escuta agora, meu filho, eis como tu e eu devemos nos comportar doravante diante desse Deus tão amoroso. Nossa alma é semelhante a uma criada de cozinha que um rei magnífico teria elevado subitamente à dignidade de esposa. Que gratidão essa serva não sentiria por seu senhor! Que fidelidade em seu amor, que ardor em seu louvor! Que recurso de ternura para com seu esposo encontraria no sentimento de sua própria indignidade! Do mesmo modo nós, pecadores reconciliados, devemos tentar fazer ainda melhor que os puros, superá-los. — Impõem-se algum sacrifício? Imponhamo-nos dois. Amam uma vez, amemos mil vezes. — Lembras-te como nos dias de nossa loucura de outrora, perseguíamos uma sabedoria totalmente humana e qual era nosso empenho em atrair os corações? Mas agora, dia e noite, é nas redes de Deus que devemos nos esforçar, dia e noite, para capturar os corações; é a ele só que tentaremos agradar.
Ah! Mestre bem Amado, deixa-me, oh! deixa-me te dizer uma palavra, apenas uma palavra, sim, Mestre, é verdade, não posso mais me conter: Amor amado, me amarias então? Ah, Senhor, Senhor, me amas? Como, eu seria verdadeiramente teu amor? Vamos, é possível que haja alguém na terra para crer que meu mestre bem-amado me ama verdadeiramente? Eis que, a essa esperança, minha alma desfalece e sinto em meu peito meu coração bater mais forte. É-me permitido formular um desejo, Senhor? Minha alma nem meu coração podem encontrar outro mais sublime, mais desejável, mais beatífico que este: Se me amasses, a mim, em particular? Mestre tão fiel, se lançasses sobre mim um olhar de amor?
Senhor, a luz de teus olhos supera o brilho do sol. Quão doces são teus lábios divinos para aqueles que os conhecem. Que esplendor em teu rosto onde se encontram a beleza de um Deus e a beleza de um homem! Todo meu poder de desejo é superabundantemente saciado pela beleza de teu ser.
Talis est dilectus meus. Tal é meu bem-amado. Quão amável é meu doce amor, é o amigo íntimo de meu coração. Reconhecei-o, ó filhas de Jerusalém. Oh! muito doce Deus, para aquele de quem és o amor e que se estabelece nesse amor para a eternidade, que bem-aventurança!
