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Kolakowski (LKCE) – Jung e Eliade, sobre o símbolo religioso

LKCE

Essas duas hipóteses estão ausentes na doutrina de Jung. Para ele, a libido original abrange a totalidade da energia vital indiferenciada, particularizando-se apenas no estágio do desejo sexual. O instinto de morte é desnecessário nessa filosofia otimista. Em vez disso, surge uma unidade psíquica independente na forma da necessidade religiosa, que parece irredutível a outras necessidades e que, nos tesouros do subconsciente coletivo, mantém sua simbólica, constantemente recriada espontaneamente na história das imaginações religiosas. Mircea Eliade, cujas análises utilizam tanto os insights de Jung quanto a interpretação fenomenológica da religião (centrada no conceito de “sagrado”, irredutível e autônomo), inverte a relação tradicional entre símbolo e concreto. O símbolo religioso não é uma “generalização” do concreto, nem uma transposição, sublimação ou disfarce que mistifica experiências concretas, fatos históricos ou desejos. Em suma, o símbolo religioso não é um meio de substituição. Ele existe porque está correlacionado, como instrumento cognitivo, com um domínio do Ser ao qual outros instrumentos de conhecimento não têm acesso. Pelo contrário, os fatos concretos só se tornam inteligíveis uma vez que são relacionados ao símbolo ou à imagem. Por exemplo, muitas atividades realizadas por humanos em culturas arcaicas são reais apenas porque repetem gestos primordiais realizados no tempo sagrado por uma divindade ou figura mítica. É impossível interpretar um símbolo propondo um “exemplo” em forma de concreto do qual ele seria geneticamente derivado ou que ele deveria mascarar. Ao contrário do que pensa Freud, por exemplo, a sexualidade sempre foi uma função polivalente e hierofânica, com um sentido cosmológico desde seus primórdios. Não é verdade que a imagem da mãe, tão essencial nas análises freudianas, possa ser explicada pela referência a cada mãe em particular; essa imagem possui funções psicológicas, cosmológicas e antropológicas. Ela interpreta a relação entre um indivíduo e sua mãe concreta; não são os desejos incestuosos que explicam geneticamente o símbolo da mãe; ao contrário, esses desejos são uma particularização (ou desvio) da nostalgia original pela unidade primordial, pela supressão dos opostos no Ser — nostalgia da qual o homem toma consciência através da mãe-símbolo. Por isso, os símbolos míticos, como meios indispensáveis de comunicação com certas modalidades da realidade última, resistem vitoriosamente aos processos de secularização e se mantêm em outras formas, especialmente na literatura, mesmo quando as formas puramente religiosas de transmissão desaparecem.

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