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Suso (LES) – Segundo dia: encontro com Cristo (primeira etapa)

Livro da Eterna Sabedoria (LES)

Desde o despertar, o retirante se volta para Deus, saúda-O e invoca-O.

Eis, segundo o Bem-aventurado Suso, a afetuosa louvação, a bênção da manhã.

«Toda a noite minha alma suspirou por ti, ó Sabedoria Eterna, tu a beleza, tu a luz! E esta manhã o mais íntimo de minha alma desperta em ti, meu Amor. Suplico-te, Mestre tão bom, que tua presença faça desaparecer todos os males que ameaçam meu corpo e minha alma. Derrama tua graça superabundante, que inunde até os recantos mais secretos meu coração tão frio, para que o fogo divino de teu amor o inflame e consuma. Vem, dulcíssimo Jesus Cristo, volta agora para mim teu rosto de amor, pois esta manhã minha alma se lança a ti com todas as suas forças. Saúdo-te ardentemente do mais profundo de mim. Como desejaria que as mil legiões de mil anjos que te servem te saúdem por mim esta manhã! E que os dez mil exércitos de cem mil espíritos celestes que te rodeiam te glorifiquem dignamente por mim. Ainda quisera que tudo o que há de encanto e beleza nas criaturas te leve hoje minha louvação e bendiga teu nome glorioso (esse nome consolador), nossa salvaguarda, agora e nos séculos sem fim da eternidade. Amém.»

Eis a saudação matinal em latim.

Anima mea desideravit te in nocte, sed et spiritu meo in praecordiis meis de mane, evigilavi ad te, o praeclarissima Sapientia, petens, ut desiderata praesentia tua cuncta nobis adversantia removeat penetralia cordis nostri sua multiformi gratia perfundat et in amore tuo vehementer accendat. Et nunc, dulcissime Jesus Christe, ad te diluculo consurgo, teque ex intimo cordis affectu saluto. Millia quoque millium coelestium agminum tibi ministrantium te ex me salutent, ac decies millies centena millia tibi assistentium te ex me glorificent. Universalis etiam harmonia creaturarum te ex me collaudent, ac nomen tuum glorio-sum protectionis nostrae clipeum, benedicant in saecula. Amen.

PRIMEIRA ETAPA - A ALMA RECORDA AS «ESTONTEANTES ATRAÇÕES DE DEUS»

Hanc amavi et exquisivi a juventute mea et quaesivi sponsam assumere. Amei-O desde minha juventude, procurei-O e quis-O para minha esposa .

O Discípulo: Mestre cheio de amor, desde minha infância busco alguém, uma sede me devora e não sei, meu Deus, de que tenho tanta sede. Já faz muitos anos que persigo ardentemente algo sem jamais alcançar esse objetivo incerto. Não sei bem o que é, mas sinto, no entanto, meu coração se lançar para esse desconhecido sem o qual, nunca, poderá repousar.

Desde os primeiros dias de minha infância quis, Mestre, fazer como os outros homens e buscar esse bem em tuas criaturas. Mas quanto mais buscava, menos encontrava; quanto mais avançava, mais se distanciava o objeto de meus desejos. Antes mesmo de ter podido reconhecer o fantasma inapreensível, antes de ter saboreado a paz perto dele: «Não sou o que buscas», me dizia, e por toda parte e sempre era repelido.

Mas eis a hora, ó Mestre, em que meu coração explode pela veemência do desejo. O que é então? O que não é? Ó Senhor, me perco. Tu, o Mestre bem-amado do reino dos céus, não me nomearás, não me descreverás aquele que, secretamente, brinca com meu coração?

A Sabedoria: Não O reconheces? É Ele, no entanto, que te cercou inteiramente de amor, é Ele que, tantas vezes, te barrou o caminho para te fazer voltar para Ele e te obrigar a só n’Ele te alegrar.

O Discípulo: Mas quem é? Nunca O vi, nunca O ouvi, ignoro-O.

A Sabedoria: Não é surpreendente, confiavas demais nas criaturas (de carne), de modo que Ele (o invisível) era para ti apenas um estranho. Mas chegou a hora, abre agora teus olhos interiores, olha quem sou: o que buscas, sou Eu, Eu mesmo.

Sim, Eu, a Eterna Sabedoria, que, em minha presciência eterna, te abraçava de antemão do fundo de minha eternidade e te escolhi para Mim. Sou Eu o desconhecido que se colocou em teu caminho cada vez que, entregue a ti mesmo, querias me escapar. A resistência que todas as coisas te opunham é precisamente o sinal de que és meu eleito, aquele que quero inteiramente para Mim só.

Escuta, meu filho, segue o conselho da inteligência, entrega teus pés aos grilhões da Sabedoria e inclina teu pescoço sob suas correntes; curva teus ombros, recebe seu jugo e não roas teus laços. Pois, no fim, encontrarás nela o repouso e ela se transformará para ti em delícias; seus ferros se tornarão para ti uma força protetora e um firme apoio, seu jugo uma ornamento de glória. Pois a beleza da vida está nela e suas correntes são laços salutares. Vestir-te-ás dela como de um manto de glória e como uma coroa de alegria a cingirás tua fronte . Então, por pouco trabalho, um grande repouso sobrevirá. A música e o vinho alegram o coração, mas o amor da Sabedoria supera ambos. Que nenhuma consideração te detenha, marcha, vai adiante, e do fundo de teu coração entrega-te às ternuras dessa esposa.

O Discípulo: Sabedoria amável e doce, és então tu que busquei por tanto tempo, tão longo tempo! Tu que meu coração desejava com toda força! Mas por quê, meu Deus, por que vir tão tarde, por que me deixaste caminhar à aventura por caminhos tão duros?

A Sabedoria: Se tivesse vindo desde o início, tua alma nunca teria saboreado, como hoje, o sentimento profundo de minha bondade.

O discípulo então se recolhe mais, reúne todas as suas forças para melhor adorar a Divindade presente nele e escuta tua voz celeste que lhe diz: «Proebe fili mi cor tuum mihi. Meu filho, dá-me teu coração.»

Quem poderá contar os misteriosos silêncios durante os quais a alma saboreia a presença de Deus?…

O Discípulo: «Ó Sabedoria muito amada, tu que só conheces de maneira perfeita a natureza de um coração tomado de amor, sabes bem que ninguém pode amar o que não conhece. Portanto, já que requeres de mim que te ame com amor único e que torne amável a meus irmãos tua dileção, dá-me de te conhecer mais para que eu possa te compreender melhor e te obedecer melhor.

A Sabedoria: Partindo de Deus, cume dos seres, a escala das criaturas saídas d’Ele desce, segundo a ordem da natureza, do mais perfeito ao que o é menos, porque todas as perfeições descem com certa harmonia de seu ápice: Deus, o pivô do mundo. Mas o homem, partindo de si mesmo, começa naturalmente pelas coisas inferiores e, elevando-se por graus, progride no conhecimento das coisas divinas. Se desejas, pois, chegar ao conhecimento da divindade, é preciso que, passando pela humanidade e pela paixão do Deus feito homem como por uma via real, aprendas a subir por graus até as coisas mais altas.

O Discípulo: Ó Sabedoria Eterna, tu que desceste para nós do trono altíssimo, tu que deixaste o coração do Pai, onde repousavas como em um leito real, para te inclinares sobre este vale de miséria, tu que suportaste durante trinta e três anos o exílio deste mundo e que quiseste enfim, pelo mistério de tua paixão cruel e de tua morte, mostrar a todos o excesso de tua caridade pelos homens, te conjuro, do mais íntimo de minha alma, em nome de tua morte de inefável amor, digna-te te revelar a mim sob os traços e nas disposições de excessiva caridade que tinhas no meio dos suplícios de tua amarga paixão.

A Sabedoria: A violência de meu amor e de minhas dores me revestira das palidez da morte. Apareci então dilacerada, murcha, mas tanto mais amável ao coração sensível e ao espírito bom.

O Discípulo: Posso compreender, ó Mestre, que um amante desfigurado pela morte seja amável de contemplar? Não pareceria antes que sua visão excitasse repulsa? Externamente é uma mácula lívida, internamente o desmoronamento da dor. Não pode mostrar nem forma nem beleza aos olhos dos buscadores de amor; nada mais existe para ele, senão sofrimento e miséria. Como podes, então, tratar de amável o que, evidentemente, nos aparece tão lamentável?

A Sabedoria: Os que sabem verdadeiramente amar não se importam com os espinhos quando podem colher a rosa que cobiçam; e os sábios verdadeiros preferem uma joia preciosa, escondida em um cofre miserável, a um objeto sem valor em um belo estojo dourado. Para quem julga pela aparência, a Eterna Sabedoria, a Esposa de tua alma, não é senão humilhação, abjeção, desprezo, mas o santuário de seu coração é deslumbrante de uma luz viva. Sua carne parece morta, e sua alma resplandece iluminada pelo esplendor da Divindade invisível. Seu corpo aparece como a própria miséria, mas esconde nele o germe de sua glorificação. Talvez acreditasses que estava aviltado, esse corpo, desengana-te, ele é magnífico!

Tal é teu Bem-Amado. Tu O vês aqui, desfigurado pelos suplícios, mas se te desse de O contemplar, fosse apenas um instante, em toda sua beleza, desfalecerias diante do brilho de sua graça, diante do esplendor de seu rosto e da imensidade de suas alegrias; não, o homem não pode viver e vê-Lo tal como é . É Aquele de quem os anjos não podem se saciar de contemplar.

Escuta ainda. Mesmo externamente, não é preciso considerar esse corpo ferido como repulsivo, pois, apesar do que podes crer, ele é, ao contrário, de grande beleza. Em vez de considerá-lo como aparece à primeira vista, olha bem o que sofreu, e de onde vem que tenha sofrido tanto, e por quem sofreu. O porquê? É um excesso de amor e ternura. E se me perguntas por quem? Por ti, responderei com certeza, é para te restituir tua beleza por suas murchidões, é para te curar por suas palidezes, é para te obter, por sua morte, a imortalidade da vida sem fim. Se sabes, pois, contemplar teu Bem-Amado com os olhos do amor, O acharás cheio de caridade, transbordando de dileção; Ele não amou apenas com palavras, não é como os amantes do século, mas provou sua ternura pelos fatos, na própria morte, sim, até a morte!

O estado em que O vês externamente reduzido pela violência de suas dores fala, pois, muito mais de amor que de desgraça. Não te espantes, no entanto, se não parece assim ao coração sem amor, pois a luz, amável aos olhos puros, só pode ferir olhos doentes.

O Discípulo: Sim, é verdade; ó bem-aventurados os olhos que sabem assim olhar! Pois não é próprio de todos, mas só de uma elite de amantes fervorosos. A graça é enganosa, vã é a beleza, com razão se trata de insensato aquele que só ama uma aparência em vez de amar a realidade! Toma, com efeito, a mentira pela verdade e desvia sua boca do fruto delicioso.

A Sabedoria: Já que me escutas com coração devoto, quero, pois, desenrolar brevemente diante de ti as cenas de minha paixão, para nelas imprimir para sempre a lembrança salutar em tua alma e multiplicar em ti as razões de me amar.

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