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Gerhard Wehr (CHJB) – A Queda de Lúcifer e a Tragédia Cósmica

CHJB:73

Neste texto, Böhme alude a um aspecto importante de suas concepções teosóficas e cosmosóficas. Trata-se da queda trágica de Lúcifer, ser portador de luz e o mais próximo de Deus. Por causa dessa queda, a terra lucida, embora proveniente da mão do criador, não está mais em seu estado original. O jogo harmonioso dos espíritos da natureza foi sensivelmente perturbado. A terra-paraíso original não existe mais. “A terra exterior, afirma Böhme, tornou-se um fedor amargo; ela está morta”. O que, então, aconteceu? “Em sua revolta, Lúcifer tornou as forças da natureza ardentes, amargas, acre, ácidas, escuras e impuras”. Desde então, os “espíritos-fonte” (Quellgeister) também foram infectados. O cosmos inteiro é atingido por este evento trágico. A queda de Lúcifer, que Böhme lamenta infinitamente, não deve ser avaliada segundo critérios humanos e morais. Esta catástrofe em escala cósmica necessariamente ocorreu antes do “pecado”, e constitui, de fato, a condição prévia deste. Para Böhme, a tragédia que transformou a terra-paraíso em uma “casa de luto da morte” é, sem dúvida, um dos motivos que explicam sua “dura melancolia”: “Se todas as árvores fossem escritores, e todos os ramos penas, e todas as montanhas livros, e todas as águas tinta, todos juntos não poderiam, ainda assim, descrever em toda a sua amplitude o infortúnio e a miséria que Lúcifer, com seus anjos, trouxe para seu domínio. Pois ele transformou a casa de luz em casa de trevas, e a casa de alegria em casa de luto”. O pecado aparece a Böhme como a consequência direta deste evento cósmico: “_Não foi por sua própria vontade, fixada de antemão, que o homem, este pobre ser, caiu: foi sob o efeito do veneno infectado do diabo.” Existe, então, uma esperança? É significativo do pensamento de Böhme que a noção de salvação da alma individual lhe é completamente estranha. Uma vez que a criação é o “verbo pronunciado” de Deus, ela não pode ser aniquilada, mesmo que sua forma original esteja corrompida, obscurecida, morta. A morte deve acarretar a ressurreição, e esta última noção sempre inclui para Böhme uma renovação efetiva, física, nas dimensões do universo: “Pois a terra voltará a ser viva, visto que, em Cristo, a divindade a fez renascer por sua carne e a elevou à direita de Deus”. Em suma, este vasto quadro, entre a criação pelo verbo exalado e o retorno da terra ao seu luminoso estado original, contém tudo o que Böhme pode nos dizer sobre o cosmos.

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