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Deghaye (PDND) – Boehme - Sabedoria (Sophia)

O Deus de Boehme se revela no cumprimento de suas obras. O teosofo descreve essa revelação progressiva que chamamos de manifestação divina. Ora, é pela Sabedoria e nela que Deus se manifesta. A Sabedoria está no começo dos caminhos divinos e em seu término. Seu perfil se define pouco a pouco, e com ela, o do Deus cujo espelho ela é. Para conhecê-la, será preciso seguir novamente o caminho da manifestação divina.

A Sabedoria aparece desde o momento em que Deus se chama verdadeiramente Deus. É aí que está o primeiro começo, anterior à criação do nosso mundo. Mas nosso universo criado é precedido pelo mundo emanado, que é a natureza eterna. Porém, para chegar à origem primeira na qual Deus se manifesta por sua Sabedoria, é preciso remontar ainda além desse mundo arquétipo.

Há, portanto, um primeiro começo, que é aquele em que Deus aparece segundo sua Sabedoria. Depois, em um momento que é um segundo começo, nascerá a natureza eterna. Então, num primeiro tempo, a Sabedoria ficará oculta, e portanto o próprio Deus. Na raiz da natureza eterna, são as trevas que reinam. Em seguida, a Sabedoria se manifestará nessa natureza levada à perfeição. A luz surgirá nas trevas.

O ciclo setiforme da natureza eterna desemboca na primeira criação, a dos anjos. A carne dos anjos, quintessência da natureza eterna habitada pela Sabedoria, é o primeiro céu. A Sabedoria ali é soberana. Depois, quando Lúcifer perde seu esplendor, a Sabedoria torna-se invisível novamente. Ela era esse esplendor. No entanto, Adão toma o lugar do anjo caído. Então a Sabedoria resplandece novamente no corpo celeste do primeiro homem. Mais uma vez, ela se afasta, após o pecado de Adão. Ela voltará para iluminar a carne celeste do Cristo e seu corpo universal.

A Sabedoria personifica a presença divina, oculta ou manifestada. Ela se mostra plenamente quando o tempo da revelação se consuma.

Seguiremos, portanto, a dinâmica da manifestação divina tomando-a em sua fonte.

Para se revelar, Deus se engendra no ciclo setiforme da natureza eterna. A Sabedoria preside o nascimento de Deus. Podemos falar dela antes disso? Boehme repete: Deus só se revela na natureza eterna. Se nada sabemos de Deus antes dessa natureza, o que dizer da Sabedoria?

O que surge primeiro na fala de Boehme é que, antes de percorrer o ciclo da natureza, a Divindade ainda não é Deus. No entanto, a teoria se modifica.

O Deus que ainda não é Deus é a Deidade que escapa a todo conhecimento e que se assemelha ao En-Sof, o Infinito dos cabalistas. Boehme o chama de Ungrund. É o Infinito sem fundamento (Grund), a Eternidade sem origem, sem começo. Querer apreender esse Infinito é entregar-se às trevas. Se pretendemos mergulhar nele, ele se transforma num abismo tenebroso que nos engole. Foi o que aconteceu com Lúcifer, que quis igualar-se à imensidão sem limites. Lúcifer quis ser o Absoluto.

Para a criatura, um Deus desconhecido é apenas trevas. É precisamente esse Deus oculto que simboliza o início do ciclo da natureza eterna. Boehme o identifica ao Pai, enquanto a luz será atribuída ao Filho.

Em “A Aurora Nascente”, Boehme só fala de Deus dentro dos limites desse ciclo. Ele evoca o aspecto sinistro do Pai que, sem o Filho, é apenas um vale sombrio. Depois mostra o Pai iluminado pelo Filho. Só então Deus é verdadeiramente Deus. Caso contrário, ele é apenas uma Deidade monstruosa, da qual o diabo será a imagem.

Posteriormente, a visão de Boehme se torna mais matizada. Ele passará a meditar sobre o Absoluto, que chamará de Ungrund. Ele o considerará fora da natureza, mas não mais como um abismo tenebroso. Não será mais o Deus oculto que o ciclo setiforme manifesta negativamente em seu começo. Será a Deidade concebida antes dessa entidade tenebrosa. Em si, ela permanecerá incognoscível. Ainda assim, Boehme falará dela. A evocará em termos de eternidade e clareza. Quando a Deidade for o Deus oculto, será essa clareza primordial que estará ofuscada.

Eis, portanto, o Ungrund, a Eternidade sem começo que precede o desdobramento da natureza eterna. A Sabedoria está presente nesse nível?

A Deidade pura, como Boehme a chama, é um símbolo de silêncio perfeito. A Sabedoria se concebe numa Eternidade sem voz? O Verbo, que será a voz de Deus antes de se tornar a Palavra proferida, ainda não existe nessa solidão absoluta. O que seria a Sabedoria sem o Verbo? A Sabedoria se manifestará na voz de Deus.

A Deidade pura é uma clareza infinita. No entanto, essa clareza não é a luz. Na brancura desse Infinito, não há luz nem trevas. Ora, a Sabedoria será a alma da luz.

A Deidade pura é um repouso absoluto. Contudo, esse repouso não é o verdadeiro sábado, símbolo de vida realizada. A vida não está no Infinito primordial. A vida ainda não nasceu. A Sabedoria será por excelência a vida divina, a vida eterna. A criatura não consegue imaginar a vida nessa Eternidade primeira, tão distante ela lhe parece.

Sophia personifica a pureza primeira. Essa pureza não é mais a vacuidade do Nada. Num momento em que a corporalidade ainda não existe, ela anuncia a transparência perfeita dos corpos celestes. No entanto, é uma pureza que é ela mesma o corpo de Deus. A Sabedoria apresenta o paradoxo de um corpo sem matéria. A virgindade de Sophia está nessa pureza primeira que permanece um absoluto, embora não seja mais apenas o Nada. A Virgem perfeita representa a pureza de um Deus que é ao mesmo tempo o Nada e o Tudo. Nesse sublime começo, a plenitude tem a pureza do Nada.

A Sabedoria é o corpo de Deus. Ela será o esplendor com o qual Deus se cobrirá como um manto para ser conhecido. A Sabedoria será a Glória na qual Deus se manifestará.

Porém, a Sabedoria não é apenas o corpo da Divindade. Ela é também a vontade que comanda a manifestação divina desde sua origem até seu término. O corpo e a vontade são um só.

A pureza da Sabedoria não está apenas na imaterialidade do corpo que ela representa. Está também nessa vontade. Está na indeterminação que é sua liberdade. Qualquer motivo que a constrangesse a escureceria. Ora, ela não conhece nenhum. A liberdade personificada pela Sabedoria está na clareza perfeita de uma vontade que não obedece a nada. A alegria manifestada pela Sabedoria está nessa vontade que é apenas deleite. Toda constrição lhe seria contrária.

A gratuidade perfeita da vontade divina nesse plano que ainda é o da transcendência, fora de toda natureza, traduz-se pela noção de jogo que se liga à Sabedoria, conforme a Escritura. Toda a manifestação divina será regida pela ideia de jogo. Se Deus se revela, não é por necessidade. Ao se manifestar, a Divindade brinca consigo mesma. A alegria simbolizada pela Sabedoria é a de um Deus que brinca. O nome de liberdade que lhe é dado significa igualmente a gratuidade absoluta do divertimento divino.

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