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Ruysbroeck (JRO) – Castidade

Extratos traduzidos de Ruysbroeck, JRO

Os Sete Degraus do Amor

Segue o terceiro degrau na escada do amor, a saber: a inocência, a castidade da alma e a pureza do corpo. Que o leitor preste toda a sua atenção, suplico: o que é necessário para aquele que quer obter a castidade. Para que a alma daquele de quem se fala seja casta e pura, é necessário que ele deteste e despreze por amor a Deus, todo amor, toda inclinação, toda afeição desordenada para consigo mesmo, para com seu pai e sua mãe, para com todas as criaturas; de tal sorte que ame a si mesmo e as outras criaturas apenas para o culto e serviço de Deus. Então, poderá dizer com o Cristo: “Todo aquele que faz a vontade de meu Pai, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mateus 12: “Quicunque fecerit voluntatem Patris mei, ille meus frater et soror et mater”); e assim, amará o próximo como a si mesmo, e se conservará puro. Que também não permita ser arrastado, cativado e acorrentado por ninguém, seja por palavras, atos, presentes, convites, obséquios, serviços, ou sob a aparência de santidade. Pois, embora muitas vezes contemplem apenas o espírito, acabam se voltando para a carne; e não se pode confiar neles com segurança. Que não tenha um amor violento por ninguém, e que não queira inspirá-lo em ninguém; pois, embora esse amor tenha a aparência do bem, tem um mau fim e degenera em veneno. Que seja vigilante, cheio de atenção e prudência, para não ser enganado. Se se deixar cativar e arrastar, sentir-se-á enganado e ludibriado. Que faça tudo o que dele depende, e cuide de si mesmo, e que ame Jesus como seu único esposo. Que permaneça unido a ele firmemente, com exclusão de todos os hóspedes estranhos, quaisquer que sejam, e permaneça com ele de maneira estável, gozando de sua benevolência. Que o receba em si mesmo; e que, empregando todas as suas faculdades, satisfaça avidamente seu amor. Será instruído, nutrido e dirigido por ele; pois ele mesmo é seu próprio fruto. Mais ainda, apesar de todos os seus próximos, será conduzido por ele ao seio do Pai, onde encontrará e experimentará a maior fidelidade; e sentir-se-á aliviado e livre de toda aflição e de toda necessidade. Essa é a vida da alma pura e casta.

Restam a castidade corporal. De que se compõe o homem. Para dizer algo sobre isso, é preciso saber que o homem foi composto por Deus de duas naturezas (partes), a saber: a alma e o corpo, ou a carne e o espírito. E essas duas formam uma só pessoa na natureza humana, concebida e nascida no pecado. E, embora Deus tenha feito a alma pura e imaculada, contudo, estando unida ao corpo, ela é manchada pela mancha do pecado original. E dessa maneira, nascemos no pecado, desde o seio materno. “Porque o que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (João 3). E embora o espírito ame sua carne, em virtude de sua geração natural, contudo, na regeneração, onde o nascimento se dá em virtude do espírito de Deus, o corpo e a alma são opostos (Gálatas 5; Romanos 8) e se contrariam lutando um contra o outro, estando a carne cheia de concupiscência contra Deus e o espírito, e o espírito estando com Deus contra a carne. Portanto, se vivemos segundo as inclinações e os apetites de nossa carne, morremos no pecado; mas se, ao contrário, mortificamos em espírito os impulsos da carne e os superamos, vivemos na virtude.

O corpo deve ser amado e odiado.

É preciso, portanto, odiar e desprezar nosso corpo, como o inimigo capital que deseja nos afastar de Deus, para nos arrastar ao pecado. E, da mesma forma, devemos amar e estimar nosso corpo e a vida sensitiva, enquanto instrumento pelo qual servimos a Deus. Pois, sem o corpo, não podemos honrar a Deus e servi-lo pelos atos exteriores, a saber: o jejum, a vigília, a oração e as outras boas obras desse tipo, que devemos justa e meritoriamente cumprir; a tal ponto que devemos livremente nutrir nosso corpo, dessedentá-lo, vesti-lo; a fim de que possamos então ser úteis a Deus, a nós mesmos e ao próximo.

Devemos fugir de três vícios da carne.

E, no entanto, devemos ter um cuidado atento para evitar diligentemente três vícios que reinam na carne, a saber: a preguiça, a gula e a luxúria, pelos quais um grande número, dotados até de boa vontade, caíram em faltas graves.

Remédios da gula, da preguiça, da luxúria.

E contra a gula devemos escolher e abraçar amorosamente a moderação, a temperança e a sobriedade; privando-nos sempre de algo, tomando menos do que nos é permitido, de maneira que fiquemos contentes com o necessário e uma modesta refeição. Contra a preguiça ou a torpor, em todas as necessidades, experimentaremos uma certa compaixão interior, fidelidade e boa vontade; e seremos intrépidos e vigilantes, prontos a todas as obras que reclamam nossa ação e nosso concurso; e isso, com a sábia moderação e a discrição que exigem nossas forças e a reta razão. Contra a luxúria, enfim, evitaremos e fugiremos das frequentações desonestas, e dos estimulantes da paixão; interiormente afastaremos os fantasmas impuros e as imagens desonestas; para não nos demorarmos nelas, e não nos comprazermos com alegria e deleite; assim se fará que nenhuma imagem se gravará em nós, e que não contrairemos nenhuma mancha natural. Como imprimimos o Cristo em nós. Mas nos converteremos interiormente ao Senhor, e em Nosso Senhor Jesus Cristo; consideraremos sua paixão, sua morte e as larguíssimas efusões de seu sangue por nós, em virtude de seu amor. E, nos exercitaremos nessas coisas, imprimiremos sua imagem em nossos corações, em nossas almas, em nossos corpos e em toda a nossa natureza; como o selo é impresso na cera. Mas então, o Cristo nos arrastará com ele para a vida sublime, onde nos unimos a Deus, e onde nossa alma pura e casta adere, por amor, ao Espírito Santo, e permanece nele, onde correm as fontes de mel do orvalho celestial e de toda graça; e, tendo-as provado, a carne e o sangue, tudo o que é do mundo, parece insípido. E enquanto nossa vida sensível é elevada e unida ao espírito, onde honramos a Deus e o buscamos intencionalmente e amorosamente, por tanto tempo somos castos, puros e inocentes, de corpo e alma.

Evitar as más companhias

Mas, quando novamente voltamos para as coisas inferiores, e nos servimos dos sentidos, o paladar deve ser preservado do vício da gula; o corpo e a alma, da torpor e da preguiça; e a natureza, das inclinações obscenas e libidinosas. É preciso também evitar a sociedade desonesta, como a daqueles que se entregam às mentiras, às execrações, às maldições; que gostam de jurar e vomitar blasfêmias contra Deus; que são impuros e obscenos, seja em palavras, seja em ações; e que é preciso fugir como maus espíritos. É preciso também preservar e guardar os olhos e os ouvidos; para não ver ou ouvir coisas que é proibido fazer. Que cada um se esforce para se conservar puro; que esteja livremente consigo mesmo; que fuja da mudança e da multidão; que honre os templos santos; e que exerça com suas mãos as boas obras; que abomine e deteste a preguiça; que evite as grandes comodidades, e se considere como não sendo nada. Que ame a verdade e a vida; e embora se sinta casto (Lucas 1), que fuja, no entanto, das ocasiões de pecar (João 3); que ame as obras de penitência e o trabalho (Marcos 6); que considere o precursor do Senhor, João Batista, que, embora santificado antes de seu nascimento, no entanto, desde sua tenra juventude, fugindo de seu pai e de sua mãe e abandonando as honras e as riquezas do mundo, a multidão das cidades e as ocasiões de pecar, retirou-se para as cavernas do deserto. E, no entanto, era inocente e de uma pureza angélica, e honrou e abraçou a verdade, seja em sua vida, seja ensinando-a aos outros pela palavra; e, finalmente, pela causa da justiça, foi entregue à morte; e é exaltado e glorificado por uma santidade de vida muito acima de qualquer outra.

Considere também os Padres que outrora habitavam no deserto do Egito, a fim de abandonar o mundo, de crucificar e afligir sua carne e sua natureza, resistindo aos vícios, fazendo penitência, abstendo-se para suportar a fome e a sede, e privando-se de tudo o que podiam dispensar. Em seguida, que recorde à sua memória a sentença e o julgamento proferido pelo Senhor contra o rico, vestido de púrpura e de linho fino, e fazendo cada dia esplêndidos banquetes, sem jamais dar nada aos pobres, e que, tendo partido dos vivos, foi sepultado no inferno, onde queima nos tormentos das chamas do Tártaro, e, embora o peça insistentemente, não pode obter nem mesmo uma gota de água para refrescar sua língua ardente. Mas, ao contrário, o mendigo Lázaro que, atormentado pela fome e pela sede e cheio de úlceras, jazia à porta desse rico, pedindo que as migalhas que caíam de sua mesa lhe fossem dadas, sem, contudo, obtê-las, após sua morte, foi levado pelos anjos ao seio de Abraão, onde estão as alegrias imensas sem mistura de dor, e uma vida eterna que a morte não pode mais alcançar.

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