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Teologia dos sacramentos de Orígenes (I) (JDO)

No texto da Homilia sobre os Números, onde enumerava alguns dos ritos que fazem parte da paradosis não escrita, após a oração para o oriente e a oração de joelhos, Orígenes citava “as palavras, os gestos, os ritos, as interrogações que ocorrem no batismo — e os ritos eucarísticos” (cf. Com. Rom., V, 8). A doutrina de Orígenes sobre os sacramentos é um dos aspectos mais difíceis e controversos de sua obra, especialmente no que diz respeito à eucaristia e à penitência. O único estudo abrangente sobre o assunto é o do Pe. de Balthasar, Le mysterion d'Origène. Além disso, o livro de Harnack que citamos fornece o material textual indispensável. Diremos algo sobre os três sacramentos, apresentando tanto o testemunho de Orígenes sobre a vida sacramental de seu tempo quanto a visão que ele propõe, como fizemos anteriormente para o culto e a hierarquia.

I. O batismo.

A doutrina do batismo ocupa um lugar à parte na teologia sacramental de Orígenes. Enquanto em outros domínios sua concepção do culto está ligada à sua visão pessoal de didascalo, aqui ela é a expressão da tradição da Igreja. Essa doutrina forma, junto com a da redenção e a do martírio, que fazem parte do mesmo conjunto, um bloco que foi poupado das especulações que encontramos em outros lugares. Isso se deve ao fato de estarmos diante de doutrinas sobre as quais já naquela época existia uma tradição muito firme na comunidade, e também, no caso do batismo, ao fato de Orígenes, como catequista, ter se impregnado dessa tradição comum.

Quanto ao estado da disciplina do batismo no tempo de Orígenes, devemos observar que é a época em que o catecumenato começa a ser organizado. Na Igreja primitiva, os pagãos que desejavam se converter procuravam um parente ou amigo que os instruía e os apresentava ao líder da comunidade. Temos um eco pitoresco, uma caricatura dessa propaganda cristã clandestina, no Discurso verdadeiro de Celso que Orígenes cita para responder. Celso, atacando o proselitismo dos cristãos, havia escrito: “Vemos, nas casas de particulares, cardadores, sapateiros, lavadeiros, pessoas sem qualquer tipo de educação ou cultura; eles evitam abrir a boca enquanto estão presentes os senhores que têm idade e juízo, mas assim que podem pegar crianças ou algumas mulheres à parte, tão desprovidas de bom senso quanto eles, então começam a contar maravilhas” (Contra Celsum, III, 55). Essa caricatura nos mostra a situação como existia na época em que Celso escrevia, ou seja, no final do século II.

Orígenes, ao responder, descreve, ao contrário, a situação de seu tempo. Ele protesta contra a assimilação do catequista aos filósofos ambulantes: “Esses filósofos que falam em público não escolhem seus ouvintes, mas quem quiser pode parar e escutar. Os cristãos começam, tanto quanto possível, por testar as almas daqueles que desejam ouvi-los e os formam em particular. Depois, quando esses ouvintes mostraram, antes de serem admitidos na comunidade, que progrediram em seu propósito de viver bem, então são introduzidos, formando um grupo separado daqueles que recentemente entraram e ainda não receberam o sacramento da purificação, e outro, daqueles que mostraram firme vontade de não desejar nada que não convém a cristãos. Alguns são designados para investigar a vida e os costumes dos admitidos” (C. Celsum, III, 51). Temos aqui um catecumenato organizado, que é o germe do que será no século IV o catecumenato definitivo: por um lado, um período indefinido em que o candidato é simpatizante e instruído por particulares; depois, o tempo de catecumenato, de instrução propriamente dita, em que alguns são designados tanto para ensinar quanto para formar. Sobre essa questão, pode-se ler B. Capelle, L'introduction du catéchuménat à Rome, Rech. théol. anc. et méd., V, 1933, p. 129, e Lebreton, Le développement des institutions ecclésiastiques à la fin du IIe siècle, R. S. R., 1934, p. 129.

Orígenes, que foi catequista, é uma testemunha preciosa do conteúdo da catequese batismal comum. Esta era, por um lado, uma preparação moral. Por isso, Orígenes insiste nas disposições necessárias para o batismo. Esse é um ponto que será amplamente desenvolvido pelos autores da antiguidade, e por uma razão simples: a iniciação nos mistérios pagãos não exigia nenhuma transformação moral, não era uma conversão. Nock destacou esse ponto em seu belo livro Conversion (p. 14 sqq). Era necessário, portanto, insistir no fato de que o cristianismo implicava uma transformação moral: “Si quis vult baptizari, egrediatur. Aquele que permanece em seu estado anterior e não abandona seus hábitos e sua conduta não se apresenta ao batismo com as disposições adequadas. Por isso, tudo o que João Batista diz àqueles que vêm se batizar por ele, é a vocês também, ó catecúmenos e catecúmenas, que ele diz, a vocês que se preparam para vir ao batismo” (Hom. Luc, XXII; IX, 146). E antes: “Vinde, catecúmenos, fazei penitência para obter o batismo para a remissão dos pecados: se alguém vem ao batismo com disposições culpáveis, não obtém a remissão dos pecados. Por isso, suplico, não venham ao batismo sem reflexão e atenção, mas mostrem primeiro frutos dignos de penitência. Passem algum tempo em uma vida pura e então obterão a remissão dos pecados” (Hom. Luc. XXI; IX, 140. Veja também Hom. Ezech., VI, 7).

Orígenes frequentemente se dirige em suas Homilias aos catecúmenos que faziam parte de sua audiência. Ele insiste muito na necessidade da conversão moral que deve preceder o batismo: “Vocês que desejam receber o santo batismo, primeiro devem ser purificados pela fé, devem primeiro, pela audição da Palavra de Deus, remover as raízes dos vícios e apaziguar seus hábitos bárbaros para que, revestidos de humildade e mansidão, possam receber a graça do Espírito Santo” (Hom. Lev., VI, 2) ou ainda: “Vinde, catecúmenos, fazei penitência para receber pelo batismo a remissão dos pecados” (Hom. Luc, XXI). Orígenes sempre insistirá na importância das disposições na recepção dos sacramentos. Ele chega a escrever: “Se alguém vem ao batismo pecando, não obtém a remissão dos pecados” (ibid.). E partindo do simbolismo do batismo, escreve: “É preciso primeiro morrer para o pecado, para poder ser sepultado com Cristo” (Comm. Joan., V, 8).

Mas, embora insista na importância das disposições, Orígenes ensina a eficácia do sacramento em si. Em um texto notável, ele o compara às curas milagrosas de Cristo: “É preciso saber que, assim como as dynameis surpreendentes nas curas operadas pelo Salvador, símbolos daqueles que, em todos os tempos, são purificados pelo Logos de toda doença e toda mancha, foram, no entanto, eficazes, em sua realidade corporal, ao chamar à fé aqueles que receberam a graça, assim também o banho de purificação pela água, símbolo da purificação da alma lavada de toda mancha e malícia, não é menos que a virtude das invocações à Trindade adorada, para aquele que se oferece à divindade, princípio e fonte das graças divinas” (Comm. Joh., VI, 17; IV, 142). O paralelismo estabelecido aqui entre a humanidade de Cristo e o rito visível como instrumento da graça invisível é bastante notável e situa bem o sacramentalismo em seu verdadeiro plano.

Mas o papel do catequista não é apenas preparar os corações, mas também instruir as inteligências. Assim, Orígenes especifica a natureza da “graça” batismal. Ela é um mistério de morte e ressurreição com Cristo: “Aqueles que são batizados são batizados na morte de Cristo e são sepultados com ele pelo batismo na morte” (Comm. Rom., VIII, 5). Orígenes encontra esse mistério no Êxodo: “Lembrai-vos do que foi lido acima, quando Moisés dizia ao Faraó: Faremos uma viagem de três dias no deserto e imolaremos ao Senhor nosso Deus. Era o triduum para o qual Moisés se apressava e ao qual o Faraó se opunha. Ele não permitia que os filhos de Israel chegassem ao lugar dos milagres, não permitia que avançassem, de modo a poder desfrutar dos mistérios do terceiro dia. Ouvi, pois, o profeta que diz: O Senhor nos ressuscitará após dois dias e no terceiro dia ressuscitaremos e viveremos sob seu olhar (Oséias, VI, 3). O primeiro dia é para nós a Paixão do Senhor, o segundo, aquele em que ele desceu aos Infernos, o terceiro, o dia da ressurreição. E assim, no terceiro dia, Deus os precedia, durante o dia em uma coluna de nuvem, durante a noite em uma coluna de fogo. Se, conforme dissemos acima, nessas palavras, o Apóstolo nos mostra com razão o sacramento do batismo, é necessário que aqueles que são batizados em Cristo sejam batizados em sua morte, sejam sepultados com Ele e com Ele ressuscitem dos mortos no terceiro dia, segundo a palavra do Apóstolo: Ele nos ressuscitou com Ele e nos fez assentar com Ele nos céus. Quando, portanto, receberdes o mistério do terceiro dia, o Senhor começará a conduzir-vos e a mostrar-vos Ele mesmo o caminho da salvação” (Hom. Ex., V, 2; Baehrens, 186). Temos, nesse texto, a fusão de duas interpretações paulinas do batismo: por um lado, alusão a 1Cor., X, 2: o batismo na nuvem e no mar; e por outro, a Rom., VI, 3, o batismo como morte e ressurreição com Cristo.

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