Ruysbroeck (JRO) – Essência da Alma
Extratos traduzidos de Ruysbroeck, JRO
O LIVRO DO REINO DOS AMANTES DE DEUS
A terceira potência é a vontade superior. Ela abraça a memória e o intelecto, que são assim naturalmente levados à sua origem. Pois quando as potências superiores são libertadas da preocupação com as coisas temporais e das satisfações sensíveis, e elevadas acima de tudo, na unidade, segue-se um repouso muito doce para o corpo e para a alma. As potências são então todas penetradas e simplificadas pela unidade do espírito e a unidade se apodera delas. O cume da via natural é a essência da alma que adere a Deus e permanece imóvel. Essa essência é mais alta que o céu superior, mais profunda que o fundo do mar e mais larga que o mundo inteiro com todos os seus elementos; pois a natureza espiritual supera toda natureza corporal. Este é um reino natural de Deus, e o termo de todas as operações da alma. Pois nenhuma criatura pode agir sobre a essência da alma; só Deus é capaz disso, ele que é a essência da essência, a vida da vida, o princípio e o sustento de todas as criaturas. CAPÍTULO V
O LIVRO DA MAIS ALTA VERDADE
Ora, é assim que Deus está sempre na essência da alma. Quando as potências superiores retornam a si mesmas, com um amor ativo, elas são unidas a Deus sem intermediário, em um conhecimento simples de toda verdade, um sentimento e um gosto essenciais de todo bem. É no amor essencial que se possui esse conhecimento e essa experiência simples de Deus, e é por meio do amor ativo que se as exercita e mantém. Assim, esse conhecimento e essa experiência superam as potências que neles se exercitam, por causa do retorno interior que vem expirar no amor; mas elas são essenciais à essência e permanecem sempre nela. Por isso devemos sempre retornar no amor e assim nos renovar nele, se queremos encontrar o amor pelo amor. São João nos ensina quando diz: “Aquele que permanece no amor, permanece em Deus e Deus nele.” Todavia, ainda que essa união entre o espírito amante e Deus seja sem intermediário, permanece todavia entre eles uma grande diferença. Pois nem a criatura se torna Deus, nem Deus se torna criatura, como eu disse mais acima a propósito do ferro e do ar. CAPÍTULO VIII
No entanto, a criatura não se torna Deus, pois essa unidade só existe por meio da graça e do amor que retorna a Deus: e é por isso que a criatura sente uma diferença e uma distinção entre ela e Deus, em sua contemplação íntima; e embora essa união seja sem intermediário, as inumeráveis obras que Deus opera no céu e na terra não são menos ocultas ao espírito. Deus, de fato, se dá tal qual é à essência da alma, de uma forma claramente distinta, lá onde, acima da razão, as potências são simplificadas e simplesmente suportam a transformação de Deus; lá onde tudo é pleno e superabundante, o espírito sentindo-se estar com Deus como uma verdade, uma riqueza, uma unidade, no entanto, mesmo aí se encontra ainda uma tendência profunda a ir mais longe, e é uma distinção essencial entre a essência da alma e a essência de Deus, distinção tal que não se pode conceber de mais alta. CAPÍTULO XI
O LIVRO DAS DOZE BEGUINAS
No entanto, é preciso notar que o nada em si mesmo não é nem bom nem mau, nem feliz nem infeliz, nem pobre nem rico, nem Deus nem criatura. Contudo, essas pessoas em sua loucura dizem que a essência da alma é o nada, e que a essência de Deus é esse mesmo nada das almas que chegaram ao repouso: isso é falso, e contra a fé. Pois Deus é tudo em tudo, o ser eterno, todo-poderoso, infinito e incriado, autor de todas as criaturas: é o que testemunha aos olhos da inteligência e confessa de muitas maneiras tudo o que ele criou. Ele vive por sua graça nas potências de nossa alma, e nos ordena operar obras de salvação eterna, já que ele mesmo é uma operação eterna. É por essas boas obras de eternidade que nos assemelhamos a ele e permanecemos sempre com ele, crescendo e progredindo em graças sempre mais abundantes. Acima da graça e das boas obras ele vive ainda por si mesmo na própria essência da alma: é lá que nos unimos a ele e que somos elevados na vida santa e bem-aventurada. Mas entre essa união com Deus acima de nós e a semelhança com ele dentro de nós mesmos, devemos colocar o intermediário das obras benditas que atraem sua complacência, e que ele nos comandou e aconselhou: não podemos de outra forma alcançar a união com Deus, tornar-nos santos nem bem-aventurados. CAPÍTULO XXII
O ORNAMENTO DAS NÚPCIAS ESPIRITUAIS
É preciso saber, portanto, que a essência da alma é para Deus, de maneira semelhante, um reino espiritual, cheio de uma clareza divina que supera todas as nossas potências, exceto no modo em que elas se tornam simples, o que quero silenciar por enquanto. Veja, abaixo da essência da alma onde Deus reina, encontra-se a unidade de nosso espírito, semelhante ao primeiro motor, já que é nessa unidade que o espírito é movido do alto pela potência divina, natural e sobrenaturalmente; pois não temos nada de nós mesmos, nem na natureza, nem acima da natureza. Ora, essa moção de Deus, enquanto sobrenatural, é a causa primeira e principal de todas as virtudes; e em certos homens iluminados essa mesma moção faz brilhar os sete dons do Espírito Santo, como sete planetas que iluminam e fecundam toda a sua vida. Livro II - A VIDA INTERIOR CAPÍTULO L
