madame_guyon:gondal-mgmc-ler-os-misticos-um-retorno-as-fontes

Gondal (MGMC) – Ler os místicos, um retorno às fontes

O Meio curto e outros relatos, de Madame Guyon (MGMC)

Há os «grandes», como se diz, e os outros. Uma hierarquia foi elaborada e continua a sê-lo, cujos critérios são diversos e nem sempre explicitados. Os gigantes da espiritualidade, reconhecidos como dominantes de uma época — Eckhart, o mestre do século XIV, João da Cruz ou Teresa d’Ávila, pioneiros de um mundo novo, no XVI, Maria da Encarnação, atravessando as fronteiras do mundo antigo, no XVII — avançam em primeiro lugar, honrados sem contestação, lidos e relidos cem vezes. Elogiam-se seus dons humanos, sua constância e coerência na fé, seu gênio literário, suas obras, etc. São considerados arautos da mística, cristã ou não, canonizados ou não. São de certa forma modelos. E certamente não se pensa aqui em destroná-los.

Mas hoje impõem-se outras evidências. A primeira é que os gigantes não estão sozinhos no mundo da mística. Eles não teriam sido o que foram se fossem os únicos, em seu tempo, a se arriscar nessa viagem e a entregar seu relato. E isso por várias razões. Primeiro porque eles também tinham seus mestres e discípulos, sua família, sua escola, seu mosteiro, e logo sua linhagem — e sabe-se que todo mestre deve muito a seus discípulos. Mas também porque havia em seu tempo essa multidão de «almas interiores», segundo a expressão então usada, essa «turba magna» de que falava Henri Bremond, e cujo rumor habita os períodos em que a voz dos tenores se destaca. Se os maiores puderam falar e se fazer ouvir, é porque sua voz era audível e seu discurso pensável, ou seja, porque outros ouviam e respondiam. Ocorre com a mística o mesmo que com qualquer outra confidência: quando ela se cala entre amigos — e pode calar-se, mesmo que se fale muito —, é sem dúvida porque a escuta enfraqueceu. E reciprocamente, se se chega a não ousar ou não poder mais falar, o ouvido atento desanima. Assim se verifica, sem dúvida, nesses destinos que se creem tão solitários, uma verdade humana universal: toda criação nasce na solidão, mas é uma solidão habitada, conectada. Verdade particularmente pertinente no domínio da experiência mística, onde são essenciais o diálogo, a conversa, o colóquio, a comunicação de boca e coração.

Uma segunda observação diz respeito à imagem unificada que os grandes místicos apresentam: unidade neles e com seu quadro de referência, humano, evangélico e eclesial. De fato, mesmo admitindo que os místicos viveram conflitos e obscuridades, gostamos de reconhecer neles aquele ou aquela que, no fim das contas, é irrepreensível e acima de qualquer suspeita, e que se pode considerar como um modelo a seguir, imitar, propor. Essa necessidade de «canonizar» frequentemente inspirou retoques nas figuras de outrora ou em trechos de seus escritos que pareciam indefensáveis. A historiografia conhece bem essa tentação, e a necessidade de superá-la inspira uma releitura permanente. Ora, alguns espirituais, digamos mesmo alguns místicos — mesmo que nunca tenham se dado esse nome — têm destinos conturbados, fragmentados, uma mensagem estilhaçada ou contestada. Não são em tudo admiráveis ou imitáveis. E no entanto seu itinerário intriga e atrai. Às vezes está mais próximo do nosso do que o dos místicos incontestados. Pode-se estar integrado em um universo social e mental, mas também se pode estar sobre uma fratura cultural profunda, onde o sentido não tem mais unanimidade e onde os quadros de referência se desfazem. A mística se torna então um chamado a um «evangelho eterno». Oscilando entre queixa e profecia, entre morte e vitória, entre sucesso e exílio, o discurso espiritual torna-se, a contragosto, o apelo de um impossível que no entanto se oferece. Personalidades fora do comum, às voltas com contradições internas e externas, encontram-se pouco a pouco, por seu próprio itinerário, colocadas em posição de charneira: vigias ancoradas em uma face conhecida da história, mas pressentindo e antecipando a face que vem, que talvez já esteja presente sem ter sido ainda percebida pela maioria nem identificada, testemunhas para esse futuro de uma dimensão transcendente inalienável, talvez momentaneamente impensável. Místicas de um «terceiro tipo», se assim se pode dizer, diferentes dos «canonizados» e dos «desconhecidos», essas personalidades assemelham-se aos profetas, expostas à incompreensão que encontram os videntes, conservadoras para uns, anunciadoras para outros, habitadas por uma lucidez turbulenta que alguns veriam antes como loucura.

Ler espiritualmente os místicos não é, portanto, apenas ou primeiramente, buscar neles mestres ou modelos. É antes recebê-los como testemunhas. Alguns, talvez todos, nos reconfortam ou nos queimam, conforme as horas. Pode-se habitar a morada dos grandes ou ater-se às luzes humildes que os pequenos acendem na monotonia dos dias. Pode-se sentir-se tranquilo ao ouvir os «santos» reconhecidos e afastar-se daqueles que não apresentam, ao menos aparentemente, todas as garantias esperadas, mas também se pode descobrir naqueles que são os meteoritos de outro tempo luzes para tempos difíceis, que não são oferecidas por aqueles que não sentiram o mundo vacilar. Nos uns ou nos outros, conforme o chamado e os dons, descobre-se por vezes uma «chama viva», não apenas a deles, ou a nossa — e é aí que todos os itinerários particulares são relativizados — mas aquela, misteriosa, que lentamente transforma a humanidade, segundo a palavra de Isaías, em «fornalha sem fim» (Is. 33, 14).

Mme Guyon poderia ser situada no primeiro ou no segundo tipo. Dos grandes, ela tem a altura e a simplicidade, a penetração e a limpidez, a coragem e a obediência. Como eles, explora os limites do espírito humano confrontado com o perigo da morte e do inferno, canta seu reerguimento e elevação pelo dom da sabedoria, é impelida a fazer ressoar seu chamado e a explicar seus caminhos e provações. Dos humildes, tem as virtudes e o gosto, preferindo às honras de uma rainha, quando tem escolha, a vida comum ordinária na esteira de seu «pequeno Mestre», como chamava Cristo em seus estados de humilhação. Mas também se a situará de bom grado no terceiro tipo. Como os profetas, anuncia, por vezes em estilo de apocalipse, o fim de um mundo e a chance do mundo que vem. Por vezes queixosa sob o peso da provação, mas sempre humildemente orgulhosa, permanece de pé, repetindo incansavelmente o «quem como Deus?» do arcanjo Miguel, lembrando assim a honra de Deus.

/home/mccastro/public_html/cristologia/data/pages/madame_guyon/gondal-mgmc-ler-os-misticos-um-retorno-as-fontes.txt · Last modified: by 127.0.0.1