Madame Guyon (MGTP) – Amor, um terceiro meio de morte
Três meios de purificação e de morte (MGTP)
Existe um terceiro meio de morte, que é o amor, que como um fogo escondido e muito devorador, consume pouco a pouco o vigor da alma, a resseca e a faz morrer. É o amor sozinho que purifica a alma por dentro. O fogo do amor é mais intenso, e faz uma purificação mais perfeita que todas as outras; e é a última. Deus dá a esta alma um amor tão puro, tão nítido, tão reto, tão desapegado de tudo, que ela só vive de amor e pelo amor. Este amor é tudo para ela. É primeiramente muito gratificante, depois torna-se crucificante, purificando radicalmente e destruindo absolutamente a criatura; pois quer ficar sozinho; não sofre nem obstáculo, nem companheiro; não quer nada além de si mesmo. É o amor que emprega a divina justiça para lhe preparar o caminho e é impiedosamente ciumento. Uma alma em que ele habita, não saberia sofrer senão a ele; odeia-se a si mesma; abomina qualquer outra glória que não a sua. Este amor é tão puro, tão nítido, tão reto, tão desinteressado, que não pensa em nenhum interesse, seja temporal ou eterno; e só tem consideração pelo seu objeto, sem pensar no seu sujeito. Este sujeito permanece tão em poder do amor, que ele dele dispõe como de seu próprio bem, sem que se lhe peça contas: que faça, no tempo e na eternidade, o que lhe aprouver, a única glória do sujeito é ser empregado unicamente no tempo e na eternidade no bom prazer do amor, é nunca sair de sua mão, é amar seus decretos justos e eternos, quer crucifiquem ou vivifiquem, quer percam ou salvem: no amor todo interesse é para o próprio amor; a perda é salvação no amor. Seu fogo fez uma dissolução tão perfeita de tudo o que lhe era contrário, e nele perdeu tanto seu sujeito, que não tem mais outro movimento senão o seu; golpeia consigo mesmo: é como uma água escoada para o mar, que tem as mesmas ondas que o mar, seu fluxo e refluxo; se o mar, brincando com esta água, a joga contra um rochedo, tudo é do mar e com o mar. Ó divino Amor, quão feliz é uma alma, quando ela desapareceu o suficiente para não ter senão a ti, não ver senão a ti, não agir senão por ti e em ti, sem ela nem para ela! Ó tempo, ó eternidade, tu és do amor para o amor; o resto não é nada e menos que nada. A ti, Amor, pertence consumir as almas de tuas amantes: tu rejeitas o supérfluo, e isso torna o exterior menos composto; mas rejeita sempre tudo dessa forma, sem nada poupar. Madalena, essa perfeita amante, vai com os cabelos espalhados como uma louca à casa dos fariseus; ela rompe, perde, dissipa um perfume de grande preço: ela é reconhecida em toda parte por seu caráter, ao pé da cruz, quando busca Jesus, que o pergunta a ele mesmo disfarçado de jardineiro, que lhe diz que o levará. Mas, Madalena, como seu coração não discerniu de imediato o coração de Jesus? É que ele o havia mudado, esse coração, expressando toda a sua substância em favor dos homens. Ela o reconheceu pela voz, e logo ela vai, sem consideração nem respeito, abraçar-lhe os pés. Estes são os efeitos do amor por fora. Quem pode descrever os que ele opera por dentro? Eles estão gravados em caracteres de fogo no fundo da alma, mas são inexplicáveis. Que Deus nos faça experimentá-los, se é para sua glória! Amém, Jesus! Discours chrétiens et spirituels (…), ed. Point, Amsterdam, 1716, n° XIII.
