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Ruysbroeck (JRO) – Segundo advento nas potências superiores

Ruysbroeck, JRO, Ornamento das Núpcias Espirituais

Extratos selecionados por Jacqueline Chambron e traduzidos de HVM

A imagem da fonte e dos três riachos

Continuamos falando sobre o segundo modo da vinda de Cristo nos exercícios interiores, pelo qual o homem recebe ornamento, clareza e riqueza nas potências superiores da alma. Compararemos essa vinda a uma fonte viva, com três riachos. A fonte de onde fluem esses riachos é a plenitude da graça divina na unidade do nosso espírito. A graça permanece ali essencialmente, segundo tem ali a sua sede, sendo também comparável a uma fonte transbordante; ela exerce-se ali em ato, segundo se espalha por riachos em cada uma das potências da alma, segundo as suas necessidades. Esses riachos são as maneiras particulares pelas quais Deus influencia e age sobre as potências superiores, onde, por meio da graça, sua ação se exerce de muitas maneiras.

Primeiro riacho: como orna a MEMÓRIA

O primeiro riacho da graça divina que Deus faz correr neste advento é uma pura simplicidade que brilha no espírito, excluindo toda distinção. Este riacho tem sua origem na fonte que jorra na unidade do espírito, flui para baixo e irriga todas as potências da alma, as mais altas como as inferiores, e as eleva acima de toda multiplicidade que ainda as ocupa; produz no homem a simplicidade, mostra-lhe e proporciona-lhe um vínculo interior na unidade de seu espírito. Assim, o homem é elevado segundo a memória e liberto de toda sugestão estranha e de sua instabilidade. Ora, Cristo nesta luz pressiona para sair, segundo o modo desta luz e deste advento.

Assim, o homem sai e constata que, mediante esta simples luz derramada nele, encontra-se ordenado, apaziguado, penetrado e fixado na unidade de seu espírito e de sua memória. Aqui, o homem é elevado e estabelecido em um estado novo, entra em si mesmo e dispõe sua memória ao despojamento total, acima de toda intrusão de imagens sensíveis e acima de toda multiplicidade. Aqui, o homem possui essencial e sobrenaturalmente a unidade de seu espírito e nela se instala como em sua morada própria e na herança que desde toda a eternidade lhe cabe em pessoa.

Segundo riacho: como ilumina o ENTENDIMENTO

Por meio da caridade interior, da inclinação amorosa e também da fidelidade divina, brota o segundo riacho da plenitude da graça na unidade do espírito, e esta é uma claridade espiritual que se difunde no entendimento e o ilumina, com apreensão de noções distintas, de diversas maneiras. Pois esta luz faz ver e dá em verdade noções distintas em todas as virtudes. Mas tudo isso não está em nosso poder. De fato, embora possuamos sempre esta luz em nossa alma, Deus faz que ela se cale ou que fale, pode mostrá-la ou ocultá-la, dá-la e retirá-la, conforme o momento e o lugar, pois esta luz é dEle. E é por isso que Ele opera nesta luz como quer, quando quer, para quem quer e o que quer. Os homens que a recebem não têm absoluta necessidade de que alguma revelação lhes seja feita ou que sejam atraídos acima dos sentidos e de toda sensibilidade, pois sua vida, sua habitação, sua conversação, seu próprio ser está no espírito, acima dos sentidos e de toda sensibilidade; e é lá que Deus lhes mostra o que quer e de que necessitam, eles mesmos ou outros homens. No entanto, Deus poderia, se quisesse, privar estes homens de seus sentidos exteriores e mostrar-lhes interiormente alguma imagem desconhecida ou coisas futuras, de um modo ou de outro. Ora, Cristo quer que se saia e caminhe nesta luz, segundo o modo desta luz.

Este homem iluminado deve então sair e considerar seu estado e sua vida interior e exterior, perguntando-se se traz a semelhança perfeita de Cristo segundo sua humanidade e também segundo a divindade. Pois fomos criados à imagem e semelhança de Deus. E deve levantar seus olhos iluminados, para se apegar à verdade inteligível pela razão esclarecida, depois considerar e contemplar, segundo o modo das criaturas, a altíssima natureza de Deus e as propriedades infinitas que estão em Deus. Pois a uma natureza infinita convêm virtudes e obras infinitas. (…)

Quando o homem considera assim a espantosa riqueza e a majestade da natureza divina, assim como a diversidade dos dons que Deus derrama e oferece a suas criaturas, sente crescer nele a admiração de uma riqueza tão diversa, de tal majestade, da fidelidade sem limites que Ele guarda a suas criaturas. Daí resulta no espírito uma singular alegria interior e uma alta confiança em Deus. E esta alegria interior abraça e penetra todas as potências da alma, assim como a unidade do espírito.

Terceiro riacho: como confirma a VONTADE EM TODA PERFEIÇÃO

Mediante esta alegria, a abundância da graça e a fidelidade divina, brota e flui o terceiro riacho nesta mesma unidade do espírito. Este riacho inflama a vontade à semelhança do fogo, devora e consome todas as coisas, reduzindo-as à unidade, depois inunda e invade todas as potências da alma, conferindo-lhes a abundância de seus dons e uma singular nobreza; produz finalmente na vontade um amor espiritual e sutil que exclui todo esforço. (…)

Mediante o primeiro riacho, que consiste em uma luz simples, a memória é elevada acima das sugestões dos sentidos, colocada e estabelecida na unidade do espírito. Mediante o segundo riacho, que consiste em uma claridade infusa, o entendimento e a razão são iluminados para conhecer diferentes modos de virtudes, diferentes exercícios e o sentido oculto das Escrituras de maneira distinta.

Mediante o terceiro riacho, que consiste em um calor difundido no espírito, a vontade superior é inflamada de um amor silencioso e dotada de dons abundantes. É assim que se torna um homem de espírito iluminado. Pois a graça de Deus se apresenta como uma fonte na unidade do espírito, e os riachos que dela decorrem produzem nas potências um transbordamento de todas as virtudes. Ora, a fonte da graça sempre ordena um refluxo para o mesmo fundo de onde o fluxo se escapa.

O homem, uma vez firmado no vínculo do amor, deve estabelecer sua morada na unidade de seu espírito; e deve sair com sua razão iluminada e uma caridade transbordante, ao céu e sobre a terra, depois considerar todas as coisas com um claro discernimento, e enriquecer todas as coisas com uma justa liberalidade e segundo a abundância dos dons de Deus. (…)

Ouçam bem: o homem deve sair e considerar Deus em sua glória com todos os santos; deve contemplar como Deus se derrama com abundância e liberalidade, no esplendor de sua glória, dando-se a Si mesmo entre delícias inconcebíveis para o benefício de todos os santos, segundo o desejo de cada espírito. Depois, como eles próprios refluem com tudo o que receberam e tudo o que podem fazer no seio desta mesma Unidade superabundante de onde provém toda felicidade. Deus, ao se derramar assim, reclama sempre um movimento de retorno, pois Deus é um mar que tem seu fluxo e seu refluxo: sem cessar Ele se derrama sobre todos os que ama, segundo as necessidades e a dignidade de cada um. Depois, Ele reflui, trazendo de volta todos os que no céu e na terra encheu de seus dons, com tudo o que possuem e tudo o que podem fazer.

(…)

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