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Kolakowski (LKCE) – Luteranismo

LKCE

A mística, como Albert Ritschl, sem dúvida, demonstrou de forma convincente, era estranha a Lutero e ao espírito do luteranismo. Este, ao proclamar a autonomia da fé diante das realidades terrenas, não visava de forma alguma a negá-las no plano moral, nem pregava a fuga da temporalidade. O prefácio elogioso de Lutero à “Teologia Alemã” data de 1516, anterior ao momento crítico, enquanto os elogios a Tauler, em 1518, limitam-se a certos pontos e são importantes apenas em comparação com a teologia escolástica. No entanto, observa Ritschl, “as marcas de mística desapareciam de seus escritos à medida que seu horizonte reformador se clareava”. Para Lutero, os valores religiosos podem ser alcançados por meio da comunidade, enquanto a comunhão mística do indivíduo que aspira à identificação com Deus é evidentemente inconcebível em sua doutrina, assim como a ideia do reino de Deus, que seja o indivíduo ou uma coletividade humana poderia edificar na terra para seu próprio uso. A temporalidade é, de fato, temporalidade; nenhum esforço conseguirá transformá-la nem em paraíso individual, como os místicos desejariam, nem em paraíso coletivo, como esperavam os anabatistas. Os espiritualistas que, durante a segunda metade do século XVI e a primeira metade do XVII, paradoxalmente, tentaram, por uma fuga do mundo, assegurar desde a vida temporal condições paradisíacas, ao expor suas esperanças dentro da Igreja Luterana, logo se convenceram de que eram estranhos ao mundo protestante, e atribuíram esse fato à degenerescência e secularização das comunidades. Alguns deles, especialmente aqueles com ideias menos radicais, permaneceram membros da Igreja Protestante, como Philipp Nicolai ou Johann Arndt; outros sofreram perseguições, como Boehme, ou só as evitaram disfarçando-se, como Weigel; outros, finalmente, abandonaram abertamente as comunidades, passando para posições não confessionais, como Christian Hohburg ou Franckenberg; alguns também se converteram ao catolicismo, que tolerava muito melhor os místicos (Christoph Besold, Angelus Silesius). A religiosidade luterana, uniformizada e empobrecida, que santificava o trabalho mundano e os rigores da vida cotidiana, não havia criado o menor ambiente onde indivíduos dominados pela paixão mística pudessem se refugiar. O movimento da espiritualidade não confessional, rejeitando todos os valores das associações religiosas visíveis, atraía todos aqueles que viam no ideal luterano do espírito dominando a vida temporal uma mistificação que, na verdade, velava a integração da vida religiosa na ordem terrestre estabelecida. O curso normal das coisas queria que esses fossem homens a quem, devido à sua situação social ou pessoal, a época não oferecia perspectivas e que, na negação física do tempo, expressavam sua própria impotência.

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