Gerhard Wehr (CHJB) – O Conhecimento do Homem e de Deus
CHJB
“O começo da realização é o conhecimento do homem; o conhecimento de Deus é a realização plenamente concretizada”, afirmava, no segundo século da era cristã, São Hipólito, sacerdote e escritor romano. Na mesma época, o gnóstico Clemente de Alexandria, por sua vez, definia assim o “conhecimento do homem”. Consiste em saber “o que somos e o que nos tornamos; de onde viemos, e aonde chegaremos; para onde corremos, e do que somos libertados; o que há em nosso nascimento, e em nossa regeneração.” Se abrimos a segunda das grandes obras de Böhme, a “Descrição dos Três Princípios da Essência Divina”, encontramos imediatamente, no prefácio, uma passagem surpreendentemente similar. Este livro, de fato, começa assim: “O homem, ao longo de toda a sua vida, desde sua saída do ventre materno, não poderia dar a si mesmo neste mundo um desígnio mais útil e mais necessário do que aquele que visa a aprender a conhecer a si mesmo, ou seja, saber: (1) o que ele é, (2) a partir de que ou por quem ele foi criado, (3) com que finalidade ele o foi, (4) qual é sua função.” Em outras palavras: Qual é o sentido e o propósito da existência humana? Aqui novamente, são problemas elementares do conhecimento que preocupam Jakob Böhme, e ele procura dar uma resposta completa: “Em tal reflexão séria, ele (o homem) perceberá em primeiro lugar (1) que, assim como todas as outras criaturas existentes, ele emana de Deus. E comparando-se com todas as outras criaturas, encontrará (2) que é a mais nobre de todas. Perceberá então (3) como Deus está disposto para com ele, já que o fez senhor de todas as criaturas deste mundo… Além disso, Deus lhe concedeu um conhecimento mais elevado e maior, de tal sorte que ele pode ver no coração de todas as coisas e saber qual essência, força e qualidade elas possuem… Ademais, Deus lhe deu a inteligência e a mais alta sensibilidade, de maneira que ele possa conhecer Deus seu criador, e saber o que Ele é, como Ele é e quem Ele é, e também onde Ele está… É nesta alta meditação que se encontra a sabedoria divina em si mesma, inumerável e infinita; e o amor divino para com o homem se reconhece em que o homem percebe quem é Deus, seu criador, e o que Ele quer que o homem faça ou não faça. E é aí, para o homem, a coisa mais útil que ele pode desejar e buscar neste mundo; pois ele aprende assim a conhecer a si mesmo”. Em qualquer lugar que se abram os livros de Böhme, somos sempre surpreendidos por essa maneira de ver universal, visando a conhecer as coisas em sua totalidade. Nesse contexto, convém prestar atenção especial a esta afirmação do autor: A capacidade de conhecimento que o homem possui é uma emanação do amor de Deus. Há uma correlação entre o amor divino e a capacidade humana de conhecimento. Certamente, Böhme se recusa a ceder, no que diz respeito ao saber humano, a um otimismo superficial. Ele sabe “em que horríveis e assustadoras trevas nos afundamos” cada vez que cremos poder prescindir da necessária visão em profundidade do “eu”. “Pois nenhum homem pode invocar a ignorância como desculpa, já que a vontade de Deus está inscrita em nosso espírito (Gemüt)”. A ideia que Böhme faz do papel do homem comporta dois aspectos: Por um lado, o homem, tal como saiu da mão do criador, era imaculado e de uma perfeição angélica; por outro lado, a queda de Lúcifer, desencadeando uma catástrofe cósmica, também arrastou o homem para as trevas. No entanto, este não perdeu, por isso, sua semelhança com Deus (imago Dei). Uma esperança subsiste para ele. Esta esperança se funda em Cristo, que representa um fenômeno nas dimensões da humanidade inteira e do cosmos. Como para o apóstolo Paulo, Cristo é para Böhme “o novo Adão”. Este Cristo cósmico está indissoluvelmente ligado à imagem que ele faz do homem. Por outro lado, pode-se dizer que toda a teosofia e a cosmosofia de Böhme tendem para uma antroposofia, um conhecimento do homem. O Philosophus teutonicus compartilha, aliás, no plano da filosofia da natureza, as ideias fundamentais de sua época — tais como foram expostas notadamente por Paracelso — na medida em que olha o homem como um microcosmo, um pequeno universo. Em outras palavras: O homem ocupa seu lugar no grande todo do cosmos que, conforme a doutrina oficial da Igreja, saiu da mão do criador. E, assim como há no universo níveis da existência, manifestações de forças espirituais e físicas, uma dinâmica da evolução, da mesma forma o homem se manifesta como uma criatura de natureza espiritual e corporal. Ele emana de um estado de totalidade; mas, após uma queda trágica, esta imagem de seu estado original se viu corrompida. O homem aspira a ser levado a uma nova perfeição, e ele precisa que lhe mostrem o caminho. O conhecimento do homem, para Böhme, não se refere, portanto, a um fato estático, mas a um processo dinâmico: O homem está em devir. Ele ainda não está completo, mas pode sê-lo. “O homem é um pequeno mundo no grande mundo, e ele tem em si a qualidade do grande mundo inteiro. Assim, ele tem também em si a qualidade da terra e das pedras, já que Deus lhe disse após a queda: Tu és pó, e ao pó retornarás. Isso quer dizer: enxofre, mercúrio e sal; nisso se encontra tudo neste mundo, o espiritual como o corporal”. Em outro lugar, Böhme ainda nos diz: “Pois o homem é uma imagem da criação inteira fundada nos três princípios, não apenas no Ente (Ens) da natureza exterior que formam as estrelas e os quatro elementos como mundo criado, mas também a partir do Ente do mundo interior, espiritual… Em suma, o corpo humano é um Limus feito da essência de todas as essências (Wesen aller Wesen)”. Böhme evoca aqui o homem original, que certamente não deve ser confundido com as formas primitivas da espécie humana (formas das quais se ocupam as ciências modernas como a antropologia e a paleontologia). Böhme pensa aqui em uma “corporeidade espiritual”, expressando a semelhança com Deus, assim como isso também resulta de outros textos, como este: “Assim como em Deus todas as coisas existem em sua essência (Wesen), e Ele, no entanto, não é Ele mesmo esta essência, e todavia Ele governa a essência, cada essência segundo sua qualidade, assim o homem interior, espiritual, é uma imagem do verbo formado da potência divina, e o homem exterior é uma imagem e um instrumento do homem interior, pois todo mestre deve ter um instrumento para realizar sua obra”. O homem original é, portanto, descrito como não estando ainda “caído” ao estado de encarnação terrestre. No entanto, para Böhme, o “corporal” não se identifica necessariamente com o “material”. O “corpo” do homem original, vivendo no paraíso, é então concebido por ele como sendo de uma maravilhosa transparência em relação à beleza e à pureza. É nisso que se revela sua semelhança com Deus. “Em tal poder, ele era o senhor das estrelas e dos elementos, e toda criatura o temia, e ele não podia ser quebrado. Ele tinha em si a força e a qualidade de todas as criaturas, pois sua força era feita da força da inteligência. Para ser a imagem de Deus, ele devia, no entanto, possuir os três princípios: (1) a fonte das trevas, (2) a da luz, e (3) a deste mundo; e, no entanto, ele não devia viver e qualificar (qualifizieren) nos três, mas em um só, ou seja, no paraíso onde ele nasceu para a vida”.
