Gerhard Wehr (CHJB) – Ideia de Reforma Geral no século XVII
CHJB:19-20
À ideia de uma segunda Reforma (ou Reforma geral) aderem igualmente, neste início do século dezessete, todos aqueles que escolheram se alinhar sob a bandeira da Rosa-Cruz. Este movimento se considera inspirado por um certo Christian Rosenkreutz, personagem provavelmente mítico do século quinze. É impressionante notar que a literatura rosacruz faz a sua aparição precisamente em uma época onde, de um lado, começam os desentendimentos (motivados por sua concepção copernicana do universo) de Galileu com o Santo Ofício de Roma, e onde de outro lado aparece a primeira obra de Jakob Böhme, “A Aurora Nascente”. É de fato em 1614 — que é também o ano em que será fundada, por colonos holandeses, a cidade de Nova York, chamada primeiro Nova Amsterdã — que aparece, na editora Wilhelm Wessel em Cassel, um escrito intitulado “Reforma comum e geral de todo o vasto mundo”, tradução alemã de um extrato de uma obra de Traiano Boccalini (1556-1613); este texto é acompanhado de outro manifesto cujo título é “Fama Fraternitatis, ou Descoberta da Fraternidade da Ordem Louvável da Rosa-Cruz, endereçado a todos os chefes, corporações e sábios da Europa”. Um ano depois, o mesmo editor publica um novo texto dos Rosa-Cruzes, a “Confissão da Fraternidade”; e em 1616 aparece em Estrasburgo, na Lazare Zetzner, uma terceira obra, intitulada “As Núpcias Químicas de Christian Rosencreutz, anno 1459”. De fato, uma versão manuscrita deste último livro já circula, a esta altura, há vários anos. Pensa-se que o autor é um teólogo suábio, pastor luterano e espírito enciclopédico, de nome Johann Valentin Andreae (1586-1654). Os rosacruzes concordam com outros movimentos de ideias da época — tal como o dos pansofistas — para estimar que a obra dos grandes reformadores deve ser perseguida, e que, graças a esta obra, os conhecimentos humanos devem ser ampliados para se estenderem ao cosmos inteiro. Um pouco à maneira de Karl Marx no século dezenove (quando chama os proletários do mundo inteiro a se unirem), os autores e propagadores dos primeiros manifestos rosacruzes — aos quais outros sucederão — apelam a todos aqueles que pensam como eles, ou seja, a todos aqueles que estão fartos do confessionalismo estreito das Igrejas e que buscam um conhecimento autêntico de si mesmos e do mundo, a fim de que se unam dentro de uma mesma Ordem; além disso, buscam igualmente influenciar a vida cultural e social de seus contemporâneos. (Lembremos que um século antes Thomas More publicou sua “Utopia”, obra à qual farão eco, no século dezessete, as obras políticas de Tommaso Campanella e de Francis Bacon.) A ressonância que encontram os livros de Andreae e de seus companheiros junto à sociedade de seu tempo, mais particularmente ao longo das duas primeiras décadas do século dezessete, mostra bem que estas obras correspondem então a uma autêntica necessidade do público. É também o momento em que Jakob Böhme, o pequeno sapateiro silesiano, começa a fazer-se notar. Seus contemporâneos o chamam respeitosamente Philosophus teutonicus; mas alguns deles o consideram um perigoso herético. A subversão profetizada desde o século doze pelo abade calabreso Joaquim de Fiore, a saber, o advento do reinado do Espírito Santo, parece anunciar-se aos olhos de muitas pessoas neste início do século dezessete, em particular quando (por volta de 1604-1606) o aparecimento de um cometa excita os espíritos, enquanto predições apocalípticas espalham o terror um pouco por toda parte. É o momento em que Jakob Böhme vai proclamar o “nascer da aurora”. Esta mesma esperança que os rosacruzes pregam sub rosa, Böhme a colocará sob o signo do lírio: “Eis que um lírio floresce na montanha e no vale, em todos os cantos do universo. Aquele que procura encontrará. Amém”.
