Sédir (JBEG) – Considerações sobre a graça divina
Sédir (JBEG) A grande obra de Jansênio, o Augustinus, fruto de vinte e dois anos de trabalho, expõe a heresia de Pelágio e a doutrina de Santo Agostinho sobre a natureza humana, a graça e a predestinação. Ora, é evidente que o bispo de Hipona nem sempre professou as mesmas opiniões sobre os mesmos temas. Ao combater os maniqueus, que desprezavam a natureza humana, ele deixa um lugar importante para a liberdade e as faculdades do homem; ao combater os pelagianos, que só acreditam no homem, ele insiste na impotência em que se encontra a criatura, não apenas de fazer, mas até mesmo de querer o bem. Para ele, como vimos, o homem é livre, mas apenas para pecar; ninguém pode ser salvo, senão por uma graça absolutamente incondicional de Deus, fora da qual só pode haver condenação. Jansênio acrescenta que, no estado da natureza corrompida, nunca se resiste à graça interior; que, quando o homem não pratica o bem, é porque a graça que lho permitiria lhe faltou, e que Cristo morreu, não para a salvação de todos os homens sem exceção, mas apenas para os predestinados (Augustinus, t. III; De gratia Christi, III, x). Na realidade, só se pode falar de eleição, no sentido estrito, no sistema calvinista; não há mais eleição onde o homem cumpre livremente o ato que decide sua vida. Por outro lado, se o homem deve cooperar para sua salvação, ou ele irá de desânimo em desânimo, à medida que conhecer mais suas imperfeições, ou rebaixará a vida divina ao nível de suas realizações e julgará, com Pelágio, que é capaz de cumpri-la apenas com suas próprias forças. Do ponto de vista lógico, não parece que possa haver conciliação entre os dois sistemas: ou a predestinação agostiniana à santidade, que leva logicamente ao calvinismo, ou a afirmação de que Deus escolhe aqueles cuja obediência Ele prevê, logo, que a salvação repousa sobre o homem, o que conduz ao pelagianismo. No entanto, São Paulo declara (Efésios, i, 4-5) que só somos separados em Jesus Cristo. Isso significa que a eleição se aplica apenas aos crentes. O discípulo torna-se membro de um organismo celestial, do qual só se separa se renunciar à graça que recebeu. Poder-se-ia objetar a São Paulo que as almas humanas não são argila e que Deus não é um oleiro que dispõe arbitrariamente da matéria que trabalha. Deus é o Pai. Há contradição entre o decreto de perdição e o ensino evangélico da paternidade divina. E mais, nesse determinismo que decide de onde o homem parte e onde chega, não pode haver lugar para a liberdade humana senão ao preço de uma inconsistência. Na realidade, é para salvaguardar a graça que a doutrina da predestinação foi formulada. Deus quer a salvação de todos os homens e dispõe tudo em vista da consumação final do plano de sua graça; Ele ajuda o homem a vir a Ele, a agir conforme a vontade divina, a perseverar. São Paulo sentiu bem que o homem é objeto da piedade e do amor de Deus e de sua graça. Por mais vaga que essa experiência possa ser no homem, ela é a fonte de sua vida. Se Deus parece ter dado mais a alguns, é para que estes ajudem os outros a alcançarem também a posse da verdade e da vida. Jacob Böhme nos oferece uma solução interessante e judiciosa dessas antinomias. Só que ele a expressa de uma forma um pouco penosa. Por outro lado, ao lê-lo, é preciso esquecer a maneira de pensar da teologia. Nosso sapateiro não é nem filósofo nem metafísico. É um vidente. Ele vê, não os seres, as entidades vivas que a metafísica concebe como pensamentos: ele vê os meios, os estados em que essas entidades evoluem. Onde o teólogo discerne um processo psicológico e mental, Böhme percebe forças em movimento, um místico vê seres vivos: anjos, demônios, espíritos humanos. Böhme se expressa como um físico do invisível; os fenômenos naturais, os estados de alma, as leis naturais ou divinas, tudo é para ele um sistema de ondas vibrando em ritmos ora discordantes, ora concordantes, conforme tal germe volitivo perdido no meio desses turbilhões os incline num sentido ou noutro. Outra teoria expõe que todos são chamados, segundo a afirmação de Jesus, mas só são eleitos pouco a pouco, progressivamente, e ao longo de longos períodos, porque, para o conjunto cósmico do gênero humano, há um grande número de pequenos juízos parciais e locais, antes do juízo definitivo. A boa vontade do homem gozaria da prerrogativa espantosa de encurtar a duração da Criação, acelerando o dia em que todos os seres serão capazes de entrar no céu. A má vontade do homem teria, ao contrário, recebido o terrível poder de retardar o dia da felicidade universal, pois, por um lado, somos todos irmãos e ligados uns aos outros; e, por outro, o Pai, tendo querido que aprendamos a lição da existência, se fizermos mal uma classe, Ele nos obriga a repeti-la, a triplicá-la, até que saibamos nossa lição. Qual dessas numerosas explicações é a mais verdadeira? Cabe ao pesquisador escolher; a dignidade da inteligência o quer assim. No domínio do pensamento, como no da ação, nada tem valor espiritual se nenhuma coerção nos obrigou a nossa escolha. Quanto a concluir todas essas especulações, declaro-me incapaz. Durante a guerra, os combatentes zombavam amplamente dos estrategistas de café, que empurravam os exércitos inimigos sobre as mesas de mármore com grande uso de fósforos, pedaços de açúcar e pires. Os doutos personagens que discutem os desígnios providenciais e os destinos da alma lembram um pouco esses estrategistas de paletó, com toda a reverência. Parece-me que a sabedoria prática aconselha, mais do que discutir sem fim, a nos entregarmos inteiramente à solicitude do Pai; pois, sendo bom, Ele só pode querer nossa felicidade: cabe a nós corresponder, pela obediência e pelo amor, a seus desígnios tutelares.
Sédir.
