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Tauler (JM) – Sermão de preparação a Pentecostes

São Pedro diz em sua epístola: “Sede prudentes e vigiai na oração.” Chegamos à véspera da amável festa do Espírito Santo, que cada um deve, com todas as suas forças, preparar-se para receber. Para isso, como dissemos ontem, o ser humano deve sempre buscar unicamente a Deus. Deve, além disso, examinar, à luz da virtude da discrição, toda a sua maneira de agir e toda a sua vida, para ver se não permanece nada que não seja Deus. Dissemos, ademais, que essa preparação se compunha de quatro elementos que enumeramos: o desapego, a passividade, o espírito interior e a unificação. É preciso, então, que o ser humano exterior tenha chegado a fazer reinar em si a tranquilidade, que tenha se exercitado nas virtudes naturais, que tenha munido as faculdades inferiores das virtudes morais, e que o Espírito Santo dê às faculdades superiores o ornamento das virtudes teologais. Dissemos, por fim, como cada um devia, com a virtude da discrição, dirigir e ordenar cada coisa em seu devido lugar, em todo o seu agir, em toda a sua vida, examinando se tudo está orientado, sim ou não, para Deus e corrigindo o que encontrasse em sua ação que não tendesse puramente a Deus. Deve comportar-se absolutamente como o camponês que tem enxertos a fazer em março. Quando vê que o sol começa a subir, ele poda e apara suas árvores, arranca as ervas daninhas, revira a terra e a cava com muito cuidado. Assim o ser humano deve aplicar-se muito em cavar a si mesmo, em olhar para esse fundo, em revirar o que em si se desviou, em podar suas árvores, ou seja, seus sentidos exteriores e suas faculdades inferiores e em extirpar toda erva daninha. Deve antes de tudo arrancar e extirpar a fundo e com vigor os sete pecados capitais, todo orgulho interior ou exterior, toda avareza, toda cólera, ódio, ciúme e todo prazer impuro de corpo, de coração, de pensamento, sob qualquer forma que se apresente na natureza e mesmo no espírito. Deve examinar se não há em algum lugar, interior ou exteriormente, algo a que se permaneça apegado, se não se esconde em parte alguma alguma indolência. Tudo isso e toda desordem desse gênero deve ser absolutamente cortado e extirpado. Mas tudo ainda é árido e duro. O sol sobe, ainda não fez penetrar sua claridade; mas aproxima-se rapidamente, eis que o verão se aproxima a passos largos. O sol divino logo começa a dardejar seus raios sobre o campo bem preparado. Quando o ser humano exterior e as faculdades inferiores e superiores, e consequentemente todo o ser humano interior e exterior foram podados e preparados, vem o doce sol de Deus e ele começa a brilhar no fundo, a iluminar com sua claridade o nobre campo. É então um verão alegre, uma verdadeira floração de maio, no sentido próprio da palavra, como vemos agora lá fora. O eterno Deus de amor concede então ao espírito a capacidade de esverdear, de florescer e de produzir os frutos mais deliciosos de que nenhuma língua saberia falar e de que nenhum coração pode ter uma ideia, tão grande é a alegria que então desperta no espírito. Quando o Espírito Santo pode, sem intermediário e por sua presença, espalhar no fundo seu alegre brilho de sua divina claridade, e quando pode ocorrer a doce infusão do Espírito que se chama e que é o verdadeiro Consolador, oh! que doce prazer nasce daí! É realmente uma festa: a cozinha cheira tão bem, e os preciosos e suculentos manjares que nela se preparam têm um perfume tão extraordinariamente delicioso e tão maravilhosamente apetitoso! É realmente o mês de maio em plena floração! Ah! como o perfume dos pedaços apetitosos penetra na pobre natureza! Recebe-se delícias requintadas, que o Espírito Santo prepara então em grande abundância e que envia e dá à alma bem preparada para desfrutar. Ah! sentir e saborear uma única gota dessas delícias, uma única gota desses deleites, supera e faz desvanecer toda a suavidade e toda a doçura que todas as criaturas podem proporcionar, de todas as maneiras que se pode realizar ou imaginar. Mas, quando sentem e experimentam, em si mesmos, essa grande e extraordinária consolação e essa suavidade, alguns são tentados a nela mergulhar, nela adormecer, nela repousar e permanecer nesse prazer. Foi assim que São Pedro, por ter recebido uma gota dessas delícias, bem que gostaria de armar três tendas para ali permanecer. Mas, em verdade, Nosso Senhor não o quis; estava bem longe do objetivo a que Nosso Senhor queria levá-lo e elevá-lo. Assim como São Pedro dizia: “É bom para nós ficarmos aqui”, assim querem fazer algumas pessoas. Assim que experimentaram essa doçura, pensam ter recebido o sol em sua plenitude e gostariam de repousar lá e deitar-se. Aqueles que fazem isso, ficam completamente para trás e, de tais pessoas, não há nada a esperar; não vão mais longe. A paralisação de alguns apresenta este caráter particular: que, nessa doçura, caem em uma falsa liberdade. Nesse estado de prazer e de piedosas impressões, a natureza se recolhe em si mesma com satisfação, para então parar em si mesma - é uma inclinação primária no ser humano -, e se abandona a essas piedosas impressões. Ora, isso me lembra o que ouvi dizer sobre os medicamentos: tomar demais, pode fazer mal. Quando a natureza se sente ajudada, abandona-se a esse auxílio, adormece, repousa e, pensando que o auxílio lhe basta, não é tão ativa quanto teria sido sem isso; enquanto que, se não tem certeza de nenhum auxílio, age, trabalha e ajuda a si mesma. Vejam, caríssimos filhos, como essa natureza envenenada, recolhida em si mesma, se insinua habilmente por toda parte e busca em todas as coisas seu repouso e suas comodidades, nas coisas espirituais mil vezes mais ainda do que em outros lugares. Quando, de fato, o ser humano experimenta em si mesmo esse prazer e esse bem-estar particular e extraordinário, ele se entrega por inteiro a isso e, acreditando-se muito mais seguro, não trabalha com a mesma aplicação e perseverança, torna-se logo muito delicado e muito exigente, e imagina que não pode mais sofrer e trabalhar como antes e que deve permanecer em completo repouso. Quando o Inimigo vê então que o ser humano repousa dessa forma, ele vem e derrama em sua alma uma falsa doçura, para estabelecê-lo e mantê-lo nesse repouso prejudicial. O que devemos fazer, então? Devemos fugir dessa doçura e repeli-la? Não, de forma alguma. Devemos aceitá-la com grande reconhecimento e depois reportá-la a Deus com humildade, agradecê-Lo ardentemente e louvá-Lo grandemente por esse dom, reconhecendo-nos totalmente indignos. Devemos fazer como um jovem rapaz, mas não rico, que tivesse fome e sede e tivesse caminho a percorrer, e a quem se vem dizer que, se quiser andar quatro milhas, encontrará tão abundantemente para comer, que seu estômago estará bem farto. Ele se tornaria logo tão alegre, tão ágil e tão disposto, que correria dez milhas com a mesma facilidade. É assim que deve fazer o ser humano que Deus conforta e que alimenta com suas divinas consolações e prazeres. Deve fazer muito mais do que fazia antes, amar mais, agradecer mais, louvar mais e viver uma vida muito mais intensa. Deve excitar muito mais ainda o desejo do coração e a chama do amor. Deve consumir tanto, que lhe sejam dados ainda mais dons, mais consolações, mais alegrias espirituais. Devemos fazer o que faria um homem que fosse visitar o papa para lhe oferecer um denário de ouro; e o papa, indo ao seu encontro, lhe daria em troca cem mil libras de ouro, e isso repetidas vezes, tantas vezes quanto o peregrino lhe oferecesse um denário. É precisamente isso que acontece com o ser humano: tantas vezes quanto se volta para Deus com reconhecimento, tantas vezes quanto se oferece a Deus com amor e gratidão, Deus vem ao seu encontro, a cada instante, com cem mil vezes mais dons, graças e consolações. E assim a doçura espiritual se torna um auxílio que nos conduz a Deus e a um bem maior. Devemos usá-la, mas não gozá-la. É como alguém que viaja de carro: não o usa para seu prazer, usa-o para sua utilidade e não deposita nele sua plena satisfação; assim se deve buscar o proveito nos dons de Deus, mas só colocar a plena alegria em Deus. São Pedro nos adverte contra esse erro, quando nos diz que devemos ser sóbrios e vigiar, e nos adverte que não devemos adormecer no sentimento dessa doçura: quem dorme, de fato, é como que meio morto, não tendo mais verdadeira atividade. Devemos, portanto, despertar, ser vigilantes e sóbrios. O ser humano sóbrio faz seu trabalho com entusiasmo, vigilância e inteligência. Por isso São Pedro diz: “Irmãos, sede sóbrios e vigiai, porque o vosso adversário, o Inimigo, anda ao redor como leão que ruge, procurando a quem devorar, por isso resisti-lhe fortemente na fé”. Filhos amados, não sejam assim sonolentos e indolentes, não descansem em nada que não seja puramente Deus; mas examinem-se cuidadosamente, à luz da virtude da discrição, e permaneçam atentos a si mesmos e a Deus em si, em um desejo cheio de amor. Os próprios discípulos amados de Nosso Senhor não puderam manter a deleitável presença de Nosso Senhor, pois, de outra forma, o Espírito Santo não lhes teria sido dado. “Se eu não for, diz Jesus, o Espírito Santo não vos será concedido, o Espírito Santo, o Consolador”. Os santos discípulos estavam tão bem possuídos interior e exteriormente pela presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, ela preenchia de tal forma todos os recantos do seu ser, o seu coração, a sua alma, os seus sentidos, as suas faculdades interiores e exteriores, que essa posse tinha de lhes ser arrancada e retirada, para que chegassem à verdadeira consolação espiritual e interior. Era preciso que isso lhes fosse retirado, por mais dura e amarga que lhes fosse essa privação, para que pudessem seguir em frente. De outra forma, estariam nas regiões inferiores da sensibilidade. Ora, quando se eleva acima dos sentidos, passa-se primeiro às faculdades superiores, à faculdade da razão, e aí o Espírito Santo é recebido de forma muito mais nobre e mais deliciosa. Depois, chega-se ao fundo interior, ao fundo misterioso do espírito, e é aqui apenas que essa doçura tem o seu verdadeiro e próprio lugar; é aqui que o Espírito Santo é recebido em verdade e em realidade, aqui apenas, nessa sobriedade, que o ser humano desperta. São Pedro dizia, portanto: “Deveis estar vigilantes na oração, pois o vosso adversário, o Inimigo, anda ao redor, como um leão que ruge.” De que oração São Pedro quer falar? Da oração vocal que alguns – como aqueles que recitam grande número de saltérios – chamam de oração? Não, não é isso que ele tem em vista, mas a oração que Nosso Senhor indicou como a verdadeira oração, dizendo que “os verdadeiros adoradores oravam em espírito e em verdade”. Os santos e os doutores dizem que a oração é uma elevação do espírito a Deus. A leitura e a oração vocal servem às vezes a essa ascensão e, como tais, pode ser louvável usá-las. Assim como minha capa e minhas vestes, sem ser eu mesmo, me são úteis, assim toda oração vocal serve à verdadeira oração, sem contudo o ser; são o espírito e o coração que devem ir a Deus sem intermediário. É unicamente isso, e nada mais, que é a essência da verdadeira oração. A ascensão do espírito em Deus pelo amor, o desejo interior e a humilde submissão a Deus, eis apenas a verdadeira oração, exceto para as pessoas da Igreja, regulares ou prebendários que são obrigados, esses, às suas Horas e à oração vocal. Mas nenhuma oração exterior é tão cheia de piedosa devoção, tão amável quanto a santa oração do Pai Nosso que nosso soberano Mestre, o Cristo, nos ensinou e que Ele mesmo disse. É a que mais serve à verdadeira, à essencial oração. É uma oração do céu. É ela que se medita verdadeiramente no céu sem interrupção. A verdadeira oração, que é uma verdadeira ascensão em Deus, eleva tão bem o coração que Deus pode entrar no fundo mais puro, mais íntimo, mais nobre, mais interior onde está a verdadeira unidade, e da qual Santo Agostinho diz que há na alma um abismo misterioso, que nada tem a ver com o tempo e com todo o mundo de cá e que é muito superior à parte da alma da qual o corpo recebe a vida e o movimento. É aqui, neste nobre e delicioso abismo, no reino misterioso 16 que se infunde a doçura de que falamos; é aqui que está eternamente seu lugar. Aqui o ser humano não é mais perturbado por nada; está recolhido e calmo e verdadeiramente si mesmo, sempre mais e mais desapegado, interiorizado, elevado em maior pureza, maior passividade, sempre mais abandonado em todas as coisas, pois Deus mesmo veio estabelecer-se neste nobre reino, e é lá que opera, lá que habita, lá que reina. Este novo estado de alma não é mais comparável ao anterior, pois o ser humano ganhou uma vida toda divina. O espírito se funde aqui por inteiro , ele se abisma n'Ele, de si mesmo; é arrastado para o fogo ardente da caridade que é essencialmente e por natureza, Deus mesmo. Desse estado, esses homens privilegiados abaixam-se novamente para todas as necessidades da santa cristandade e então se dedicam, com uma santa oração e um santo desejo, a pedir tudo o que Deus quer que se peça; ocupam-se de seus amigos, dos pecadores, das almas do purgatório, provêem em toda caridade as necessidades de cada ser humano em toda a santa cristandade, não rezando individualmente por dona Matilde ou Cunegundes, mas de uma maneira toda simplificada e essencial. Da mesma forma que com um único olhar contemplo todos aqui, sentados diante de mim, assim eles abraçam tudo com um único olhar, como fazem os contemplativos. Depois voltam seus olhares para o abismo do amor, para a fornalha do amor, e ali repousam. Então essa ardente chama de amor recai como um orvalho sobre todos os que, na santa cristandade, estão em necessidade, para, dali, retornar logo ao abismo divino, ao amável repouso das silenciosas trevas. É assim que entram e saem e, no entanto, permanecem sempre no amável e silencioso abismo onde está o seu ser, a sua vida, onde está também todo o seu agir e todo o seu movimento. Onde quer que se os encontre, nunca se encontra neles senão uma vida divina. Sua conduta, suas operações, seus modos são totalmente divinos. São homens nobres, úteis a toda a cristandade; servem para a melhoria de todos os seres humanos, para a glória de Deus, para a consolação de todos. Habitam em Deus e Deus habita neles. Em todo lugar onde se os encontra, devem ser louvados. Possamos todos chegar a este grau. Que Deus nos ajude nisso! Amém.

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