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Maël Renouard (ASVC) – Angelus Silesius, viajante [Wandersmann]

ASVC

Quem é ele, este viajante de quem se fala, que nos fala, se é de uma Silésia eterna? Se é, antes de tudo, apenas de um lugar? E se esse lugar, finalmente, não é de terra, mas secretamente situado em uma linhagem de almas? A viagem em questão é uma experiência interior. Ele caminha em um conhecimento. Não impõe a mudança de espaço. O traçado da rota está na alma. O corpo que permanece na Silésia real não impede de buscar Deus em si mesmo. A Silésia eterna é um lugar de encontro de almas e de livros que contam a mesma busca. Essas trajetórias invisíveis pertencem à condição mística. Aqueles que vislumbraram a união com Deus apressam-se, dizia Hadewijch de Antuérpia, no século XII, “no caminho obscuro, não traçado, não indicado, todo interior” ]. O místico só conhece o movimento de partir. Como Eros, no banquete de Platão, ele não habita em parte alguma, não se fixa em nenhuma certeza. Um espírito de superação o impulsiona sempre para a frente de si. “É místico aquele ou aquela que não consegue parar de caminhar e que, com a certeza do que lhe falta, sabe de cada lugar e de cada objeto que não é isso, que não se pode residir aqui nem se contentar com isso.”] Traduzimos Wandersmann por viajante, e não peregrino, como é comum ao se falar deste livro, primeiro porque o alemão tem outro termo para peregrino, que é Pilger, e segundo, e principalmente, porque esta viagem mística nos parece de outra essência que uma peregrinação. O peregrino conhece seu porto. Ele para no lugar sagrado; e o lugar sagrado não é Deus. Não tem esse movimento de ir sempre mais longe que arrebata o viajante místico para o belo abismo de si mesmo. Ele o descobrirá talvez na decepção da peregrinação, deslocamento na poeira, chegada na poeira, que expõe quem a realiza a encontrar apenas isso, uma sala vazia, e uma voz, dizendo como aos discípulos que procuravam o corpo do Senhor, como aos Cruzados que revistavam o Santo Sepulcro: Por que procuramos entre os mortos Aquele que está vivo? A peregrinação tem duas características que se opõem ao que está em jogo aqui. Ela para em um lugar; e esse lugar não é Deus, é um pedaço de espaço, exterior e sensível. Ora, o místico se abandona à sua viagem e perde toda a noção de geografia. Ele continua, esperando encontrar Deus, mesmo que se perca um pouco, se esquecer apenas de si mesmo, não da luz que espera. Ele não chegará a nenhum porto, talvez, um dia, seja o porto que virá até ele. Por isso preferimos viajante a peregrino, pensando também no status viae, na condição de viator que a teologia cristã diz ser a de uma criatura racional, anjo ou homem, na fase de seu destino em que está ordenada à beatitude sem ainda possuí-la. E escolhemos viajante em vez de errante, ao contrário de Roger Munier, porque, como diz Silesius, “o sábio nunca erra” (VI, 256), agarrando-se com todas as suas forças a Deus, mesmo que a rota esteja perdida, e que ele não vá ao acaso, para cá e para lá, como os homens ocos de T.S. Eliot, privados de sentido; em vez de caminhante, porque se trata de outra coisa que colocar um pé na frente do outro; em vez de itinerante, porque não queríamos sacrificar toda a elegância ].

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