Anstett (ATG) – mutável e imutável, parcial e perfeito
O Francfortês traduziu ele próprio o texto deste versículo de São Paulo (1 Cor. 13, 10) na Vulgata: « Cum venerit quod perfectum est, evacuabitur quod ex parte est », ou tomou emprestada a tradução de uma das Bíblias em alemão que existiam antes de Lutero?
Por esse advento do perfeito, a T G não entende a parúsia de Cristo como Senhor e Juiz do mundo no fim dos tempos; uma escatologia de tal amplitude é estranha à T G, que se preocupa, antes de tudo, com a vida espiritual de cada alma que se torna perfeita na imitação de Cristo já agora.
A oposição entre o perfeito e o parcial levanta imediatamente os problemas que a T G vai considerar para lhes dar soluções: como e por que o parcial, que só tem realidade e sentido no e pelo todo único do qual é um fragmento, se separa dele? E como pode recuperar seu ser e seu lugar originais nessa unidade total perfeita?
Quais devem ser as etapas do itinerário cíclico que deve percorrer para retornar ao princípio do qual se afastou e que é seu fim?
Eckhart se refere a esse mesmo versículo de São Paulo em uma exposição sobre Lucas 2, 49 (Pfeiffer, p. 23), e Angelus Silesius, que remete seus leitores à T G no aviso do Peregrino Querúbico, retoma esse versículo no dístico V, 356 (Susini, I, p. 69, 395).
“Tu permaneces o mesmo”, diz o Salmo 102, 28; “Eu não mudo”, diz o Eterno pelo profeta Malaquias (3, 6); a epístola de Tiago (1, 17) lembra que, no Pai das luzes, “não há mudança nem sombra de variação”.
Na T G, o perfeito, tendo todos os seres em seu ser, não há nada em que ele possa se transformar; além disso, por sua transcendência, o perfeito se situa acima do tempo onde ocorrem as mudanças; finalmente, se o perfeito não fosse imutável, o parcial não saberia para onde se dirigir.
No perfeito, não há imperfeição que possa suscitar um movimento em direção ao perfeito; nele, tudo está presente sem potencialidade que peça uma atualização. No entanto, se assim é imóvel em si mesmo, Deus não deixa de agir em si mesmo, sobre si mesmo, em uma relação consigo mesmo; na procissão trinitária, ele gera seu Filho em si mesmo, fala a si mesmo no Verbo sem o qual nada do que foi feito se faz (João 1, 3) & em quem as criaturas, de quem ele é o modelo, têm a vida, o movimento & o ser (Atos 17, 28). Assim, como quer Aristóteles para quem o primeiro motor é imóvel, Deus é imóvel & move todas as coisas, o que retoma, entre outros, Boécio na Consolação da filosofia (III, poesia 9; Obras, p. 123) dirigindo-se a Deus: “Tu que, em tua inabalável imobilidade, imprimes às coisas um movimento eterno.” Para Eckhart, “a imutabilidade de Deus põe todas as coisas em movimento. Ele é algo benéfico que move & empurra & põe todas as coisas em movimento para que retornem de onde fluíram & que permanece imutável em si mesmo” (Sermões, I, p. 128); para Ruysbroeck, Deus é o Conservador & o Motor (Obras, p. 278); em um sermão sobre Ecl. 24, 11, Suso diz que Deus “move todas as coisas permanecendo imóvel” (Obras, p. 509); o Verbo é “fogo”, diz o dístico I, 198 do Peregrino Querúbico (Susini, I, p. 115), ele é “motor de tudo”, mas ele é “ele mesmo imóvel”, “movente & tranquilo”. Nessa imobilidade, o parcial pode recobrar a quietude original de seu ser.
A palavra alemã scheint é um tanto ambígua. Há apenas uma aparência sem realidade? Há, nessa manifestação luminosa, por mais imperfeita que seja, não um fenômeno ilusório, mas como um convite a se remeter à luz de onde ela provém?
É a multiplicidade exterior das coisas criadas que permanecem parciais & imperfeitas enquanto se fecham ou são consideradas fechadas a toda participação no ser & na unidade do que é perfeito. Aquele que se distrai na dispersão dessa aversão mundana a Deus, em vez de praticar uma conversão interior à sua origem & ao seu fim, corta-se de toda relação com o ser único de quem as coisas recebem o ser. Dar importância a isto ou aquilo é esquecer que Deus não é nem isto nem aquilo, que ele é o Uno transcendente em sua eternidade aquilo que, no tempo, é multiplicidade. Assim, Santo Agostinho aconselha: “Noli foras ire, in teipsum redi; in interiori homine habitat veritas” (De vera religione, XXIX), pois ele fez a experiência: “Tu eras interior intimo meo et superior summo meo” (Confissões, III, VI, 11). A introversão é, assim, o caminho necessário de toda abordagem de Deus na vida espiritual. Se o homem permanece um homem exterior em vez de se tornar um homem interior, não pode progredir para a vida perfeita; essa distinção entre o homem exterior & o homem interior, vinda de Platão, se não aqui antes de São Paulo, subjaz & sustenta a T G; é o fundamento do tratado de Lutero sobre A liberdade do cristão. — Cf. capítulo 9.
