medievo_platonico:agostinho-paixao

Agostinho Paixão

Agostinho de Hipona — SOBRE A PAIXÃO DO SENHOR Traduzido do latim pelo Padre António Fazenda. Este sermão faz parte da coleção manuscrita do Homiliário de Wolfenbüttel (em latim, codex Gulferbytanus).

1. A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo é promessa de glória e lição de paciência. Pois, que podem esperar para si da graça de Deus os corações dos fiéis, pelos quais o Único Filho de Deus, coeterno ao Pai, achou pouco nascer homem da linhagem humana, senão que morreu às mãos daqueles homens que Ele próprio criou? É grande o que o Senhor nos promete para o futuro, mas é muito maior o que estamos lembrando que Ele já fez por nós. Onde estavam ou que eram os ímpios, quando pelos ímpios é que Cristo morreu? (Rm 5, 6). Quem pode duvidar que Ele há-de dar a sua vida aos santos, quando já lhes deu até a sua morte? Porque hesita a fragilidade humana em acreditar que os homens hajam um dia de viver com Deus? É muito mais incrível o que Ele já fez, a saber, que por amor dos homens tenha morrido Deus. Quem é na verdade Cristo senão aquele Verbo que era ao princípio, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus? (Jo 1,1). Este Verbo de Deus fez-Se carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Porque não tinha em Si mesmo de que morresse por nós, se de nós não tivesse tomado carne mortal.

Assim pôde morrer o imortal, assim quis dar a vida aos mortais, para fazer depois participantes de Si aqueles de quem antes Se fizera participante.

Pois assim como nós não tínhamos de nosso de que vivêssemos, também Ele não tinha do seu de que morresse; por isso estabeleceu connosco um comércio admirável de comunicação recíproca: era nosso aquilo de que morreu, era d'Ele aquilo de que vivemos].

Contudo a carne que tomou de nós, para nela morrer, também essa, como criador, Ele a deu: porém, a vida em que n'Ele e com Ele havemos de viver, de nós não a podia receber. E pelo que pertence à nossa natureza pela qual somos homens, morreu não do seu, mas do nosso; pois a sua natureza, pela qual é Deus, de nenhum modo pode morrer; mas pelo que pertence ao que n'Ele é criatura, e que como Deus Ele criou, também morreu do seu, pois Ele é que fez a carne em que morreu.

2. Portanto, não só não devemos corar da morte do Senhor Nosso Deus, mas ao contrário devemos pôr nela a nossa maior confiança e a nossa maior glória. Pois, recebendo de nós a morte que encontrou em nós, prometeu-nos com toda a sua fidelidade que nos havia de dar em Si a vida que não podemos ter de nós. Na verdade quem tanto nos amou, que o que merecemos pelo pecado, sendo Ele sem pecado, o sofreu pelos pecadores, como não nos dará o que dá aos justos, se Ele é que os justifica? Como é que Aquele que é verdadeiro no que promete não nos há-de dar a retribuição dos santos, se sendo sem iniquidade sofreu o castigo dos iníquos?

Confessemos, pois, irmãos, com toda a intrepidez ou mesmo proclamemos que Cristo foi por amor de nós crucificado. Digamo-lo não com medo mas com alegria, não com vergonha mas com orgulho. Viu o Apóstolo Paulo este título de glória e como tal no-lo recomendou. Tendo muito que celebrar na grandeza e da divindade de Cristo, não disse que se gloriava das maravilhas de Cristo, o qual como Deus junto do Pai, criou o mundo, e sendo homem como nós o somos imperou ao mundo; mas «longe, porém, de mim, disse, gloriar–me senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo» (Ga 6, 14). Via o Apóstolo por quem, e onde estivera pendurado e de tamanha humildade de Deus imaginava a nossa elevação divina]. *CRUCIFICAÇÃO

/home/mccastro/public_html/cristologia/data/pages/medievo_platonico/agostinho-paixao.txt · Last modified: by 127.0.0.1