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Gerhard Wehr (CHJB) – O Andrógino em Boehme

CHJB

No centro das concepções antropológicas de Böhme encontra-se um mistério, o da natureza andrógina — isto é, incluindo tanto o princípio masculino quanto o feminino — do homem tomado em sua totalidade. Embora o pensamento de Böhme seja indissociável da visão espiritual que está na origem de toda a sua obra, sua contribuição para este problema da androginia não pode ser isolada do contexto geral da história do pensamento humano. Convém, antes de tudo, sublinhar que a ideia da natureza andrógina do homem apareceu nas tradições religiosas de todas as épocas. Existem, em todas as mitologias, divindades ao mesmo tempo masculinas e femininas. Além disso, nelas, a dualidade dos sexos é frequentemente reduzida a uma unidade suprassexual original. Um véu de mistério é assim lançado sobre o estado original da divindade e da humanidade. No Ocidente, existem mais particularmente duas tradições em que esta ideia da androginia ocupou um lugar importante: por um lado, o mito platônico, e, portanto, pré-cristão, do homem-esfera de dupla face que figura no diálogo do Simpósio; por outro lado, a interpretação cabalística judaica do livro do Gênesis (I, 26), segundo a qual: “Deus criou o homem à Sua imagem, à imagem de Deus Ele o criou, macho e fêmea Ele o criou.” Segundo Platão, “o amor mútuo é inato nos seres humanos, para que seja restabelecida a natureza original; e este amor visa a transformar dois em um e a curar a natureza humana.” Para este autor, Eros é um guia que reconduz o homem ao seu estado original. Uma esperança da mesma natureza se enxerta na tradição bíblica, embora a exegese rabínica, assim como a exegese teológica da Igreja, sempre tenha contestado vivamente tal interpretação “gnóstica” da célebre passagem do Gênesis. De fato, apesar da rejeição explícita da ideia de androginia pela Igreja oficial, essa ideia não cessou de provocar, através das gerações, especulações de todos os tipos: talvez seja porque, como afirma Nicolaï A. Berdiaev, “o mito da androginia é o único grande mito antropológico sobre o qual se pode construir a metafísica antropológica“*. Entre os muitos pensadores e adeptos do esoterismo que se preocuparam com o problema da androginia, podemos citar notadamente: o filósofo judeu da Renascença Judá Leão Abravanel, dito Leão o Hebreu; John Pordage e Jane Leade, teósofos ingleses do século XVII; o místico protestante Gottfried Arnold; o visionário sueco Emmanuel Swedenborg; o teósofo suábio Friedrich Christoph Oetinger; o pensador francês Louis-Claude de Saint-Martin; os filósofos românticos alemães Franz Xaver von Baader e Carl Gustav Carus, e, finalmente, os filósofos russos Vladimir S. Soloviev e Nicolaï A. Berdiaev. A maioria dos que acabamos de citar foram, de uma forma ou de outra, inspirados por Jakob Böhme. Ernst Benz, que teve o mérito de iluminar essas filiações espirituais, declara a esse respeito: ”Foi Jakob Böhme quem deu à especulação andrógina — que a Cabala judaica havia ligado à história da Criação, relatada no Antigo Testamento — sua interpretação cristã; pode-se até dizer que, graças a Böhme, ela foi colocada no centro de uma antropologia cristã. Mais particularmente, a especulação concernente à androginia de Adão forma nele o ponto de partida de uma meditação sobre a grandeza e a beleza originais do homem, sobre sua queda e sobre o restabelecimento de sua magnificência primeira graças à encarnação de Cristo e à redenção por Cristo. Essas considerações sobre a natureza do homem formam o centro propriamente dito de sua teosofia. Sua imagem do homem encontra-se em relação direta com sua ideia de Deus”.

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