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Gerhard Wehr (CHJB) – Cristosofia

CHJB

À medida que nos aprofundamos nos escritos de Böhme, torna-se cada vez mais evidente que seu objetivo não era simplesmente expressar os conteúdos de sua visão e pensamento. Sua verdadeira intenção consiste, sem dúvida, em mostrar aos leitores que buscam, questionam e batem à porta — especialmente aos atormentados pela dúvida — um caminho que conduza à regeneração do homem. Para ele, esse caminho só pode ser o “Caminho de Cristo”. Este é o título da pequena coleção de escritos de seu último período criativo, que contém seu testamento espiritual na forma de um manual de ensino religioso e espiritual. Na edição completa de 1730, o título latino correspondente é Christosophia, reunindo nove pequenos tratados. Recordemos que o primeiro livro impresso de Böhme, publicado por iniciativa de Johann Sigismund von Schweinichen sob o título “O Caminho de Cristo”, continha três textos: “Da Verdadeira Penitência”, “Da Verdadeira Equanimidade” e “Da Vida Sobrenatural”.

Böhme, que insiste em afirmar que “não adquiriu sua ciência pelo estudo” e que, portanto, não deve “reconhecer a autoridade de nenhum outro homem”, procura no entanto evitar qualquer excesso de audácia ou presunção. Ele consegue isso distinguindo cuidadosamente entre o homem exterior e o homem interior em si mesmo. Externamente, é esse “homem simples” que fala “como os leigos” e cuja rudeza nunca negou. Desde o início, em “Aurora Nascente”, ele se apresenta como um “filósofo do povo simples, que não sabe se expressar em linguagem elevada ou com elegância”. Sua segurança profética, a certeza de seu “dom”, baseia-se numa realidade diferente, sobre a qual também não tem dúvidas.

Utilizando termos empregados por São Paulo e São João no Novo Testamento — “o homem novo” e “o homem velho” — Böhme enfatiza, desde seu primeiro escrito, esta importante distinção: “Não imagines que meu 'homem velho' seja um santo ou um anjo. Não, meu caro companheiro, este homem está, como todos os outros, na casa da ira e da morte; é um eterno inimigo de Deus, mergulhado em seus pecados e maldades como todos os homens; e está cheio de falhas. No entanto, deves saber que ele está num constante e ansioso processo de geração, e que gostaria de livrar-se da ira e da maldade, embora não o consiga. Pois ele é como toda a casa deste mundo, onde o amor e a ira lutam incessantemente, e onde o novo corpo está sempre a nascer no meio da angústia. Pois assim deve ser se queres renascer; nenhum homem pode alcançar a regeneração de outra maneira.”

Esta reflexão marca um eixo no pensamento de Böhme. O que o autor de “Aurora” afirma, de modo um tanto enfático, sobre si mesmo, aplica-se em geral ao homem que se prepara para seguir os passos de Cristo. É por este caminho que se chega à cristosofia, ao conhecimento de Cristo — não no plano da razão discursiva (e, portanto, tampouco pela reflexão teológica), mas “no conhecimento do espírito no meio do nascimento do novo corpo deste mundo, acima do qual há um mestre e rei, o homem Jesus Cristo”. Böhme está absolutamente convencido de que a regeneração deve ser precedida por uma luta espiritual e psíquica. Para ele, isso não é uma questão teórica. Num escrito de justificação apresentado em 1624 ao conselho municipal de Görlitz, ele explica: “Comecei a responder a esses senhores — isto é, a seus amigos que o consultavam — no conhecimento divino; e a pedido deles escrevi vários livretos, entre os quais está o intitulado 'Da Penitência', que acaba de ser impresso. É neste livro que se encontra descrito meu próprio caminho, pelo qual recebi meu dom de Deus.”

Este escrito, que von Schweinichen — discípulo e benfeitor de Böhme — mandou imprimir, e que não tinha mais de 42 páginas na edição de 1730 das obras completas, é particularmente característico do modo de pensar de Böhme. O autor espera encontrar seus leitores entre aqueles “que desejam verdadeiramente fazer penitência e têm a vontade de começar. Eles reconhecerão, ao mesmo tempo, as palavras que ali se encontram e por que foram geradas”, como diz no prefácio. Aqui, “penitência” significa exercício espiritual; “fazer penitência” equivale a engajar-se num aprendizado espiritual. Böhme não quer limitar-se a leitores que buscassem apenas informar-se sobre um tema que não lhes dissesse respeito essencialmente; seu objetivo é transformar espiritualmente seus leitores, colocá-los no caminho de uma evolução interior. Do saber teórico à experiência prática da alma — esta poderia ser sua divisa.

Naturalmente, o teósofo expressa-se na linguagem da mística. Precisamente nos escritos que compõem “O Caminho de Cristo”, o leitor reencontra a cada passo as tradições do discurso místico. É legítimo traçar um paralelo, neste contexto, com os escritos de Mestre Eckhart, assim como com os de Johannes Tauler e Heinrich Seuse, ou ainda com a “Imitação de Cristo” de Tomás de Kempis.

O que aguarda o homem no caminho místico de Cristo, Böhme o descreve assim: “Quando o homem quer engajar-se na penitência e dirigir-se a Deus com sua oração, deve antes de tudo contemplar seu próprio espírito (Gemüt) e perceber até que ponto este se desviou completamente de Deus, tornou-se infiel a Deus e orientou-se apenas para a vida temporal, terrena e frágil.” Seria, no entanto, um equívoco confundir o autor, ao ler passagens como este, com um pregador tradicional exortando à penitência. O que é verdadeiramente característico é o convite incessante a uma reflexão meditativa que deve combinar-se com um esforço de mobilização da vontade. Trata-se também — e esta é uma imagem da atividade meditativa — de “atrair as promessas de Cristo”. E àquele que se engaja neste processo de penitência, Böhme recomenda: “Que ele simplesmente tome as palavras de Cristo e envolva-se no sofrimento e na morte de Cristo!” A isso acrescenta um apelo insistente ao leitor, pedindo-lhe que comece imediatamente o exercício espiritual proposto: “Que reúna seus sentidos e seu espírito e toda sua razão, e que tome, no mesmo instante, ao primeiro pensamento, tão logo se sinta disposto à penitência, a resolução muito firme de engajar-se ali mesmo, naquela hora e naquele minuto, no caminho da penitência, de afastar-se da via ímpia e de desprezar todos os poderes e honras deste mundo!”

Böhme não hesita em repetir numerosas vezes esse tipo de formulação. Isso não responde apenas a seu estilo pessoal, mas também à lei da repetição, associada a este tipo de literatura: “Que ele se apegue firmemente a esta imagem, e que envolva completamente sua alma nela, para que, em sua resolução, alcance o amor de Deus em Jesus Cristo!” Em outras palavras, a alma daquele que pratica a penitência deve deixar-se impregnar, por assim dizer, pelo espírito de Cristo. É importante notar que, neste contexto, Böhme não pede ao leitor que se sinta vinculado por uma profissão de fé ou por qualquer doutrina da Igreja. Trata-se, antes, de engajar-se no processo místico que corresponde à vida de Cristo, com suas etapas sucessivas: a Paixão, a morte e a ressurreição. Estas são as etapas da prática cristã de iniciação, prática que já foi exercida no passado sob diferentes formas.

As “Bodas Químicas de Christian Rosenkreutz” — obra do rosacruz Johann Valentin Andreae, da mesma época e que já mencionamos — representam igualmente uma via de iniciação de natureza semelhante. O caminho proposto por Böhme caracteriza-se pelo fato de que “ele (aquele que faz penitência) renascerá em si mesmo na humanidade de Cristo segundo a essência celestial e divina”. Ou, como diz em outro lugar: “Aqui, Adão ergue-se da morte, segundo sua pátria celestial, em Cristo.” Assim, a cristosofia de Böhme é inseparável de suas concepções antropológicas.

Este renascimento do homem, que ocorre “quando, então, a aurora surge na alma”, Böhme sabe que só pode ser sugerido, indicado por expressões simbólicas, e não descrito com suficiente precisão. O Apocalipse de São João, ao qual Böhme se refere, proclama este objetivo último da humanidade evocando as “Bodas do Cordeiro” (Ap 19,7). Além disso, o sapateiro de Görlitz enfatiza que o caminho de Cristo inclui também o encontro com a “nobre virgem Sophia”. No entanto, o processo em questão refere-se essencialmente a Cristo; trata-se verdadeiramente de “cristosofia”, conforme o título latino da obra. Daí este lembrete: “Se queres atrair Cristo, deves atravessar todo o processo de sua vida, desde sua encarnação até sua ascensão… Pois sem isso, a virgem Sophia nunca se casará com a alma.”

Para o círculo de seus amigos, Böhme redigiu ainda vários outros escritos concebidos no mesmo espírito, notadamente o texto — começado em 1624 e deixado inacabado — que intitulou “Da Santa Oração, concebida para todos os dias da semana”. O autor sublinha que não se trata, para aquele que ora, de repetir de modo estereotipado os textos propostos; pois “não são necessárias muitas palavras, basta ter a alma crente e pronta para a penitência, confiando com todo seu fervor à misericórdia de Deus, à compaixão de Deus.”

Em muitos aspectos, as concepções de Jakob Böhme evocam a gnose cristã, desde que se entenda por isso o conhecimento (gnose) que faz parte da própria substância do Novo Testamento, e que não deve ser confundido com o gnosticismo herético. Assim, o sapateiro de Görlitz utiliza com muita frequência o símbolo evangélico da pérola: “… Ó corpo celestial, tu que devoraste minha pérola, que Deus deu a meu pai Adão no paraíso.” É esta pérola, que representa o que há de divino no homem, que se trata de apreender, de realizar. Mas isso só é possível se Cristo vier tirar a alma humana de seu sono, e iluminar o espírito do homem: “Diante de ti estou deitado como um morto cuja vida flutua em seu paladar como uma pequena centelha…” Aqui nos lembramos dos Atos de Tomé, que contêm o célebre “Canto da Pérola”; este documento gnóstico conta como um príncipe vindo do luminoso mundo celeste chega, encarnado, à nossa terra, onde sua missão é reencontrar a pérola perdida. Mas ele corre o risco de esquecer sua origem celestial (que Böhme chama de “a primeira pátria”), e precisa da gnose (conhecimento) para recordá-la. Para Böhme, é o próprio Cristo que vem ao encontro da alma extraviada, graças ao que esta toma consciência de sua situação: “Quando isso ocorreu, e quando nela a centelha da luz divina tornou-se manifesta… o Senhor Jesus Cristo disse-lhe com sua voz cheia de graça: Faze penitência… assim alcançarás minha graça!”

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