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O Precursor (JDO)

JDO

A teologia de João, o Precursor, constitui a ligação natural entre a teologia dos anjos e a do Cristo. Essa teologia ocupa um lugar importante na doutrina de Orígenes e está em correlação com a angelologia. É notável que essas duas características ainda hoje marquem a teologia oriental. A importância eminente de João Batista nela é conhecida. Bulghakov, por exemplo, dedicou uma de suas obras ao “amigo do Esposo” e aos anjos.

Para Orígenes, João Batista representa a preparação visível da vinda do Verbo, assim como os anjos representam sua preparação invisível. Essa preparação foi obra de todos os enviados de Deus no Antigo Testamento (De Prim., II, 6, 1). Mas é João que é o seu ápice (Co. Jo., I, 13). Orígenes explica, além disso, em um belo desenvolvimento, que João é a voz (phone), mas que Jesus é a palavra (logos) (Co. Jo., II, 32). Mas sobretudo ele nota — e este é o ponto mais notável de sua doutrina —, que João é o precursor de Jesus em todas as suas “parousias” (Co. Jo., II, 37; 96, II). Ele lhe dá testemunho antes de seu nascimento, quando exulta no seio de sua mãe à sua aproximação. Ele é precursor da vida pública (Ho. Luc., VI). Ele morre pouco antes da morte do Filho do Homem, “a fim de que, precedendo o Cristo, não somente junto daqueles que estão no nascimento, mas também junto daqueles que esperam do Cristo a libertação da morte, ele disponha por toda parte um caminho preparado para o Senhor” (Co. Jo., II, 37).

Ele continua a cumprir perpetuamente essa missão na Igreja e nas almas: “Eu penso que o mistério de João (sacramentum Joannis) ainda se cumpre hoje no mundo. Quem quer que seja destinado a crer no Cristo-Jesus, é preciso que antes o espírito e a virtude de João venham à sua alma para preparar ao Senhor um povo perfeito e aplanar os caminhos nas asperezas do coração. Não foi somente naquele tempo que as vias foram aplanadas, mas ainda hoje o espírito de João precede a parusia do Senhor” (Ho. Le., IV; 29). Finalmente, ele também precede sua parusia gloriosa: “É ele que é Elias, aquele que deve vir” (Co. Jo., II, 37).

Em tudo isso, o papel de João aparece como paralelo ao dos anjos. Mas no pensamento de Orígenes, há entre eles um parentesco muito mais profundo que é notado no Comentário sobre São João. Orígenes comenta o texto do Prólogo: “Houve um homem enviado de Deus.” Se alguém procura compreender mais exatamente o que significa “enviado” (apestalmenos), ele procurará de onde João foi enviado e para onde. A resposta à segunda pergunta é clara: ele foi enviado a Israel e àqueles que queriam ouvi-lo, permanecendo no deserto da Judeia e batizando perto do Jordão, isto é, no sentido anagógico (bathyteron) no mundo, mundo significando o lugar que cerca a terra, onde os homens habitam. Resta a questão de onde ele foi enviado. Examinando mais a fundo a expressão, talvez apareça que, do mesmo modo que está escrito sobre Adão: “Deus o enviou para fora do Paraíso de Delícias para cultivar a terra”, assim João foi enviado ou do céu ou do Paraíso, ou de algum outro lugar que se queira, para fora deste lugar terrestre. E ele foi enviado para dar testemunho da verdade“ (Co. Jo., II, 29).

Essa passagem estranha se liga a um aspecto da doutrina de Orígenes da qual ainda não falamos. Vimos que, para ele, as fronteiras entre o mundo dos homens e o mundo dos anjos eram pouco definidas. Normalmente, o que faz passar de uma categoria para a outra é o mérito ou o demérito. Há, contudo, uma exceção a isso. Do mesmo modo que o Logos, rei dos anjos, se fez carne para salvar os homens, da mesma forma certos anjos, pertencentes às categorias superiores, sem nenhum demérito de sua parte, foram enviados ao país do exílio para preparar os caminhos do Verbo e sua própria descida. É essa katabasis (descida) que é figurada pela “descida” dos patriarcas no Egito: “Essa descida dos patriarcas no Egito, isto é, neste mundo, pode-se estimar que ela foi permitida por Deus para a iluminação do resto e para a instrução do gênero humano, a fim de que as outras almas sejam iluminadas e ajudadas por eles” (IV, 3, 12). Reencontramos essa ideia em outro lugar: “Nem todo cativo suporta o cativeiro por causa de seus pecados. De fato, enquanto toda a multidão dos judeus tinha sido abandonada por Deus por causa de seus pecados e expulsa da terra santa para ser conduzida até a Babilônia, alguns justos, no entanto, que estavam no povo, sofreram o cativeiro, não por causa de seus pecados, mas para socorrer aqueles que estavam cativos por causa de seus pecados” (Ho. Ez., I, 1). Não é dito aqui que esses enviados sejam anjos descidos ao mundo, mas é, no entanto, o pensamento profundo de Orígenes. Basta nos lembrarmos de um texto que já citamos e que em seu contexto tomará agora sua significação. É o dos operários da última hora. Orígenes nos mostrava ali os operários muito tempo ociosos e que, quando são chamados por sua vez, recebem o mesmo salário que aqueles que são chamados mais cedo. É que, de fato, eles desejavam desde o início ser enviados ao mundo. Eles são a figura dos mensageiros que Deus envia nas épocas sucessivas (Co. Mth., XV, 35). Quanto à origem dessa concepção, Orígenes nos indica ele mesmo que uma de suas fontes é a Apocalíptica judaica (Co. Jo., II, 31).

O caso de João Batista se liga a essa doutrina geral da “encarnação” (katabasis) de certos anjos enviados para preparar a encarnação do Verbo, e que é distinta das missões invisíveis dos anjos das quais falamos no capítulo precedente: “Se a opinião geral sobre a alma, a saber que ela não é transmitida pela geração, mas que ela existe antes, e que por razões variadas, ela reveste a carne e o sangue, é verdadeira, a palavra 'enviado de Deus', a respeito de João, não parecerá mais uma coisa extraordinária. Vê se a questão não é resolvida pelo fato de que, do mesmo modo que, no sentido mais geral, todo homem é homem de Deus pelo fato de que é criado por Deus, mas que nem todo homem é chamado homem de Deus, mas só aquele que é consagrado a Deus, como Elias; assim no sentido geral, todo homem é enviado por Deus, mas não é dito propriamente enviado de Deus senão aquele que vem (ekchion) nesta vida para o serviço e a liturgia da salvação da raça dos homens” (Co. Jo., II, 30).

E Orígenes precisa que se trata bem assim no caso de João da encarnação de um anjo: “E já que é de João que falamos, pesquisando seu apostolado (apostole) não é fora de propósito propor a opinião (hyponoia) que temos sobre ele. Lemos em uma profecia: 'Eis que eu envio meu anjo diante de tua face, para preparar o caminho diante de ti'. Perguntemo-nos se um dos santos anjos não é enviado como precursor para o serviço (leitourgia) de nosso Salvador. O que há de surpreendente, se o Primogênito de toda a criação se encarna por filantropia, que haja certos emuladores e imitadores do Cristo que ponham sua satisfação agapesa em servir pela semelhança do corpo a bondade que ele lhes testemunha? Além disso, quem não seria tocado pelo fato de que ele estremece de alegria estando ainda no seio de sua mãe e não veria nisso uma prova de que ele ultrapassa a natureza humana comum?” (Co. Jo., II, 31). Trata-se bem aqui de uma encarnação dos anjos que precede e prepara a Encarnação do Cristo, os logoi-angeloi prefigurando e preparando o que o Logos cumprirá em plenitude. Para Orígenes, “aqueles que desde o começo ocuparam um lugar eminente entre os homens, sendo muito superiores às outras almas, são anjos que desceram para a natureza humana. E assim é confirmada a palavra, dizendo que João, sendo um anjo, veio no corpo para dar testemunho da luz” (Co. Jo., II, 31).

Ao lado do problema das relações entre o Precursor e os Anjos, uma segunda questão é colocada por sua aproximação com Elias que intervém em um certo número de passagens da Escritura que Orígenes reúne (Co. Jo., VI, 11). João é Elias redivivus? A coisa é debatida várias vezes na obra de Orígenes (Co. Jo., VI, 7; Co. Mth., X, 20, XII, 9, XIII, 1; Ho. Le., IV). A questão é colocada pelo Comentário sobre São João: “Alguém dirá que João ignorava que ele fosse Elias. E é talvez a razão que utilizarão aqueles que creem na metempsicose (metempsychosis), pensando que a alma reveste corpos sucessivos e não se lembra de suas vidas precedentes. Eles se apoiarão também no fato de que certos judeus diziam do Cristo que ele era um dos antigos (profetas) ressuscitados, não do túmulo, mas por um novo nascimento” (Co. Jo., VI, 7). Orígenes se contenta, no Comentário sobre São João, em relatar essa opinião. No Comentário sobre Mateus, ele a combate. “Nessas passagens, Elias não me parece designar uma alma (psyche), senão cairíamos na doutrina, estranha à Igreja de Deus, da metempsicose, que não faz parte nem da tradição, nem das Escrituras” (Co. Math., XIII, 1). Se essa opinião fosse verdadeira, a alma poderia sempre passar de corpo em corpo e o mundo não teria fim, o que é uma doutrina pagã.

Como então interpretar a relação de Elias e de João Batista? Orígenes nota que é dito, não que João teve a alma (psyche) de Elias, mas o espírito (pneuma) de Elias: “Nota que Gabriel não diz que João veio na alma de Elias, de modo que isso dê lugar à metempsicose, mas no espírito de Elias. Portanto, João é chamado Elias, não por causa de sua alma, mas por causa de seu espírito e de sua potência. O que não fere em nada a doutrina da Igreja se esse espírito esteve primeiro em Elias, depois em João” (Co. Mth., XIII, 2). Orígenes se pergunta então o que é o pneuma. Ele nota que há o pneuma de um homem, que lhe é pessoal e o πνϵu~μα que está em um homem. Elias, portanto, teve um espírito (isto é, uma graça) particular, que repousou em seguida sobre Eliseu e que desceu sobre João em seu nascimento. João, portanto, teve por um lado a de ser cheio do Espírito Santo desde o seio de sua mãe, e por outro lado de caminhar diante do Cristo no espírito de Elias” (Co. Math., XIII, 2; ver Co. Luc., IV; 29).

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