Angelologia de Orígenes (JDO)
JDO
Vimos qual era a origem do cosmos e de sua diversidade e como Orígenes havia respondido ao problema levantado pela Gnose. O mundo, com sua variedade de seres e com a matéria, não é uma ordem maligna, obra de um demiurgo. É, na verdade, uma ordem secundária, organizada por Deus a partir da realidade do pecado, com o objetivo de restaurar as criaturas espirituais à sua integridade.
Isso é claramente exposto no início do Segundo Livro do Tratado dos Princípios: “Deus dispensou assim cada coisa de modo que cada espírito ou alma não seja forçado a agir por coação contra sua vontade, a não ser segundo o movimento de seu livre-arbítrio. Assim, sua liberdade não pareceria ser-lhe tirada (o que destruiria a própria essência de sua natureza). E os diversos movimentos de sua vontade são ordenados de forma conveniente e útil na coerência de um único universo, onde uns precisam ser ajudados, onde os outros podem ajudar, onde outros suscitam lutas e tentações para aqueles que progridem, graças às quais seu zelo aparece mais provado e a estabilidade no estado recuperado após a vitória seja tida por mais firme, tendo sido obtida ao preço de dificuldades. Portanto, embora disposta em diversos ofícios, a situação do universo inteiro não deve, no entanto, ser compreendida como dissonante e discordante, mas, do mesmo modo que nosso corpo é um pela adaptação dos diversos membros e é contido por uma alma única, assim eu penso que se deve considerar o mundo inteiro como um ser vivo imenso e gigantesco, que é mantido como por uma única alma pela potência e pelo logos de Deus” (II, 1, 2).
Nesse texto, reencontramos a ideia já vista e que precisamos precisar agora: a da organização do cosmos por Deus para a restauração das liberdades, pelo acordo das diversas criaturas. Notemos também que essa concepção do cosmos como um grande ser vivo é próxima do estoicismo e nos mostra um cosmos estoico sob um céu platônico.
Essa concepção do mundo após a queda como um cosmos ordenado é frequente em Orígenes: “A causa da diversidade entre as criaturas razoáveis não tira sua origem da vontade ou do julgamento do criador, mas da decisão da vontade própria. Ora, Deus, a quem pareceu justo dispor sua criatura segundo seu mérito, transformou a diversidade das pessoas na unidade de um único mundo, adornado, por esses diversos espíritos, como uma casa única, onde deviam permanecer não somente vasos de ouro e de prata, mas de madeira e de argila, uns para a honra, outros para a bondade” (II, 9, 6).
Um único princípio comanda essa disposição do mundo: é que Deus, perseguindo um único fim que é o de levar as criaturas espirituais a voltar livremente para ele, dispensará todas as coisas para esse resultado. Ele se servirá dos melhores, isto é, dos anjos, para ajudar os menos bons, associando-os à sua obra e pedindo-lhes para esperar, para usufruir eles mesmos da plena beatitude, até que tenham ajudado os outros. Além disso, ele às vezes deixará os maus se afundarem no mal. Ele endurecerá o coração do Faraó. Sabe, de fato, que apresentar-lhes o bem seria prematuro. Seguindo a imagem de Orígenes, é preciso deixar o abscesso amadurecer, e até mesmo apressar sua maturidade, para que ele possa curar. Se o pecado veio de uma saciedade no bem (cháros), de uma necessidade de mudança, será preciso também, para alguns, criar uma saciedade no mal, deixá-los saboreá-lo, se o quiserem, até que, cansados dele, voltem por si mesmos para o bem. Assim, o pecado às vezes aparecerá como um caminho para a salvação. Pois o que é preciso é que as almas voltem livremente para Deus.
Deus é assim como um sábio médico que emprega os meios adaptados, segundo vias mais profundas que as nossas. Mas aqueles de quem ele pensa não poder tirar nada durante o mundo presente, e cuja salvação é adiada para um dos mundos seguintes, ele os utiliza neste mundo para provar os santos (Ho. Num., XIII, 7). Assim, tudo serve nesta economia, neste cosmos organizado por Deus.
Veremos mais tarde como se opera progressivamente essa reintegração de toda a criação espiritual. Por enquanto, o que nos importa é a hierarquia das funções no cosmos e como Deus se serve de algumas de suas criaturas para agir sobre as outras. Esta é a questão dos anjos, por um lado, que receberam uma missão de governo sobre os homens, e dos demônios, por outro, que têm permissão para os provar. Em um capítulo do De Principiis, Orígenes primeiro reúne os textos que os concernem, depois estabelece que sua diversidade vem de méritos anteriores (I, 5, 3).
Com mais precisão, ele mostra como os diversos ministérios dos bons anjos estão ligados aos seus méritos: “Eu penso que não se deve estimar que seja um acaso que a tal anjo seja confiado tal ofício, por exemplo a Rafael o de cuidar e de curar, a Gabriel o cuidado dos mortais. É preciso pensar que esses ofícios não foram valorizados de outra forma senão por seus méritos a cada um e pelo zelo e pelas virtudes que eles manifestaram antes da criação deste mundo. Em seguida, tal ou tal tipo de função foi confiado a cada um na ordem arcanjélica; outros mereceram ser inscritos na ordem dos anjos e de trabalhar sob tal ou tal arcanjo, chefe e príncipe de sua ordem” (I, 8, 1). Mas se a origem dos anjos em Orígenes se relaciona com o sistema, o estudo de suas funções se liga à tradição. Encontraremos frequentemente em nosso autor esse duplo aspecto. Aqui é todo um domínio importante da teologia do cristianismo primitivo que Orígenes integra em seu sistema.
Se a angelologia ocupa pouco espaço no Antigo Testamento, ela desempenha, por outro lado, um papel eminente no Evangelho. Como Gerhard Kittel bem notou, os anjos que cercam Jesus, da Anunciação à Ressurreição, são o testemunho da presença de Deus Nele. Eles constituem, de fato, a liturgia celeste que envolve a Trindade bem-aventurada em um louvor perpétuo. Eles são o verdadeiro céu, que não é um lugar material, mas o conjunto da criação espiritual beatificada. A presença deles no Evangelho, em contraste com sua ausência no Antigo Testamento, é um dos aspectos da Encarnação como Epifania do Verbo de Deus. Por outro lado, o Evangelho também atesta a existência de espíritos malignos. Da Tentação à Paixão, a obra de Cristo aparece, além das aparências visíveis, como um conflito com o príncipe deste mundo e seus anjos, que termina, após sua aparente vitória da Sexta-feira Santa, por sua derrota definitiva na manhã de Páscoa. O fato da existência dos anjos e dos demônios é, portanto, um dado dogmático essencial.
Esse fato dogmático, a teologia tinha começado a elaborá-lo antes de Orígenes. É preciso dar lugar primeiro aqui à teologia judaica. Se o Antigo Testamento, exceto em seus últimos livros (Tobias, Daniel), dá pouco espaço aos anjos, por outro lado o pensamento religioso judaico contemporâneo da era cristã, especulou muito sobre eles. Isso é verdade, por um lado, das Apocalipses palestinianas. Nelas, encontramos a concepção de várias categorias angélicas. A mais elevada é a dos “sete anjos que andam diante da glória do Santo” (Tobias, XII, 15). O livro de Enoque enumera esses sete arcanjos (XX, 1-4). Abaixo, as diversas categorias de anjos são prepostas a diversas funções; eles presidem à vida da natureza (Hen., LX, 12); eles são encarregados de missão junto aos homens (Jub., IV, 23). A teologia do Novo Testamento, em particular a Epístola de Judas (I, 9), a Epístola aos Gálatas, o Apocalipse de São João, integrarão muitos elementos dessa teologia. Além disso, em outra esfera, Filo de Alexandria dará também um lugar considerável aos angeloi, intermediários entre o Logos e o homem, e ele utilizará certos dados da teologia helenística que conhece também nesta época uma “demonologia” muito desenvolvida. Os primeiros escritores cristãos, por sua vez, a partir ao mesmo tempo do dado revelado e da teologia judaica, elaborarão toda uma angelologia que se reencontra em Justino, em Hermas, em Atenágoras em particular.
