Jean Daniélou – Cosmologia de Orígenes
JDO
O mundo se apresenta a Orígenes como compreendendo uma variedade muito grande de condições. “Neste mundo, alguns seres são chamados supracelestiais (hyperourania), isto é, estabelecidos em moradas bem-aventuradas e revestidos de corpos celestes e luminosos; e entre eles, há muitas diferenças: o Apóstolo mesmo diz que uma é a glória do sol, outra a glória da lua, outra a glória das estrelas e que ‘a estrela difere da estrela em claridade’. Outros seres são chamados terrestres e entre eles, isto é, entre os homens, a diferença não é pequena: uns são bárbaros, outros gregos; uns civilizados, outros selvagens; alguns, desde o nascimento, são de baixa condição, de condição servil e recebem uma educação de escravos e são submetidos a mestres, a príncipes ou a tiranos, outros recebem uma educação de homens livres; alguns têm boa saúde, outros são enfermos desde a infância. Há, além disso, potências invisíveis às quais foi confiado o cuidado de governar as coisas da terra; e entre elas também não há pouca diferença. Quanto aos animais sem palavra (muta, alogoi), aos pássaros e aos peixes, é inútil fazer perguntas sobre eles, já que não devem ser considerados como fins em si (principalia, hegoumenós), mas como relativos (consequentia, akolouthos)” (Prine., II, 9, 3).
Esse texto do Tratado dos Princípios nos dá o ponto de partida da especulação de Orígenes: a constatação empírica da desigualdade das condições das criaturas espirituais. Podemos notar, de antemão, dois traços. Por um lado, para ele, só existem realmente as pessoas espirituais: apenas elas são criadas principaliter (ver 1, 2, 2). Seu universo é um mundo de liberdades. O resto tem uma existência secundária. Além disso, vemos que o mundo das criaturas espirituais contém três categorias principais: os habitantes da região que está acima do céu, isto é, os astros; os habitantes da terra, que são os homens de diversas condições; e por fim as potências boas ou más que presidem às coisas humanas. Isso, Orígenes o propõe γυμναστικϵˊς (gymnastikôs): vimos, de fato, que esses problemas entram nas questões disputadas. Eles nos colocam, contudo, desde o início, em uma visão do Cosmos que é bem a do médio platonismo, de Albinos em particular.
Ora, esse Cosmos “variado” levanta um problema. Tudo foi feito por Deus. Por conseguinte, no que foi feito não há nada de injusto, nem de fortuito (II, 9, 4). Como, então, essa infinita variedade dos seres pode ser compreendida como inteiramente justa? Orígenes diz que é certo que não se pode explicar isso pela inteligência e pela palavra humana, mas que é preciso invocar suplicando o próprio Verbo, sabedoria e justiça, que é o Filho único de Deus, que, por sua graça se espalhando sobre nossos sentidos, se dignará iluminar as coisas obscuras, abrir o que está fechado, manifestar as coisas secretas (4). É, portanto, um dos grandes mistérios de sua teologia que Orígenes declara abordar aqui. A afirmação, formal, de que este mundo variado é obra de um Deus único e bom choca-se com a objeção dos gnósticos, diz-nos de fato Orígenes: “Quando dizemos que o mundo, disposto em sua variedade, foi feito por Deus que afirmamos ser bom e justo, muitos têm o costume de nos fazer uma objeção (e sobretudo aqueles que, pertencendo à escola de Basilides, de Valentim e de Marcião, afirmam que existem diversas naturezas (physeis) de almas): como convém à justiça de Deus, criando o mundo, dar a uns uma morada nos céus e não apenas dar-lhes uma morada melhor, mas lhes conceder um posto superior dando a uns o principado, a outro os poderes, a outros as dominações, a outros ainda os importantes assentos dos tribunais celestes, a outros de brilhar com o fulgor cintilante das estrelas? E, para dizê-lo em uma palavra, se não faltam ao deus criador nem a vontade nem a potência de realizar uma obra boa, qual pode ser a causa pela qual, criando naturezas espirituais, ele estabeleça umas em um grau mais elevado, as outras em graus inferiores?” (II, 9, 5).
Podemos notar de passagem que essa impaciência por hierarquias de fato, que não correspondem à hierarquia espiritual dos méritos, talvez nos dê uma das razões pelas quais Orígenes atribui também pouca importância ao aspecto institucional na ordem da hierarquia eclesiástica, que é um reflexo da hierarquia angélica. Constatamos, mais uma vez, a extraordinária unidade de seu pensamento. Mas, seja como for, Orígenes constata que o mesmo problema da desigualdade das condições se coloca também — e de forma mais marcante — no mundo dos homens: “Os gnósticos objetam também, a propósito do que acontece na terra, que uns têm a sorte de um nascimento mais feliz, de modo que, por exemplo, seja filho de Abraão e nasça por conseguinte da promessa, ou nasça de Isaque e de Rebeca e que ainda no ventre, suplante seu irmão e, antes mesmo de nascer, seja dito amado de Deus. Da mesma forma, um nasce entre os hebreus, junto a quem encontra a instrução da Lei divina, outro entre os gregos, que são eles mesmos sábios e homens de grande cultura, mas outro entre os negros, que têm o costume de se alimentar de carne humana, ou entre os citas, entre quem o parricídio é reconhecido pela Lei, ou entre os habitantes do Tauro, que matam os estrangeiros” (II, 9, 5).
Os gnósticos concluem: “Se essa grande diversidade das coisas e essa variedade das condições humanas, onde a liberdade não tem parte (ninguém, de fato, escolhe para si mesmo onde, em que país, em que condição nascerá), se isso não é feito pela diversidade das naturezas das almas, ou seja, que a alma má seja destinada a uma nação má, a alma boa a uma nação boa, o que resta senão pensar que essas coisas são determinadas pelo acaso e pela fortuna?” (II, 9, 5). Portanto, se não é a liberdade que decide as condições e as naturezas, é preciso que seja ou o acaso, ou a diversidade das naturezas tal como os gnósticos a concebem. Mas a coisa é muito grave porque, diz Orígenes, “se aceitamos essa solução, não se deverá mais crer que o mundo seja feito por Deus, nem governado por sua Providência e, por conseguinte, não se deverá mais esperar um juízo de Deus sobre os atos de cada um”: não há mais nem Providência nem mérito, ou seja, as duas teses essenciais de Orígenes são evacuadas (ver também, I, 8, 2).
Vemos, então, como Orígenes será conduzido à sua teoria da pré-existência e da igualdade anterior dos espíritos em relação à existência do mundo. É a única maneira para ele de manter a justiça de Deus e a liberdade: toda diferença de condição no mundo terá seu princípio nos méritos ou nos deméritos anteriores. Chegamos ao texto capital: “Deus, quando criou no princípio (en arche) o que quis criar, isto é, as naturezas dotadas de razão (logiká) não teve outra razão para criar senão Ele mesmo, ou seja, sua própria bondade. Como é Ele mesmo que é a causa do que devia ser criado e que n'Ele, não havia nem variedade alguma, nem mudança, nem impossibilidade, Ele criou aqueles que Ele criou todos iguais e semelhantes” (II, 9, 6).
Assim aparece aqui um primeiro aspecto do pensamento de Orígenes: a pré-existência dos espíritos todos iguais no mundo. Nosso texto atual do Tratado dos Princípios não desenvolve esse aspecto do origenismo, mas é provavelmente porque Rufino o minimizou. É seguramente o pensamento de Orígenes, pois não somente isso lhe é atribuído por seus adversários (Justiniano, Ep. ad Mennam, Mansi, IX, 513 B. C.), mas seus próprios discípulos lhe reprovam essa tese. Koetschau cita uma passagem de Gregório de Nissa onde ele vê uma citação textual de Orígenes: “As almas pré-existiram (proupestanai) em uma forma de vida própria como uma espécie de povo” (De Hom. Op., 28; Tratado dos Princípios, I, 8, 4; ver também De An. et Res., P. G., XLVI, 112 C). Aliás, o texto de Rufino faz frequentes alusões a essa doutrina.
Mas voltemos ao nosso texto. Todos os espíritos são, portanto, iguais originalmente. Mas, ao mesmo tempo, eles são livres: “As criaturas razoáveis, como mostramos frequentemente, são dotadas da faculdade do livre-arbítrio” (II, 9, 6). Orígenes dedicou um livro inteiro do Tratado dos Princípios à doutrina do livre-arbítrio, o terceiro; ele estabelece a realidade disso pela análise do ato livre mostrando que ele é uma consequência da razão, não sendo o homem determinado pelas imagens (phantasiai) e podendo dar ou não seu consentimento (synkatathesis). Assim não se deve acusar os acontecimentos exteriores. Nenhuma ocasião de pecado acarreta necessariamente o pecado. Nenhum homem é necessariamente pecador; nenhum, aliás, também é inconversível. Além disso, a liberdade é a própria condição do valor do ato humano, o que o torna digno de mérito ou de demérito (III, 1, 2-5). Ela está ligada à própria dignidade do ser espiritual.
Ora, a liberdade comporta essencialmente uma certa mutabilidade: “A liberdade impulsionou cada um ou a progredir (prokope) pela imitação de Deus, ou a decair pela negligência” (II, 9, 6). Orígenes precisa isso um pouco mais acima: “Como as naturezas razoáveis que foram feitas no começo, foram criadas, enquanto antes não existiam, pelo próprio fato de que não existiam e que começaram a existir, elas são necessariamente mutáveis e móveis, porque, seja qual for a virtude comunicada à sua substância, ela não lhes pertence por natureza, mas ela era dada por Deus. O que elas são, portanto, elas não o detêm de si mesmas, mas de um dom de Deus. Ora, tudo o que foi dado pode também ser tirado e se retirar. A causa desse retiro será que o movimento da alma não seja dirigido retamente e como se deve. De fato, o criador concedeu aos espíritos criados por ele movimentos voluntários e livres, pelos quais eles se apropriariam do bem o guardando por sua própria vontade. Mas a lentidão (desidia) e a lassidão do esforço na guarda do bem e o afastamento e a negligência das coisas melhores deram sua origem ao retiro do bem. Ora, sair do bem, não é outra coisa senão ser estabelecido no mal. E disso se segue que na medida em que alguém se desvia do bem, na mesma medida ele se estabelece no mal” (II, 9, 3).
Vemos aparecer aqui uma teoria da liberdade muito notável. O espírito criado recebe-se perpetuamente de Deus. Sua existência é um progresso perpétuo. Ele não constitui uma natureza particular. Ele é transcendente a todas as naturezas, já que é imagem de Deus. Mas sua diferença radical em relação a Deus, é que os bens que Deus possui por natureza, ele os possui por graça. É preciso, portanto, representar o espírito criado como um deus em perpétuo devir. Sua existência é, portanto, um crescimento perpétuo, pelo qual ele nunca para no estágio em que chegou, mas se abre perpetuamente por sua liberdade a novas graças. Ele é pura ação de graças. Mas que ele pare de ficar aberto à graça, que ele queira parar em um estágio particular, que, por lassidão, por medo do esforço, ele pare e cesse de se abrir a novos bens; ou ainda que ele cesse de ficar totalmente voltado para Deus para se bastar a si mesmo, por si só, ele se torna uma natureza, uma ϕυˊσις (physis), uma realidade determinada. Reencontramos, portanto, aqui, no próprio princípio da queda, a lei que encontramos na teologia da história ao vermos o povo judeu se recusar a renunciar ao seu passado: o espírito é progresso e o mal é, por definição, recusa do progresso.
Esse progresso, além disso, é tão constitutivo da alma que ele continua na vida eterna. Aqui, Orígenes anuncia Gregório de Nissa: “Assim, pela operação contínua em nós do Pai, do Filho e do Espírito Santo, exercendo-se através de cada um dos graus da progressão, é a duras penas que podemos às vezes contemplar a vida bem-aventurada, onde quando for possível alcançá-la após múltiplos combates, devemos permanecer de modo que nunca nenhuma saciedade desse bem se apodere de nós, mas que, quanto mais percebemos dessa beatitude, mais seu desejo em nós se dilata e aumenta, à medida que apreendemos e que mantemos mais ardentemente e mais compreensivamente o Pai, o Filho e o Espírito Santo. E, se às vezes a saciedade atinge alguém daqueles que estão estabelecidos no mais alto grau, não penso que logo ele seja rejeitado e caia, mas que é necessário que ele volte pouco a pouco e pouco a pouco reencontre o estado que ele havia perdido por sua negligência” (I, 3, 8).
Chegamos aqui ao princípio fundamental da cosmologia de Orígenes: as naturezas livres são necessariamente mutáveis; a diversidade das naturezas tem seu princípio na diversidade de suas opções: “Segundo os movimentos de sua liberdade, cada espírito negligenciando mais ou menos o bem foi arrastado para o contrário do bem que é o mal. É daí que o criador parece ter tirado os princípios e as causas da variedade e da diversidade, de modo que de acordo com a diversidade dos espíritos, ou seja, das criaturas razoáveis, ele criasse um mundo variado e diverso” (II, 9, 2. Cf. Co. Mth., XII, 41; Tratado dos Princípios, II, 1, 1). Essa queda afeta a totalidade das criaturas espirituais, com a única exceção, como veremos, da alma pré-existente de Cristo (I, 8, 3). Ela dá assim origem às diversas naturezas espirituais: hierarquias angélicas, corpos celestes, condições e raças humanas. Essa queda é um dos mistérios ocultos da Escritura (Hom. Gen., XV, 5; C. Cels., V, 29).
Um texto nos precisará bem seu pensamento: “Antes dos éons, todos os espíritos (nóes) eram puros, demônios, almas e anjos, servindo (leitourgountes) a Deus e cumprindo seus mandamentos. O diabo que era um deles, tendo o livre-arbítrio, quis se opor a Deus e Deus o rejeitou. Todas as outras potências caíram com ele e umas tendo muito pecado se tornaram demônios, as outras menos, anjos, as outras ainda menos, arcanjos: e assim, cada um obteve sua parte segundo sua própria culpa. Restavam as almas, que não tinham pecado o suficiente para se tornarem demônios nem eram leves o suficiente para serem anjos. Deus fez, portanto, o mundo presente e ligou a alma ao corpo para a punir. Não é, de fato, porque Deus olha para as pessoas que ele fez de todas as criaturas espirituais que eram de uma só natureza uma um demônio, a outra um anjo, a outra um homem, mas segundo o pecado de cada uma. Se não fosse assim, e se as almas não pré-existissem, como encontraríamos alguns cegos de nascença sem ter pecado e outros não tendo feito nada de mal?” (I, 8, 1).
Em outro lugar Orígenes explica que a consumação das coisas terá lugar quando tudo for submetido ao Filho: “O fim, de fato, é sempre semelhante ao começo. E assim, como o fim de todos é um, assim o começo de todos deve ser considerado como um; e como há um fim um a uma multidão, assim, a partir de um único começo, houve numerosas variedades e diversidades, que novamente pela bondade de Deus, pela submissão a Cristo e pela unidade do Espírito Santo, são reconduzidas a um fim único que é semelhante ao começo, quero dizer a variedade de todos aqueles que estão no céu, na terra e nos infernos. Nessas três coisas, todo o universo é significado, ou seja, aqueles que, a partir de um único começo, conduzidos de forma diversa, cada um pela variedade de seus movimentos, foram dispostos em diversas ordens segundo seus méritos. De fato, a bondade não lhes pertencia por natureza, como é o caso para Deus, seu Cristo e o Espírito Santo. Por causa de sua própria culpa, não sendo continuamente atentos a si mesmos, eles caíram mais ou menos rapidamente e em um grau mais ou menos grande. E a partir dessa causa, pelo juízo divino que se proporciona aos movimentos melhores ou piores de cada um e segundo seu mérito, um obterá no mundo futuro o posto de anjo, ou uma potência principal ou uma potência (exousia) sobre alguns, ou um trono sobre aqueles que são regidos ou o senhorio sobre servos. Aqueles que não caíram completamente serão conduzidos e ajudados (oikonomia kai boetheia) por aqueles de quem acabamos de falar. E, assim, sem dúvida, a raça humana será constituída, neste mundo unificado, daqueles que são submetidos às principados, às potências, aos tronos e às dominações, às vezes também no lugar destes últimos. É preciso saber enfim que alguns daqueles que caíram desse começo um, que dissemos, se entregaram a tanta indignidade e malícia que não somente eles foram considerados indignos dessa instrução e dessa formação pelas quais a raça humana na carne é ajudada pelas virtudes celestes, mas muito ao contrário, que eles são adversários que se opõem àqueles que se fazem instruir” (I, 6, 2. Cf. I, 8, 4).
Vê-se como se constituirá a variedade das criaturas. Ela compreende três categorias principais que correspondem à divisão paulina: por um lado, aqueles que menos caíram terão a função de governar e de ajudar aqueles que lhes são inferiores: são os cœlestia, anjos e astros, que Deus associa à sua obra. Podemos notar aqui que Rufino falseou o pensamento de Orígenes. Ele o faz dizer que “alguns permaneceram no princípio” (I, 6, 2), enquanto o texto grego não diz nada de tal e isso nos permite corrigir I, 8, 3 onde não temos o texto grego. A queda, para Orígenes, é universal, dissemos. A segunda categoria é a daqueles que estão no meio, os “terrestria”, a raça dos homens, que são aqueles que são ajudados e que, por essa ajuda, podem ser restituídos na beatitude. A terceira categoria é enfim a dos anjos maus que não são suscetíveis de cura (pelo menos neste mundo) e que, ao contrário, tentam atrapalhar os homens. Vemos logo como essa visão do mundo se harmoniza com o problema espiritual. Orígenes nos mostrará cada alma tomada entre um bom e um mau espírito. É toda a questão do discernimento dos espíritos. Cosmologia e espiritualidade correspondem exatamente ao mesmo esquema.
A descrição desse cosmos espiritual é para Orígenes um dos grandes mistérios da Escritura. É ele que é figurado pelas diversidades dos povos e a diversidade das tribos. Assim no Comentário sobre Mateus: “Elevar nosso espírito depois de ter falado de Israel e das doze tribos, de modo a falar das doze ordens de raças de almas, das quais as mais excelentes são constituídas no cume e as outras, arranjadas em onze partes, estão no segundo grau, isso está acima de nossas forças” (Co. Mth., XV, 24). As Homilias sobre o Levítico retomam o tema: “Os doze me parecem conter a figura da totalidade da criação espiritual: as grandes ordens da criação espiritual são, de fato, consideradas como sendo em número de doze, cuja figura estava nas doze tribos” (Ho. Lev., XIII, 4). Além disso, a diversidade dos povos comporta igualmente um simbolismo: “Quando Cristo diz que veio para as ovelhas perdidas da casa de Israel, isso deve ser compreendido de uma raça de almas, que é nomeada Israel” (De Prine., IV, 3, 8). Os egípcios, os babilônios figuram por sua vez outras raças (IV, 3, 9). Essas diferentes raças de almas ocupam moradas diversas das quais Orígenes vê igualmente a figura na Escritura: “De mesmo modo que há uma Jerusalém e uma Judeia celeste, assim é possível que haja lugares vizinhos desses que sejam chamados Egito, Babilônia ou Tiro e que as almas ou os príncipes desses lugares, se há quem neles habitem, sejam chamados egípcios, babilônios ou tirios” (IV, 3, 9. Cf. Ho. Jer., XXI, 2; Ho. Ez., II, 14; XII, 2; Ho. Gen., XV, 5; Ho. Jos., XXIII, 4).
Entre essas diversas categorias, não há, aliás, divisórias estanques. Elas são graus de decadência: quando um se levantar, ele passará para a hierarquia superior, e inversamente, ele poderá cair para a de baixo. E como o livre-arbítrio permanece sempre o princípio essencial, com o amor de Deus, e nunca é evacuado, essas ascensões e essas quedas serão sempre possíveis. Orígenes continuava assim a passagem que citávamos: “Penso que entre aqueles que são submetidos às potências más, às dominações e aos cosmocratas, em um mundo ou através de vários mundos, alguns, bem rapidamente, praticando o bem e querendo sair de si mesmos, virão a completar a humanidade” (I, 6, 3). Rufino diz somente: “Se converterão à bondade”. Mas sua própria tradução acrescenta mais adiante: “Disso se segue, por conseguinte, que toda natureza razoável pode, passando de uma ordem para a outra, chegar, atravessando-as, cada um a todos e de todos a cada um, na medida em que cada um segundo seus movimentos próprios recebe acréscimos variados de defeitos ou de progressos por sua liberdade” (I, 6, 3). Encontraremos numerosas aplicações desse princípio, em particular no que concerne às missões dos anjos que se tornam homens, como João Batista, e a salvação dos demônios que se tornam novamente homens primeiro, depois anjos, enquanto esperam o retorno à unidade primitiva.
Que relação há entre essa queda dos logika e o mundo dos corpos? Isso é um dos problemas de toda cosmologia. Para Orígenes, o corpo não faz parte da natureza de nenhum ser, já que não há natureza. Seu pensamento parece ser este. Originalmente, todos os espíritos são inteiramente incorpóreos. Pela queda, todos se revestem de corpos. Mas a queda não consiste, como em Platão ou Plotino, em descer para o sensível. A corporiedade não é má (C. Cels., III, 42.) Não há, em Orígenes, condenação do corpo e este é um ponto capital pois ele responde à principal objeção dos platônicos contra a Encarnação (C. Cels., IV, 14-15). Seu pensamento é todo orientado contra aqueles que, precisamente, condenam os corpos e veem neles o princípio do mal. O mal está na única vontade (C. Cels., IV, 65). A corporiedade está, portanto, ligada não ao mal mas à diversidade: “A diversidade do mundo não pode subsistir sem corpos” (II, 1, 4). Além disso, esses corpos são proporcionados à decadência. Eles são assim um castigo; mas todo castigo é para Orígenes um meio de reerguimento. A corporiedade é, portanto, uma consequência da queda. Ela deverá cessar um dia e a apocatástase será um retorno à pura espiritualidade. A ressurreição não será negada por isso, mas ela representará somente uma etapa na via do retorno à espiritualidade: o corpo glorioso é um grau intermediário entre o corpo terrestre e animal e o estado de puro espírito (ver Koch, p. 37). Isto é claramente afirmado em uma citação que Jerônimo faz e que Koetschau integra em sua edição: “Todas as criaturas racionais, incorpóreas e invisíveis, se elas se tornam negligentes caem pouco a pouco para planos inferiores e segundo a natureza dos lugares onde elas se espalham, assumem corpos, por exemplo primeiro corpos etéreos, depois corpos aéreos, depois, quando elas se aproximam da vizinhança da terra, elas são revestidas de corpos mais grosseiros e enfim, em último lugar, elas são ligadas a carnes humanas” (I, 4, 1).
A esse respeito, podemos tomar o exemplo particular dos corpos celestes, dos quais não dissemos nada a propósito da diversidade das criaturas do mundo. Orígenes começa por lembrar que “por sua própria natureza, todas as criaturas racionais são incorpóreas” (I, 7, 1). Ele estabelece primeiro pela Escritura que as estrelas e os astros são seres vivos: eles são ditos, de fato, receber mandamentos do Senhor, o que só é possível a seres dotados de razão (id.). Ele conclui então: “O sol, a lua e os outros astros são seres vivos. Ora, assim como nós, homens, fomos revestidos de nossos corpos por causa de certos pecados, de nossos corpos que são espessos e opacos, assim os luminares do céu receberam tais ou tais corpos, de modo que eles brilham mais ou menos, e ao contrário, os demônios foram revestidos de corpos aéreos, por causa de pecados mais graves” (I, 7, 4). Embora esses corpos sejam de éter, eles são no entanto materiais; também aspiram a ser libertados deles. Eles aceitam, contudo, “ser submetidos à vaidade, por causa da revelação dos filhos de Deus” (Rom., VIII, 20).
Deixamos de lado, contudo, uma questão que é a da origem da matéria. O pensamento de Orígenes sobre este ponto é confuso. Ou mais exatamente, os capítulos que possuímos sobre o assunto (II, 1 e 2) existindo apenas na tradução de Rufino, é difícil extrair o verdadeiro pensamento de Orígenes. Rufino o faz dizer que a Trindade sozinha é incorpórea e que é muito difícil admitir que as criaturas razoáveis possam ser absolutamente sem matéria. Ora, isso parece em contradição com sua tese da pré-existência de todas as criaturas razoáveis no estado de puros espíritos e de seu retorno final a essa condição. Parece, antes, que Orígenes tenha admitido não uma criação da matéria no tempo, mas uma existência eterna da matéria a título de matéria primeira. Reencontramos então a concepção de Albinos, que faz a matéria entrar entre os archai. Orígenes explica de fato que Deus criou os logika em número definido. E que ele também criou a medida de matéria necessária ao ornamento do cosmos. “São essas as coisas que foram criadas no começo, ou seja, antes de tudo” (II, 9, 1); essa matéria é a matéria “primeira” suscetível de tomar a forma de todas as espécies de corpos (II, 1, 4), tanto o corpo grosseiro daqui de baixo quanto o brilho dos corpos celestes dos quais são revestidos os anjos de Deus e os filhos da ressurreição (II, 2, 2). Ela não é criada principaliter, mas per consequentiam (II, 2, 2).
