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Guyon (HVM) – Terceira Via, primeiro grau: amor e interioridade

Extratos selecionados de Mariette Bruno da obra Les Torrents de Madame Guyon (HVM)

TERCEIRA VIA, passiva e de fé nua ou as torrentes A alma, como foi dito, tendo saído de Deus, tem uma inclinação contínua a retornar a Ele, porque, sendo Ele seu princípio, é também seu fim último. Seu curso seria infinito se não fosse interrompido, impedido ou completamente parado pelo pecado e pela infidelidade constante. Isso faz com que o coração do homem esteja em um movimento perpétuo e não possa encontrar repouso até voltar ao seu princípio e centro, que é Deus, semelhante ao fogo que, afastado de sua esfera, está em agitação contínua e só encontra repouso quando a ela retorna. E é aí que, por um milagre natural, esse elemento tão ativo está em perfeita quietude. Ó pobres almas que buscam repouso nesta vida! Nunca o encontrarão senão em Deus. Esforcem-se por entrar nEle, e é aí que todas as suas inclinações e penas, agitações e ansiedades serão reduzidas à unidade do repouso. Note-se que, quanto mais o fogo se aproxima de seu centro, mais se aproxima também do repouso; embora sua velocidade incrível aumente à medida que se aproxima, sua atividade diminui. O mesmo ocorre com a alma: assim que o pecado não a retém mais, ela corre de modo infatigável para reencontrar Deus e, se por impossível fosse impecável, nada detería sua corrida, que seria tão rápida que logo chegaria ao seu destino. Mas também, quanto mais se aproxima de Deus, mais sua corrida se intensifica, e ainda assim essa mesma corrida se torna mais pacífica, pois não é repouso, mas sim uma corrida tranquila, de modo que a paz redobra sua corrida e a corrida aumenta a paz.

Quando, então, essas almas são instruídas por alguém (que a Providência lhes envia) de que não avançam porque sua ferida está no interior e querem curar o exterior, de que é preciso, em vez de dissipar suas forças para fora, voltá-las para dentro de si mesmas e buscar no fundo do coração o que inutilmente procuram fora, essas pobres almas experimentam, com um espanto que as arrebata e surpreende ao mesmo tempo, que têm dentro de si um tesouro que buscavam no exterior, de modo que desfalecem de alegria em sua nova liberdade. Elas ficam pasmas ao ver que a Oração não lhes custa mais nada e que, quanto mais contemplam e se abismam em si mesmas, mais saboreiam um certo não-sei-quê que as arrebata e as eleva, e elas querem sempre amar e mergulhar mais fundo. Observe-se, por favor, que o que elas saboreiam, por mais delicioso que pareça, se estão destinadas à pura fé, não as detém, mas as leva justamente a correr atrás de um não-sei-quê que não conhecem. A alma já não é senão ardor e amor. Ela já acredita estar no Paraíso, pois o que experimenta interiormente, sendo infinitamente mais doce que todas as doçuras do mundo, ela as abandona sem dificuldade e deixaria toda a terra para desfrutar por um momento, em seu íntimo, do que está vivendo. Essa alma percebe que sua Oração se torna quase contínua. Seu amor cresce dia após dia e se torna tão ardente que ela não consegue contê-lo. Seus sentidos se concentram com tanta força, e esse recolhimento se apodera tanto de todo o seu ser, que tudo lhe cai das mãos. Ela quer sempre amar e não ser interrompida… a alma está tão plena do que sente que gostaria de compartilhá-lo com o mundo inteiro. Quer ensinar a todos a amar Deus. Seus sentimentos por Ele são tão vivos, tão puros e tão distantes do interesse próprio que os diretores que a ouvissem falar, se não fossem experientes nesse caminho, a julgariam no auge da perfeição. Ela é fértil em belas coisas, que escreve com uma facilidade admirável. São sentimentos profundos, vivos e íntimos. Não há mais raciocínios aqui, mas apenas o amor mais ardente e forte da alma, pelo qual ela se sente tomada e capturada por uma força divina que a arrebata e consome, mantendo-a dia e noite sem saber o que faz. Seus olhos se fecham por si mesmos. Ela mal consegue abri-los. Quereria ser cega, surda e muda para que nada impedisse seu gozo. É como os ébrios, que estão tão possuídos pelo vinho que não sabem o que fazem e já não são senhores de si mesmos. Se tentam ler, o livro lhes cai das mãos, e uma linha lhes basta; mal conseguem ler uma página em um dia inteiro, por mais que se esforcem. Não que não compreendam o que leem ou não o conheçam, mas é que uma palavra de Deus ou o simples contato com um livro desperta o instinto secreto que as anima e queima, de modo que o amor lhes fecha os olhos e a boca… A alma, nesse estado, crê estar no silêncio interior, porque seu operar é tão doce, tão fácil e tranquilo que ela já não o percebe. Acredita ter chegado ao cume da perfeição e não vê mais nada a fazer senão desfrutar do bem que possui… Essas almas, porém tão ardentes e desejosas de Deus, começam a repousar nesse estado e a perder, pouco a pouco, a atividade amorosa que tinham para correr atrás de Deus, contentando-se com o gozo que julgam ser o próprio Deus… ]. Os defeitos das almas desse grau são uma certa estima de si mesmas, mais oculta e enraizada do que antes de receber as graças e favores de Deus, um certo desdém e desprezo pelos outros, que veem tão distantes de seu caminho… um orgulho secreto… Torna-se proprietárias dos dons de Deus e age como se fossem seus… É verdade que fazem algum bem aos outros, pois suas palavras, cheias de fogo e chamas, abrasam os corações que as escutam. Mas, além de não fazerem o bem que fariam se estivessem no grau em que a ordem de Deus as leva a difundir o que têm, suas graças, não estando ainda em plenitude, dão do que lhes é necessário, em vez de dar de sua abundância, de modo que acabam por secar a si mesmas… É preciso notar… que as virtudes parecem ter vindo à alma sem nenhum esforço, pois a alma de que falo não pensa nelas, já que toda sua ocupação é um Amor geral, sem motivo nem razão para amar. Pergunte-lhe o que faz na Oração e durante o dia; ela dirá que ama. Mas qual é o motivo ou a razão de amar? Ela não sabe, não conhece nada. Tudo o que sabe é que ama…

… Então a alma repousa na perfeição que acredita ter alcançado e, detendo-se nos meios, pensando que são o fim, ali permaneceria sempre presa, se Deus não fizesse o torrente (que é como um lago tranquilo no alto da montanha) encontrar a encosta da montanha, para precipitá-lo e fazê-lo correr com uma velocidade tanto maior quanto mais profunda for a queda.

Mas sofrer sem que o Amado o saiba, quando Ele parece desprezar e desviar-se do que fazemos para agradá-Lo… deixar-se despojar sem murmurar de tudo o que Ele outrora deu como penhor de Seu amor… não deixar de fazer sempre o que pode contentar o Amigo, ainda que ausente, não deixar de correr atrás dEle; e se, por uma infidelidade ou surpresa, parar por algum momento, redobrar a corrida com mais velocidade, sem temer nem considerar os precipícios, ainda que caia e recaia mil vezes, até que a alma esteja prostrada e tão cansada que perca suas próprias forças, para morrer e expirar nas fadigas contínuas…; enfim, o Amigo se torna tão cruel que a deixa expirar por falta de socorro: tudo isso, digo, não pertence a este estado, mas ao que se segue… ].

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