Maël Renouard (ASVC) – Angelus Silesius e os filósofos
ASVC
E alcançar Deus, alcançá-Lo, igualar-se a Ele, reconquistar a unidade que me liga originalmente a Ele, ter que ir além Dele para reencontrá-Lo, tudo isso pode ter sido delicado de se ouvir. É próprio de toda mística, não apenas da poesia de Angelus Silesius, gerar confusão e ser suspeita de temeridade ou heresia. Os paradoxos não são facilmente compreendidos por todos. Eles já são esse mistério da mística, que exige que se assinta à conversão na derradeira reunião do derradeiro abandono; de abandonar o próprio Deus para, finalmente, unir-se a Ele, além Dele, o que pode ser duplamente escandaloso aos olhos de uma ortodoxia. O místico afirma, pede sempre mais que o catequista. Os paradoxos são mistérios de linguagem, exigem uma fé um pouco virtuosa; sem dúvida, pertencem a essa iniciação gradual de que fala Dionísio, o Pseudo-Areopagita, em sua Teologia Mística, livro ao qual se deve o conceito de mística; mas além dessa ascensão, encontram-se no silêncio a visão e o êxtase, a união da alma ao princípio de todo ser, experiência e conhecimento que permanecem por natureza incomunicáveis. Isso é dar demais a um homem, para aqueles que se apegam a uma antropologia degradada, onde Deus é muito superior para Se comunicar. Por mais que se lembre que a mensagem dos místicos renanos, dizendo que “Deus Se fez homem, para que o homem seja feito Deus”, também pode ser lida em Santo Tomás de Aquino ]; por mais que se observe que Silesius, ao lado de fontes suspeitas na tradição da Igreja (Eckhart, Valentin Weigel, A Teologia Germânica, Paracelso, Böhme), ostenta outras menos controversas (São Bernardo, Tarder, Ruysbroeck, Sandaeus), o fato é que O Viajante Querubínico pareceu rapidamente um livro de páginas incandescentes; e, sem dúvida por isso mesmo, frequentemente seduziu os filósofos. Desde o final do século XVII, eles tiveram notícias disso. O primeiro, Leibniz, estima a elegância de seus versos, mas teme uma audácia que beira a impiedade. Ele vê muito quietismo em tanto abandono, muito spinozismo em tanta igualdade com Deus. Muitos leitores, subsequentemente, acreditarão reconhecer tais afinidades. Hegel saúda a profundidade de sua poesia e nela detecta a expressão acabada de um panteísmo subjetivo, onde Deus, substancialmente presente nas coisas, é sentido na consciência do sujeito, que se une e se iguala a Ele. Schopenhauer menciona Silesius várias vezes em O Mundo como Vontade e Representação. Ele cita, em particular, o dístico I, 8, onde é afirmada a impossibilidade de Deus viver um único instante sem mim. Wittgenstein também confessa, em discussões e cartas, a vívida impressão que essa passagem lhe deixou ]. Depois, a fama de Angelus Silesius floresceu. É a rosa comentada por Heidegger, a rosa “sem porquê” cuja existência ignora a preocupação de perguntar a razão das coisas e de seu próprio ser ]. À imagem da rosa, bela sem vontade de ser rosa, devemos nos desfazer da preocupação e alcançar esse abandono que toda a mística alemã, com Mestre Eckhart, chamou de Gelassenheit. É também o título de um texto de Heidegger, em Questões III, onde essa noção da mística renana, ao custo de alguma emenda, é chamada a fornecer os primeiros elementos de uma sabedoria para eras de técnica. Em sua determinação da relação com o ser, Heidegger parece ter ido gradualmente, desde Ser e Tempo, da preocupação até esse abandono de alta linhagem. Pode-se dizer que Heidegger é o outro último místico alemão, com Silesius que pertence, em pleno século XVII, à Idade Média espiritual de Mestre Eckhart e Suso. O compartilhamento da experiência permanece, para todos eles, uma graça que não impede a leitura. Àqueles a quem é dado o êxtase, salvação; aos outros, que não rejeitem os belos livros onde lhes é contado o estranho que não possuem.
