Ruysbroeck (JRO) – A Alma e o Corpo
Extratos traduzidos de Ruysbroeck, JRO
A FÉ CRISTÃ Depois a fé nos diz: Creio em Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, isto é, sem princípio, de toda a eternidade. Deus de Deus, luz de luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado e não feito; uma só substância com o Pai, isto é, uma só natureza indistinta com ele. Por esse mesmo Filho todas as coisas foram feitas: pois ele é a sabedoria do Pai, em quem todas as coisas vivem. E embora haja alteridade e distinção de pessoas, ele é, todavia, uma natureza única com o Pai. E cremos que esse mesmo Filho unigênito de Deus desceu dos céus por nós homens e para nossa salvação. Assumiu nossa natureza humana, foi concebido do Espírito Santo, isto é, pela operação e virtude do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria e tornou-se verdadeiramente homem: pois assim como a alma e o corpo juntos fazem um só homem, assim o Filho de Deus e o filho de Maria são um só Cristo. Para nossa salvação sofreu e padeceu penas, foi crucificado, morreu e foi sepultado, sob o juiz que então estava em Jerusalém e se chamava Pôncio Pilatos. E imediatamente sua alma desceu aos infernos com grande poder e grande alegria; e em sua virtude divina, ele quebrou as portas de bronze e as barras de ferro para libertar os patriarcas e os profetas, que haviam crido nele e o haviam esperado com grande desejo. Libertou ainda todos aqueles que o haviam servido fielmente, desde o começo do mundo, e haviam morrido sem pecado mortal; mas nenhum outro foi libertado por ele. Pois aqueles que não amavam a Deus e que haviam sido maus e infiéis como os demônios, deveriam ser deixados eternamente nos infernos, assim como disse Abraão ao rico avarento, sepultado no mais profundo do inferno, muito abaixo de todos aqueles que pertenciam a Deus. No terceiro dia Cristo ressuscitou dos mortos, por sua própria virtude, o que nenhum outro pode fazer. É que sua alma gloriosa e viva estava unida a Deus nos limbos, enquanto seu corpo inanimado conservava a mesma união no sepulcro. E quando a alma e o corpo se reuniram, ele ressuscitou glorioso — e muitos outros mortos com ele — para a glória de seu Pai e para a glorificação e a alegria de todos os anjos, de todos os santos e de todos os homens de bem. À sua humanidade foram dados poder e honra no céu, na terra e nos infernos; por ele também e nele, a santa Igreja possui todo o seu poder. E assim como, por sua própria virtude, ele ressuscitou os mortos, antes e depois de sua ressurreição, assim os santos, que dele receberam a potência, tanto no Novo quanto no Antigo Testamento, ressuscitaram dos mortos segundo o corpo ou segundo o espírito. Em seguida, no quadragésimo dia, ele subiu ao céu, isto é, segundo o Apóstolo, acima de todos os céus materiais, até os céus espirituais que são os anjos; e mesmo acima de todos os anjos no céu oculto, nessa sublimidade impenetrável onde foi elevado muito acima de todos os espíritos. Assim, segundo sua humanidade, ele está sentado à direita de Deus, seu Pai todo-poderoso. Não que Deus Pai celestial possa estar sentado ou em pé, ou que tenha mãos: pois ele é espírito; mas a gloriosa natureza humana do Cristo foi elevada acima de toda natureza criada, no poder mais alto e na perfeição mais nobre que Deus produziu. Depois, no último dia, ele virá em glória e em virtude divina, com os coros imensos de todos os anjos e de todos os santos, para julgar os vivos e os mortos, isto é, os bons e os maus. E nunca seu reino terá fim. PRÓLOGO A privação eterna de Deus e de toda bem-aventurança constitui a pena da condenação. Essa pena é espiritual, e mais terrível do que qualquer mal que se possa experimentar no corpo. As crianças pequenas que morrem sem batismo antes de terem atingido a idade do discernimento, são apenas privadas de Deus, por causa do pecado original, e não têm outra pena. Para aqueles, ao contrário, que por sua própria vontade se desviam de Deus, o abandonam e o desprezam, a privação eterna de Deus é a principal e a maior pena: mas como se voltaram para as criaturas em um amor desordenado contra a honra de Deus, sofrem ainda do fogo eterno correspondente a esse amor desordenado. Que esse fogo seja espiritual ou material, ou ambos (o que me parece mais provável), nos entregamos a Deus: pois Deus é poderoso o suficiente para fazer queimar com um fogo material a alma e o corpo. PRÓLOGO Em seguida, vem a terceira pena, que é ainda mais interior, e é o frio infernal sem fim. Pois aquele que não ama a Deus carrega consigo um grande frio, e nesse frio deve eternamente perecer. Da mesma forma, aquele que tem um amor desordenado pelas criaturas deve queimar, pois ele mesmo carrega o fogo que é o amor mau. Aqueles que vêm ao julgamento de Deus, sem o amor divino, terão o interior da alma tremendo de frio infernal. E aqueles que ali trazem um amor desordenado e estranho queimarão na alma e no corpo com um fogo infernal. Terão trevas interiores por causa de seus pecados, e serão privados de toda luz exterior além do que é necessário para ver o aspecto horrível dos demônios e dos corpos nesse lugar imundo. E o verme da consciência não morrerá, mas sempre roerá e culpará e testemunhará que poderiam ter merecido a vida eterna, mas que por causa de seus pecados e por sua própria culpa, vieram para os tormentos eternos. Em sua grande angústia gemerão e suspirarão, não por arrependimento ou por ódio ao pecado, mas pelo horror das penas eternas. Incessantemente sofrerão a morte, e nunca morrerão completamente: e daí vem que a pena infernal é chamada de morte eterna: “e a morte os consumirá”, diz o profeta. Pois assim como a glória de Deus alimenta os santos de alegria, assim a pena infernal consome os condenados em uma tristeza eterna. Haverá ali um desespero sem fim porque estarão certos de que a pena jamais terminará. PRÓLOGO
